COM O ENSINO REMOTO, OS ESTUDANTES APRENDEM MENOS?

MultiCiência 20 agosto 2020


Adriana Campana; Edilane Teles; Fabiana Nascimento; Suéller Costa


Desde o início das atividades escolares com o ensino remoto (março/2020), uma questão presente, além dos modos de fazer das aulas, são as aprendizagens construídas ou não pelos estudantes neste período. No contexto e cenário, um aspecto que é notório, passados mais de quatro meses são as considerações inicialmente sistematizadas, apesar de pontuais e em estudo, dos tempos-espaços de construção de conhecimentos nos processos educacionais, os quais não são mensurados em minutos, semanas ou meses, mas em oportunidades formativas com acompanhamento, ações objetivamente planejadas e pautadas em um currículo. 

Compreender esses construtos que fazem parte das ações dos profissionais de educação exige maiores investigações sobre as práticas e os percursos criados e/ou consolidados para promover as aprendizagens, que possam nos indicar como as práticas pedagógicas estão promovendo a continuidade das formações e educação dos sujeitos (discentes, docentes e pais). Partimos da premissa de que todos aprendem! 

Mas, afinal, como acontecem as aprendizagens com o ensino remoto? É uma aprendizagem diferente daquela realizada através do ensino presencial? Aprendemos mais ou menos? Diante destes questionamentos do cotidiano em contextos diversos e, com vistas a compreender mais sobre o cenário que hoje é o lugar no qual atuamos com a educação formal (temporariamente), damos continuidade à pesquisa do Polifonia. Desta vez, buscando ampliar os conhecimentos por meio das interpretações e opiniões de pais, alunos e professores, com base no que pensam agora (agosto/2020). Neste sentido, este texto é uma reflexão sobre o que ‘empreendemos em continuidade’.  

Para destacar o tema, salientamos uma pesquisa realizada pelo programa USP Cidades Globais, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo,  que demonstrou, por meio dos dados coletados junto aos educadores, que “Professores acreditam que alunos aprendem menos com ensino à distância”. Os estudos foram divulgados em matéria transmitida pela CNN Brasil (15/08/2020). Ao acompanhar o o noticiário e ler a matéria no portal da emissora, percebemos que a avaliação de 85% dos professores nessa direção é dada considerando o despreparo de quem ensina e de quem faz a mediação em casa. A quantidade de matrículas canceladas na rede particular pode demonstrar parte do pensamento dos pais e responsáveis nesse mesmo direcionamento, entretanto, precisamos pensar com um aprofundamento maior, fundamentado em observações, escuta e pesquisa empírica, necessárias para pontuar mais coerentemente as mudanças. 

Nesse sentido, mais uma vez colocamos em pauta o ensino remoto, em comparação com o ensino presencial. O que podemos considerar como aprendizagem? A princípio, entendemos que possuímos múltiplas aprendizagens, entretanto, ao situar a educação formal, é preciso destacar uma modalidade específica, a ‘aprendizagem escolar’, que, por sua vez, não está desconectada da vida.

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) como documento e uma das referências ao currículo da educação básica define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais, ou seja, aquilo que o estudante “deve saber” ao longo desse período para o desenvolvimento de competências e habilidades, que articulam-se na construção de conhecimentos. De maneira resumida, as competências descritas são: conhecimento, pensamento científico, crítico e criativo, repertório cultural, comunicação, cultura digital, trabalho e projeto de vida, argumentação, autoconhecimento e autocuidado, empatia e cooperação, responsabilidade e cidadania.

Refletindo as competências normatizadas (BNCC, 2017) pode-se considerar que as aprendizagens necessárias na escola estão no cotidiano e na prática dos estudantes e assim retornarão, como um processo em espiral entre a vida fora e dentro da escola. Diante disso, observa-se que professores de variadas escolas e segmentos de ensino conversam e propõem projetos com os alunos sobre o Covid-19, trazendo para os percursos pedagógicos as inquietações que vêm à tona nos contextos diversos de suas vidas, como, por exemplo: pesquisas, vacinas, precauções, distanciamento, máscaras, estatísticas, células atacadas, sintomas, maneira de lavar as mãos, saúde emocional de si e dos colegas, entre tantos outros assuntos. Se precisamos de conteúdos para relacioná-los à aprendizagem, certamente, encontramos um ‘leque de opções’ para todos os segmentos, podendo ‘visitar’ todas as competências citadas acima.

Notamos que, dependendo da proposta e ação implementadas, a metodologia meramente “transmissivista” e conteudista está dando lugar a uma tentativa de contextualização e um dos motivos pode estar relacionado às questões urgentes e emergenciais, que entre as possibilidades de entendimento está a capacidade humana de adaptação e criação de alternativas para a resolução de problemas. Nesse caso, conteúdos não faltam no período de pandemia, bastando o professor manter uma interação possível, por meio remoto, o que não é fácil, pois exige uma inventividade contínua, encontrando alguns limites: dificuldades nos usos e apropriação das tecnologias, a formação continuada de professores e o acesso, como alguns dos complicadores encontrados na realização do ensino remoto. 

Entretanto, não se esgotam por aí, existe ainda o reforço, por assim dizer, dos pais, que são os ‘receptores’ das propostas junto aos filhos, os quais devem fazer o acompanhamento, antes feito pelos professores dentro das escolas. Hoje, a escola mudou de lugar, está dentro de casa, literalmente, e isso tem implicações. Os estudantes conseguem definir estudos relacionados à escola e o cumprimento das tarefas de casa? Ou seja, a rotina mudou, e, com isso, os tempos-espaços da instituição e currículo escolar. 

Cabe destacar, com uma ênfase a ser conhecida por todos, a interação e atuação do docente, como ciclo continuado e ininterrupto (que pode ser exaustivo, levando ao cansaço) das construções remotas no dia a dia das aulas, além de não ser (in)comum observarmos, em ambientes virtuais, professores relatando melhoras significativas na sua prática remota (aqui identifica-se aprendizagem do docente), inclusive no que diz respeito à criação de possibilidades antes não experimentadas. Assim, iniciamos a reconhecer e pontuar aprendizagens.

Também temos observado que a interação é de enorme importância. O simples fato de o professor chamar o estudante pelo nome ou solicitar respostas para uma questão faz muita diferença. Aulas ao vivo são mais interessantes nesse sentido.

Na verdade, queríamos tomar o ensino presencial e reportá-lo para o remoto, esquecendo que o mundo todo se modificou, sendo natural mudanças na educação. Não falamos apenas de conteúdo, mas queremos ministrar aulas remotas pelo mesmo período que as aulas presenciais. Mas basta ficarmos mais de uma hora olhando um professor dar aula que já nos cansamos, ficamos esgotados, e seguimos como se isso não significasse nada. Tais aspectos requerem uma consideração urgente, o ensino remoto não deve ter o mesmo formato do presencial.

Os pais, por sua vez, gostariam que não fosse necessária uma mediação em casa, lembrando os tempos que não havia o perigo de contaminação e com tantos afazeres, ficam esgotados. Mas esta conquista está sendo observada por alguns dos responsáveis, em todos os segmentos, e se chama ‘autonomia', uma das competências descritas na BNCC. Temos consciência de que não será conquistada de um dia para o outro, mas estudantes, aos poucos, estão, cada um no seu tempo, construindo a sua. 

Importante ressaltar que relacionada à autonomia está a rotina, que trouxemos no texto “Por que pensar sobre as rotinas das crianças e adolescentes?” no dia 7 de maio. Ela possibilita uma organização de pensamentos e fazeres, tornando efetiva a concentração em um momento de tanta incerteza. Estamos falando em aprendizagem dentre os estudantes que possuem internet e podem acessar aulas remotas. Sabemos que isto não está acontecendo para uma parte dos estudantes, o que torna a desigualdade ainda mais concreta. 

Desta forma, estamos realizando a segunda etapa da pesquisa sobre o “Ensino Remoto na Educação Básica”, com a aplicação de questionários com questões abertas e fechadas, abaixo destacadas:

Questionário para Pais

Questionário para Alunos

Questionário para Professores 

O percurso para a compreensão sobre as aprendizagens ainda é longo. Durante as ações, precisamos aguçar a escuta, a observação com reflexão e a pesquisa, colaborando com os sujeitos da escola e fora dela. Sobre estas, algumas considerações: 

  1. As respostas, até agora, apontam numa perspectiva negativa sobre as aprendizagens, o entendimento da maioria é de que aprende-se menos;
  2. As poucas considerações que apontam como “boa” relacionam a um processo de adaptação, no qual afirmam ver as aprendizagens em perspectivas diversas, como o uso das tecnologias além do entretenimento, a autonomia de alguns, a construção de habilidades, como a capacidade de produção e conhecimentos em um contexto completamente diverso, incluindo a criação e a criatividade;

Ademais, é ainda cedo para apontar com mais objetividade, por isso a relevância da investigação sobre a recepção daqueles que vivem a educação básica neste período.

O que voce pensa? Em se tratando da educação formal, com o ensino remoto aprendemos menos?


Autoras:
Edilane Teles é Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Coordenadora do Observatório de Educação Midiática e Tecnológica na formação docente. E-mail: edilaneteles@hotmail.com 

Adriana Campanha é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Vice-líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br.

Fabiana Nascimento é Graduanda de Pedagogia, Departamento de Ciências Humanas, Campus III, Universidade do Estado da Bahia. Licenciatura em Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Pernambuco (UPE). Monitora do Observatório de Educação Midiática e Tecnológica na formação docente. E-mail: fabiologica6@gmail.com

Suéller Costa é Jornalista, Educadora, Educomunicadora e Pesquisadora. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Educomunicação, Tecnologias na Aprendizagem e Alfabetização e Letramento Digital. Atua como professora da Educação Básica, colunista especializada em textos voltados a educação e cultura, articuladora de projetos educomunicativos no ensino formal e não-formal. E-mail: sueller.costa@gmail.com