A crise de meninos nos EUA mostra uma sociedade repressiva

Multiciência 07 maio 2020




A ensaísta francesa Olivia Gazalé afirma que a virilidade é um modelo normativo que a sociedade impõe sobre os homens. Lançando máximas como, “um homem sempre deve parecer forte”, “homem não chora”, esse ideal da virilidade causa muito sofrimento na vida de meninos que se transformam em homens reprimidos e violentos, como nos mostra o documentário A Máscara em que Você Vive, disponível  na Netflix.

Dirigido por Jennifer Siebel Newsom, o documentário fala sobre “a crise de meninos” nos Estados Unidos, sobre uma sociedade que cria uma cultura onde meninos aprendem desde cedo que a masculinidade está associada à rejeição da feminilidade. Para construir o discurso da obra, Newsom fez entrevistas com vários profissionais e usou dados estatísticos sobre o sexo masculino, além de entrevistar três gerações de homens que nos contam suas histórias de silêncio e solidão, falas que ouviram de seus pais como: “pare de sentir”, “se componha”, “não seja bichinha”, “não deixe que te desrespeitem”, “ninguém gosta de linguarudos”, “que viado”, “não deixe uma mulher te dominar”, “amigos primeiro, vadias depois”, “ei, vira homem!”.

As três gerações de homens ouviram desde a infância que demonstrar sentimentos é uma fraqueza e característica feminina e que deviam repudiar isso, sendo atléticos, musculosos e contidos, desvalorizando suas necessidades emocionais e desejos de conexão para se esconderem atrás da máscara da masculinidade. De modo que os meninos entrevistados não conseguem desabafar nem com amigos, ou simplesmente falar: “como posso te apoiar?”. Um jovem declara que “quando está tudo bem, amigos homens são muito bons amigos e interagem bem, mas quando as coisas pioram, parece que você fica sozinho”.

A película demonstra que a forma encontrada por esses meninos para suprimir a solidão e a dor psíquica que sentem é bebendo álcool e usando drogas. Após um adolescente narrar que pensou em suicídio, o documentário traz falas do psicólogo William Pollack para esclarecer que a sociedade imagina que meninas terão mais depressão por serem mais caladas e quietas, quando nos meninos ela se manifesta justamente nos momentos em que eles explodem, ficam agressivos. Diante disso, pais e professores acham que eles estão apenas sendo “crianças ruins” ou tendo “um desvio de conduta” e antes que percebam outros sintomas de depressão neles, os meninos já estão propensos ao suicídio.

De acordo com o documentário, a cada dia, três ou mais meninos se suicidam. E é na mesma idade que a linguagem emocional some da narrativa desses garotos que a taxa de suicídio entre eles cresce sete vezes mais do que em meninas. As taxas de suicídio entre os homens representam quase o triplo das mulheres, pois seus métodos são mais violentos. E cabe lembrar que no Brasil, o jovem homem negro, vítima do racismo e da hiperssexualização do seu corpo comete mais suicídio do que o jovem homem branco (veja links no final do texto).

Outro problema citado no documentário é a construção feita pela mídia de figuras “hipermasculinas” que os meninos tentam imitar. Para a cientista política Caroline Heldman, seja em filmes, programas de TV e em outras formas de cultura, meninos veem diversos arquétipos de caras e super-heróis fortes que não demonstram emoções e fazem uso da violência para manter o controle. O que só piora com a pornografia. Pela falta de educação sexual em currículos escolares e de diálogos familiares sobre a sexualidade humana, a pornografia acaba sendo a educação sexual para a maioria das pessoas.

O problema - como apresenta a obra audiovisual - é que temos meninos sem nenhum tipo de experiência sexual ficando viciados em estímulos visuais que dão a ideia de que aquilo que estão vendo seja o normal, que mulheres querem “o nível de brutalidade e sexismo casual” visto na tela e que os homens devem agir exatamente daquela maneira, numa performance de dominação e violência. Segundo as estatísticas trazidas pelo documentário, a pornografia faz com que meninos objetifiquem o corpo das mulheres, aumenta a agressão sexual e o mito de que a mulher quer ser violentada.

Contudo, a obra traz esperança e mostra o poder da educação. Vemos grupos de reflexão para meninos em escolas e para homens na prisão, nos quais passam por um processo de desconstrução desse modelo de masculinidade tóxica e aprendem a expressar seus sentimentos. Em uma das cenas mais lindas do documentário, meninos recebem de um educador máscaras. De um lado, eles escrevem o que deixam as pessoas verem em seus rostos e, no outro lado, o que escondem por trás da máscara da masculinidade. Durante a dinâmica, o professor percebe que 90% dos garotos na sala escreveram que reprimem seus sentimentos: dor e raiva. Um dos meninos começa a chorar e outro sussurra algo e o abraça num gesto de empatia.

A Máscara em que Você Vive acaba sendo uma obra intimista, sensível e dolorosa, que tem sua relevância em apontar que tanto a violência que os homens cometem contra si quanto a violência que cometem contra as mulheres e a população LGBTQI+ estão diretamente ligadas a forma como são socializados. Isso não ocorre somente nos EUA, está entranhado na cultura ocidental. E essa situação só vai mudar, de acordo Olivia Gazalé, quando reinventarmos a forma como pensamos a masculinidade. Quando pararmos de desumanizar nossos meninos e dissermos que eles podem sim chorar, sentir, falar, promovendo diálogos acerca de seus corpos e emoções, falando com eles sobre palavras essenciais como respeito e consentimento. Porque um menino machucado se tornará um homem machucado, um menino que não sente ou consegue expressar suas emoções, em algum momento se tornará um homem que explodirá. Não deixe que isso aconteça.


Por Jônatas Pereira, estudante de Jornalismo em Multimeios. E-mail: jonataspereiradonascimento@gmail.com


Fotos: Google
Links importantes:

Medium: Hiperssexualização dos corpos negros
Folha de S. Paulo: Feminismo e Reinvenção da Masculinidade
Alma Preta  Homens Negros são vitimas de suicídio