O Bem-estar Docente em Tempo de Pandemia

Multiciência 04 junho 2020




Nesta coluna, pedimos licença aos docentes para comunicar através de suas narrativas. O pedido se justifica pela atenção e cuidado que gostaríamos de imprimir, ao destacar um dos aspectos mais frequentes nas entrevistas de profissionais da educação básica, na pesquisa em andamento, realizada por nós na Universidade do Estado da Bahia(UNEB), sobre “Os desafios das escolas e famílias com o ensino remoto”, a qual está implicada com uma demanda que persiste no campo educacional: Como nos sentimos neste período de Pandemia e distanciamento social? O escopo é a escuta de professoras(es), compreendendo seus sentimentos e experiências para que possamos, neste cenário e contexto, ter uma maior leveza frente aos desafios.
Os questionários foram distribuídos e divulgados através das redes sociais, destes 106 (cento e seis) retornaram, dos seguintes estados: Bahia, Pernambuco e São Paulo. De participação espontânea, contém 12 (doze) questões, entre elas, a proposta acima e destacada aqui, pela força que apresentou quanto aos modos de enfrentamentos e sentimentos dos docentes. Das respostas, 75,5% são provenientes de profissionais de escolas públicas e 21,7% privadas. A tabela a seguir demonstra as palavras reincidentes, escolhendo apenas as 10 mais citadas.




Fonte: Imagem com as palavras mais citadas, feita no Word Cloud.


Diante disso, os convidamos a interagir com os docentes e conhecer o que dizem sobre o misto de sentimentos que tem na ansiedade (imagem acima), a maior reincidência. Para tanto, propomos a interlocução a seguir, em formato de um diálogo com diversas vozes:

Caro (a) professor (a), 

Seja bem-vinda(o), entre, estou esperando você faz um tempo, sente um pouco conosco. Pronto! Vamos fazer uma pausa, deixando de lado todos os inúmeros afazeres, haverá tempo suficiente para eles mais tarde, agora é hora de respirar.
Venha, experimente esta poltrona. Acho que é perfeito para seu corpo querido. Agora respire bem fundo, isso, mais uma vez, sinta seu corpo, perceba seu coração, está batendo? Ouça ele mais uma vez. Como ele está? Acelerado? Respire novamente, continue respirando, até que ele vá se acalmando aos poucos e sua respiração vai voltando ao seu ritmo normal. E agora? Mais calmo, mais presente? Pronto, conte-nos, como tem se sentido:

“— As vezes tenho muito medo e também estou me sentindo desafiada a fazer chegar o conhecimento a cada um dos meus alunos”. (P.17) 
“— Desafiada, exausta com a demanda de aulas remotas, preocupada com a aprendizagem das crianças que têm acesso e, mais preocupada ainda, com as que não têm acesso aos meios tecnológicos”. (P.3) 
“— Angustiado, pois há muitas dúvidas quanto ao lado profissional”. (P.28)
“— Sem função” (P.34) 
“— No prover de Deus” (P.14)
Sabemos o que está sentindo, acolhemos os seus sentimentos e emoções, pode confiar. Não está fácil com tantas exigências, tem que dá conta de tudo, não é? Casa, família, trabalho, emprego e ainda o medo e a ansiedade que são gerados dos desdobramentos de um ‘futuro’ que não sabemos. Estamos com você, como estás?

“— Muito difícil, pois trabalho diariamente com pessoas”.(P.9) 
“— Um pouco reflexiva, com vontade que passe logo essa pandemia para voltar a vida normal” (P.13) 
“— Prisioneira de uma guerra sociopolítica econômica”.(P16) 
“— Angustiado, inseguro do futuro” (P.19)
A existência paradoxal do que estamos vivendo é grande, momentos de incertezas e (des)confianças, ser precavida(o) e ousada(o), abrigar o tradicional e ser verdadeiramente original, são atributos que fazem parte neste novo contexto que estamos vivendo. Por isso, buscamos também entender, continuem:

“— Exausta, mas esperançosa”. (P.36) 
“— Bem, sentindo-me privilegiado por manter emprego e salário, mas preocupado com a falta de disposição ou de possibilidade de muitos em não se manterem isolados, bem como preocupado com as consequências deste momento, de grave crise sanitária e também política. Isso gera certa ansiedade”.(P.20) 
“— Difícil, estamos vivenciando um momento que é novo para todos, estamos aprendendo experimentando. Me sinto insegura, acho que o nosso Presidente não está preocupado com o grave problema da pandemia.” (P.48) 
“— Misto de preocupação e alívio. Preocupação por tudo que tem acontecido, pelas pessoas que tem perdido a vida e pelas incertezas do amanhã. Aliviada por ter a oportunidade de trabalhar em casa sem prejuízo de valores e proteger minha filha que é do Grupo de risco”.(P.87)
O que podemos dizer é que tudo que estamos vivendo é uma obra em andamento, muitas vezes com situações que representam enormes fracassos, com decisões equivocadas e recomeços impetuosos, o que se recolhe depois entre o ‘desastre’ ou a ‘sorte’ inesperada é vivenciado diariamente por nós. Ser professor(a) é ser mentor(a) de conhecimentos e ensinamentos, a prática dessa tarefa tem relação com as nossas crenças, saberes, valores e virtudes. Enfrentar essa realidade é colocar tudo à prova, no entanto, não podemos fugir da grandeza que somos, por isso devemos nos questionar ‘com calma’, como podemos superar tamanho desafio, como fazem?

“— Estou enfrentando tranquilamente e bem esse período com relação a trabalho e adaptação as novas tecnologias. Mas, a ansiedade gerada pela doença em si, as vezes bate.” (P.21) 
“— Um pouco ansiosa, mas com esperança de dias melhores no futuro. Bem como pensativa sobre as mudanças que poderão ocorrer (econômico, político, social, entre outros).” (P.25) 
“— Bem, na maioria do tempo. Sextas e sábados de noite, mais solitários, são mais tristes.” (P.27)

Com o otimismo presente das respostas anteriores, apesar da barreira do confinamento, existem ‘sabores e saberes’ que podem ser experimentados. Para isso, é preciso entrar no ritmo do ‘aqui e agora’. Percebendo o próprio corpo e perguntar: o que é prioridade na vida? O que realmente é importante? Como dar conta do que tem que ser feito sem deixar de lado o que é verdadeiramente importante? Muitos de vocês apontam que os percursos podem ser diversos, como: 

“— Canalizando energias, lendo, assistindo filmes, fazendo exercícios, escrevendo projeto, cuidando da minha espiritualidade. Não fico presa as informações sobre a covid-19, filtro sempre o que vejo para evitar aprofundamento de tristezas.” (P.49) 
“— Com acúmulo de atividades, mas conseguindo dar conta, mobilizando os alunos a não desistirem, aprendendo com as novas ferramentas e preocupada com os que não têm acesso aos recursos tecnológicos para acompanhar este processo.” (P.54) 
“— Embora tenha momentos de ansiedade, procuro controlar a respiração, meditar e melhorar os pensamentos.” (P.64) 
“— Sentindo uma falta enorme da convivência com os colegas docentes, bem como, com os discentes. Todavia, feliz por poder conviver um tempo maior com a minha família e, igualmente, ter mais tempo livre para estudar aquilo que é de meu interesse e que não está diretamente relacionado com o Conteúdo Programático da Disciplina a qual leciono. (P.68)
Muitos entrevistados têm anos de experiências em sala de aula, apesar disso, os largos anos de práticas não possibilitaram a definição de um cronograma, por assim dizer, que se adequasse e/ou preparasse à chegada de algo tão inesperado como o COVID-19. Cabe ressaltar que a ausência de respostas e orientações de uma coordenação nacional também intensificou a espera, e consequentemente, a ansiedade diante do improviso contínuo, além do não preparo para um ensino, que tem nas tecnologias digitais suas bases de existência.

Como trabalhar com tantas fragilidades e planejar sem ter o entendimento do funcionamento da aula? Queremos ministrar aulas olhando nos olhos dos alunos, sentindo sua aprendizagem, percebendo sua dispersão em certos momentos, tendo no prazer do convívio e interação um desencadeador das percepções e entendimentos do ensino. Nesta nova realidade, temos que planejar no escuro, acreditando que, se a internet funcionar, se houver computador, se a casa tiver calma, se, se, se...o aluno irá conseguir assistir a aula e até aprender.

Assim, provocamos as instituições a (re)afirmarem a atenção, o acompanhamento e o cuidado com o bem-estar docente, uma demanda antiga no quadro de doenças emocionais e ocupacionais, que vêm aumentando nos últimos decênios. No entanto, com a pandemia, essa situação tornou-se mais evidente, por isso, questionamos: o que as instituições estão fazendo para acolher os professores, proporcionando o bem-estar na sua função?

Precisamos entender que neste momento não temos como nos cobrar a partir dos moldes advindos da sala de aula que conhecemos. Temos que ressignificar nossos conceitos de ensino-aprendizagem presencial e nos permitir novas possibilidades sem tanta cobrança. Escolas, pais, alunos e nós professoras(es) estamos em um período de compreensão da prática atual, errando e acertando, trazendo experiências para outros colegas. Portanto, precisamos dialogar em grupos que apoiem entre si as experiências. A assertividade de um professor pode ser o caminho de vários outros.

Somos admiradoras de Paulo Freire e dentre tantas coisas que aprendemos com ele, destacamos duas. Primeiro, ensinar exige saber escutar. Vamos possibilitar que nossos alunos falem como eles gostariam que fossem dadas as nossas aulas e quais são suas dificuldades, vamos experimentar mais e nos cobrar menos. Segundo, ensinar exige alegria e esperança. Poucas(os) foram as(os) professoras(es) que se disseram esperançosas(os). Vamos tentar dar esperança aos alunos e ter esperança, de que vai passar e que estaremos fortificadas para uma ‘outra’ educação.

O momento atual é um misto de sentimentos e dúvidas, ao menos é isso que a pesquisa tem apresentado: um cenário de emoções intensas e de ausências de respostas, cujos caminhos estão sendo definidos no processo.

Sugestão de leitura:
ESTES, Clarissa Pinkola. A ciranda das mulheres sábias: ser jovens enquanto velha, velha enquanto jovem. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a pratica educativa. São Paulo. Paz e Terra, 2011.

Legenda:

P1, P2…: Docente colaborador da pesquisa

Artigo produzido pelas responsáveis e organizadoras da Coluna Polifonia

Adriana Maria Santos de Almeida Campana
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br.




Edilane Carvalho Teles
Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com




Fernanda Lima Souza
Mestre em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Gestão Educacional e Formação de Gestores, NUGEF. Pós-graduação (Lato Sensu) em Administração e Planejamento de Projetos Sociais pela Universidade Veiga de Almeida RJ (2007), Pós Graduação (Lato Sensu) Gestão Educacional pela Pitágoras e Pós-graduação (Lato Sensu) em Gestão Pública Municipal pela UNEB. Graduada em Pedagogia com Habilitação em Supervisão Escolar pela Faculdade de Educação da Bahia (2004). Arte-educadora, ex-presidente do CMDCA e FUNDEB. Atualmente trabalha na Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Itapicuru, professora da Faculdade Dom Luiz- BA e consultora educacional.


Ilustração: Melo, estudante de Jornalismo em Multimeios