Por que pensar sobre as rotinas das crianças e adolescentes?

Multiciência 07 maio 2020

Porque as rotinas são importantes para organizar as próprias ações, potencializam atividades diversificadas que contribuem com o desenvolvimento humano, orientam as dimensões do conceito de tempo nas demandas da vida e colaboram com as escolhas, oferecendo benefícios que dão sentidos aos processos, percursos e construtos das atividades diárias. 
As reflexões aqui propostas emergem principalmente por conta das muitas horas que crianças e adolescentes agora passam em casa, no isolamento social, causado pelo COVID-19. Como organizar o dia-a-dia? A priori, é preciso destacar que as rotinas são importantes ‘sempre’, desde o nascimento, sobre as quais, é preciso considerar, que não existe uma ‘rotina ideal’ ou modelosa serem seguidos, cada família tem sua rotina, que adapta-se à própria realidade. Apesar disso, têm surgido fortemente nos debates, exigindo não apenas pensar sobre, bem como apresentar proposições que informem e esclareçam. É preciso refleti-las.
Para isso, existem nos campos educacional e da psicologia, orientações neste direcionamento, especificamente para colaborar com o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional dos sujeitos. Assim, a proposta é de ampliação da atenção, responsabilidade, interesse e insistência, de que é possível observar nas rotinas, a busca por conhecer e compreender as proposições/ações que podem sugerir e/ou realizar, para que as atitudes, interpretações e construções sejam para melhorar as aprendizagens na gestão do tempo e a autonomia diante das escolhas e da vida.
Outro aspecto importante é que a criança e o adolescente quanto constroem esta noção de estruturação das atividades, podem compreender diferenças basilares sobre direitos e deveres da vida em sociedade. Mas essa não é uma tarefa fácil, pois muitos contextos são de pais trabalham fora ou não os tem acompanhado de ‘perto’, ou ainda, de ausências.
Vale destacar que quando sabem o que precisam fazer, o por quê das coisas, desde que com oportunidades de interação (mesmo exclusivamente em casa), organizam as emoções e a recepção das coisas, como, por exemplo, a espera de que algumas destas ocorrem com freqüência, diferente de outras que mudam, outras que são novas, aleatórias, entre as muitas nuances que podem ter. Entretanto, é a constância das atividades ‘fixas’, que de certa forma os orientam. O que esperar? Algo claro nas rotinas é que estas evitam o stress da mudança constante, a agitação de não saber o que ocorrerá, é preciso clareza diante das coisas, assim, crianças e adolescentes requerem/precisam de orientações e acompanhamento e, somos nós (pais, professores, escola, outros cuidadores e sociedade civil) que devemos ajudá-los nessa empreitada.
Nesse sentido, o intuito é abordar algumas questões sobre a ‘importância da rotina e possibilidades para crianças e adolescentes que estão cumprindo o isolamento social. Com isso, não pretendemos reproduzir atitudes adultocêntricas, que impõem condutas, mas refletir e propor, com embasamento e experiência, possibilidades de entendimento e práticas em nossas casas.

É interessante que este “planejamento móvel do tempo”, conforme afirma Maria Carmen Barbosa, oportunize a cognição, ludicidade, hábitos e atitudes além de saúde, higiene e alimentação, que possuem especificidades em cada casa. Entretanto, no universo infantil temos dificuldades e muitas vezes não conseguimos delimitar onde acaba o cuidado com a alimentação e começa a cognição, por exemplo.
A criança se sente segura quando compreende a sucessão de práticas, mas esta rotina só será consolidada se fizer sentido para ela. Temos então que contextualizar as rotinas, inclusive em casa. Podemos organizar ambientes, selecionar materiais, criar propostas que propiciem momentos de brincadeiras, de explorar, de convivência, de expressar-se, de participar e de conhecer-se. Como afirmou Haim Grunspun, no prefácio do livro “Quem ama educa” de Içami Tiba, “No amor um filho se cria sozinho, mas, por mais que seja amado, ela não se educa sozinho”, assim como, é preciso cinco regras para alcançar a educação integral : “parar, ouvir, olhar, pensar e agir”.
A rotina deve ter uma possibilidade de alternativas para que a televisão ou o tablet não sejam compreendidos como único caminho de entretenimento e arte. A capacidade de atenção da criança, partindo de observações em espaços não formais, é muito significativa em diversas atividades que tenham o contato com água, por exemplo. A transposição de sólidos, que podem ser bolinhas de isopor ou mesmo sementes, de um recipiente para o outro, com uma colher de sopa, de sorvete ou uma pinça de gelo, propiciam além da melhoria da coordenação motora e concentração, o fortalecimento da autoestima da criança, em conseguir o seu objetivo de transpor até o outro recipiente sem que o objeto caia. A concentração da criança pode sim ser trabalhada em atividades do cotidiano, como um desenho, ouvir histórias antes de dormir, assistir um filme juntos, entre outras.
Temos ouvido muitos relatos da importância que as crianças e adolescentes dão para conversas com seus professores, amigos e parentes. É quase unanime a alegria e cumplicidade sobre estes momentos. Assim, é fundamental o fomento e continuidade das conversas com avós e avôs que estão longe; primos, pessoas queridas, para que o vínculo, mesmo na distância, não seja enfraquecido. A seguir, colocamos em evidencia a construção de uma rotina:

1.  Primeiro eles fazem um levantamento e lista do que gostam de fazer (ex: assistir séries, falar com os amigos no celular, fazer algo de arte, brincar, tocar, pintar, fazer atividades físicas, etc…);
2.  Depois fazem outra lista, do que não gostam de fazer, mas tem que fazer, como: estudar, ajudar na arrumação da casa, arrumar seu quarto…;
3.  Cria-se uma tabela colocando de segunda a domingo de forma vertical e, manhã, tarde e noite, de forma horizontal;
4.  Vai colocando na tabela: pela manhã, o horário de acordar, tomar cafe, de estudos, coisas legais que irão fazer; e assim continua, até exaurir as listas;
5.  O que é fixo, sinaliza, coloca de uma cor em destaque, que precisa ser exatamente naquele horário, como os estudos;
6.  Importante garantir os momentos livres também, que podem fazer o que quiserem. Como, por exemplo, no domingo, ‘à escolha livre’. Durante a semana também é preciso garantir esses momentos, para que o processo criativo aconteça. Pois, se a rotina for muito rígida, o limita, é preciso oxigenar o cérebro das informações, ter momentos para não pensar em nada, para que a vontade de fazer coisas, que não faz normalmente, surja, que a criatividade flua. A vontade emerge no processo de liberação das informações, nas ausências dos excessos de estímulos. Quando se esvazia esse excesso, vem o processo criativo.

A proposta aqui é que possamos pensar, participar e acompanhar as rotinas, como um convite para dialogar sobre educação, a qual é colocada à prova por conta da Pandemia, que ‘limita’ e/ou ‘suspende’ muitas das ações direcionadas às formações, porque as escolas estão fechadas para atividades presenciais, demandando outros modos de interação, assim como, maior acompanhamento de pais e/ou responsáveis, que precisam dar continuidade aos processos iniciados e orientados pelas instituições escolares, além daqueles que vivenciam em casa.
São muitas as questões que necessitam de reflexões e tentativas de respostas rápidas, para que o diálogo e o debate permaneçam livres e atuantes. Assim, com vistas a ampliar este processo comunicacional, esta Coluna Polifonia terá a participação de diversos profissionais, produzindo reflexões e análises a partir das demandas encaminhadas pelos leitores. Enviem questões para nossos e-mails pessoais e buscaremos incluí-las.

Artigo para Coluna Polifonia produzido por:
Adriana Maria Santos de Almeida Campana 
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br
Responsável e organizadora pela Coluna Polifonia. 

Edilane Carvalho Teles:
Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com
Responsável e organizadora pela Coluna Polifonia. 


Fernanda Lima Souza
Mestre em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Gestão Educacional e Formação de Gestores, NUGEF. Pós-graduação (Lato Sensu) em Administração e Planejamento de Projetos Sociais pela Universidade Veiga de Almeida RJ (2007), Pós Graduação (Lato Sensu) Gestão Educacional pela Pitágoras e Pós-graduação (Lato Sensu) em Gestão Pública Municipal pela UNEB. Graduada em Pedagogia com Habilitação em Supervisão Escolar pela Faculdade de Educação da Bahia (2004). Arte-educadora, ex-presidente do CMDCA e FUNDEB. Atualmente trabalha na Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Itapicuru, professora da Faculdade Dom Luiz- BA e consultora educacional.


Referência para leituras complementares:
BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Por amor e por força: rotinas na educação
infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.
TIBA, Içami. Quem ama educa. São Paulo: Editora Gente, 2002.
ZAGURY, Tania. Educar sem culpa. A gênese da ética. Questões que afligem e reflexões que aliviam os pais modernos. 19a. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. 

Ilustração: Melo, estudante de Jornalismo em Multimeios.