É possível afirmar que estamos a construir os caminhos para um ensino mais democrático?

Multiciência 06 agosto 2020

Ensino Remoto


Não é uma novidade que a educação precisa incluir em seu enfoque teórico-metodológico, mais entendimentos dialogicamente construídos sobre os usos e consumos das tecnologias da comunicação e informação (TCI’s). Assim como, a aproximação imbricada da interface com a Comunicação, que se coloca no centro das relações pessoais, científicas, econômicas e domésticas, aliada à formação nos diversos segmentos de ensino nas instituições, embora ainda exista uma grande parte de profissionais que optaram por “não utilizar” tais meios no cotidiano de suas aulas. Ou melhor, não utilizavam! Pois, a realização das ações laborais neste período de distanciamento social têm demonstrado um movimento que corrobora com uma (re)tomada de sua importância, para o desenvolvimento e continuidade no campo educacional. 

Nesse sentido, pode-se afirmar que as aprendizagens são diversas, sustentadas nas elaborações autorais de muitos docentes, por vezes, em contraposição às investidas do mercado que atua com tecnologias, sobre as quais insiste em destacar como orientação conceitual e metodológica de “tecnologias educacionais”. Assim questionamos: seriam essas tecnologias centradas e/ou criadas para os processos educacionais, por isso, o termo? A pergunta, entre outras em igual mensura, emergem das mídias e discursos da sociedade como necessários, ao passo que elabora-se as estratégias de realização das práticas pedagógicas no modo remoto. Sobre as quais pode-se ponderar que a transferência dos conteúdos da modalidade presencial para as plataformas digitais, não são suficientes para a tão desejada inclusão das TCI’s e mídias nos currículos e educação, este processo é mais complexo do que simplesmente usar como meio, é principalmente espaço-tempo de criação, mas para isso é preciso repensar as formações e práticas instituídas. 

Atualmente, esta aproximação é forçosamente direcionada aos usos das tecnologias, em face da pandemia do novo coronavírus. Talvez o fato de o “mundo ter parado”, exigiu de cada um, renegociar seus posicionamentos, muito mais fortemente os docentes, que têm nos recursos tecnológicos as possibilidades de realização da sua força de trabalho.

Nessa onda avassaladora de apps de comidas, supermercados, delivery dos mais variados, nos perguntamos como fazer com a educação. Um delivery mais sofisticado, contudo, também mediado pelas tecnologias? Ou mediado pelas/com as pessoas protagonistas de suas próprias ações com a transversalidade das TCI’s?

As indagações acima servem de tensionamento necessário para incluirmos nas pesquisas no campo, os diversos modos de atuação que perpassam por este “novo” formato. Pois, se não está organizado e/ou definido numa perspectiva democrática e de alcance à maioria, sua elaboração formada paulatinamente, a partir de decisões aligeiradas nos contextos, configura-se como uma orientação no mínimo confusa, na qual cada segmento realiza ao próprio modo. Apesar disso, é possível perceber um processo rico de criações, não pensadas anteriormente, nos fazendo incluir nos contextos de formação e atuação docente, ações que nos permitem (re)pensar sobre os “destempos” vividos entre a evolução das tecnologias e das mídias, com as práticas de ensino, em período anterior ao que vivemos agora. Outro aspecto a ser enfatizado e observado com mais cuidado são as investidas que aparecem nos discursos relacionados aos usos, como uma saída à problemática que veio para “ficar”. De fato, a principio, as TCI’s sempre estiveram mais relegadas a pequenos grupos de especialistas, cada um fazendo como vemos agora, com orientações que pautam os próprios construtos. 

A crítica se faz necessária, pois na educação as abordagens são construídas e ganham sentido com as experiências implementadas, todas elas provisórias, nunca determinadas e, assim é que são. Não podemos definir ‘seguramente’ as melhores formas de inclusão e usos, mas podemos observar e compreender os modos como realizamos, fundamentando com as tentativas ‘legítimas’ de respostas dos vários segmentos: educação infantil, ensino fundamental I (anos iniciais), ensino fundamental II (anos finais) e ensino médio, como aqueles que formam as bases elementares da educação das maiorias. 

Este é apenas um texto introdutório para salientar que os ensinos remotos que observamos e implementamos nas tentativas do fazer cotidiano, servem também de inspiração para o entendimento da educação em tempos tão inseguros, que nos convidam a repensar não apenas a práxis docente, bem como, as abordagens pedagógicas e, juntos, num construto polifônico, democrático e inventivo, as referências para o “depois”, que não sabemos se será uma outra “normalidade”. Sobre isso é preciso relembrar que não tínhamos um “normal” na educação, pois esta vinha sofrendo ataques ideológicos e políticos contínuos que direcionavam cada vez mais a educação à privilegiados, como vemos agora, parte fazem o ensino remoto, outros não. Ou ainda, o ENEM, por exemplo, precisou de uma campanha nacional para ser adiado, entretanto, já tem data marcada, apesar da Pandemia não ter data prevista de finalização ou redução do contágio. Ou seja, não vivíamos um normal na educação e tampouco agora, assim, é preciso que não nos acostumemos com o chamado momentaneamente de “novo normal”, para quem? Quem é incluído e/ou protegido? E os jovens da periferia e das escolas públicas que farão o ENEM e/ou seleções para adentrar à universidade, são incluídos neste formato? Ou este fica restrito apenas para os alunos das instituições privadas com seus laptops e internet em casa? 

Não podemos deixar estes argumentos chegarem a um normalidade que não existe, a resistência e reinvidicação por uma educação de qualidade e garantida a todos, precisa ser a “normalidade”! É com vistas a refletir e compartilhar os tópicos acima, presentes na educação, que passamos aqui a descrever uma experiência executada através do Projeto Universidade para Todos (UPT), proposta de extensão da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como um dos exemplos, se assim podemos afirmar, de invenção neste período, como um dos elementos na perspectiva e um futuro para um ensino além dos muros das instituições.   

Apresentamos a ação intitulada: Estude em Casa durante o Distanciamento Social.  Que tem como objetivo central promover a discussão de temas necessários para minimizar os efeitos da coronavírus na Bahia, bem como, antecipar as revisões dos conteúdos indispensáveis aos exames do ENEM e vestibular da UNEB. A ideia é mobilizar e manter as redes de contato entre os alunos/as egressos/as, assim como, os alunos/as aprovados/as na seleção UPT/2020, gestores, monitores e a coordenação geral. Num entendimento que reverbera no seguinte enunciado: “Não podemos perder tempo quando a matéria é educação!”

A metodologia é desenvolvida através de videoaulas produzidas a partir da home office de monitores das 11 disciplinas (do ensino médio) e demais convidados. Os vídeos seguem um roteiro previamente estruturado pela coordenação pedagógica e pela ASCOM/UPT(Assessoria de Comunicação) que direciona a produção dos videoaula e podcasts e, posteriormente, organizará o material nas mídias oficiais do UPT/UNEB. Isso garante que os estudantes possam acessar o conteúdo de suas casas, se resguardando em isolamento. Os referidos videoaulas e podcasts são disponibilizados na rede (Plataforma Estude em Casa e Youtube) para serem visualizados em momento mais oportuno pelos estudantes que poderão acessá-los diretamente de seus celulares ou de acordo com suas rotinas virtuais de usos e consumos das tecnologias. Com a proposta temos clareza que existe a limitação das conexões e acessos, entretanto, é uma alternativa na impossibilidade presencial. 

Além disso, a cada final de disciplina, é produzida uma live, no sentido de realizar o feedback entre os/as estudantes que acessaram o conteúdo, e monitores/as convidados/as, mantendo o fluxo de entendimento e aprendizagens. Também é divulgado endereço de e-mail, para que todas as dúvidas possam ser dirimidas.

Imagem 1: Print de tela – Plataforma Estude em Casa durante o distanciamento social

Fonte1


A plataforma, ainda conta com um repositório de conteúdo e ações desenvolvidos em 2019, acervos de bibliografias, bibliotecas virtuais, museus on-line, guias práticos, com a finalidade de propiciar um estudo integral aos internautas, que se interessam em realizar o ENEM e o vestibular da UNEB.

Imagem 2: Print de tela- Plataforma Estude em Casa durante o distanciamento social


Fonte2

As imagens 1 e 2 apresentam a página inicial da plataforma, bem como o Papo Reto (vídeo temático) da semana, que corresponde ao tema Racismo.

Portanto, Estude em Casa durante o Distanciamento Social, convida os estudantes da capital e do interior ao fortalecimento dos vínculos, ao conhecimento de temas que emergem do mundo atual, no sentido de impulsionar os estudos, a participação coletiva, mediante aos usos de metodologias ativas na educação, onde serão mobilizados profissionais e as tecnologias de comunicação e informação, para que juntos possam garantir que jovens da Bahia consigam, apesar da crise planetária, garantir a inserção no ensino superior.

Alguns entendimentos a partir da experiência acima: 

  • É preciso investigar como as demandas de agora com o ensino remoto e o uso das TCI’s podem influenciar as decisões sobre as abordagens pedagógicas futuras;
  • Refletir e agir sobre o não acesso de muitos estudantes ao ensino remoto, os quais aguardam uma decisão do estado de dissolução do problema, portanto, um tema que carece de uma política para uma grande parcela da população de estudantes;
  •  Conhecer as diversas proposições teórico-metodológicas com as tecnologias e mídias, compreendendo as conceituações que emergem com os diversos usos;
  • Compreender que a ação aparece como uma alternativa, entre tantas outras, para a “resolução” dos problemas da educação, alguns até apresentando-se como saídas “seguras”; vale destacar que precisa ser uma construção compartilhada pelos coletivos, incluindo a diversidade que lhe representa, no conflito dialógico e respeito às diferenças; 
  • Aproveitar das experiências construídas nos diversos segmentos de ensino, para promover mudanças na melhoria das práticas com as tecnologias e mídias, numa perspectiva cada vez mais crítica, inclusiva e de inovação. 

  • Por fim, a pergunta que abre esta breve discussão continua em aberto, a espera que tomemos em nossas ações, a construção (sempre provisória) de uma educação mais democrática e inclusiva.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNC C_20dez_site.pdf. Acesso em: 22 de dezembro de 2017.


Autoras do texto:

Edilane Carvalho Teles é Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Coordenadora do Projeto Polifonia e do Observatório de Educação Midiática e Tecnológica na formação docente. E-mail: edilaneteles@hotmail.com

Elis Rejane Santana Silva, Dra. Em Ciências da Comunicação da ECA/USP. Professora Assistente – Campus III - UNEB. ​Coordenadora Pedagógica UPT. Educomunicadora e Ecóloga Humana.