O Samba de Véio do Rodeadoauro nas ondas do Rádio

Multiciência 17 setembro 2020

Mulheres, homens, jovens e crianças se movem ao compasso das batidas de tambor com pele de carneiro, os pés seguem o ritmo dos sons e dos versos improvisados. No centro do círculo, uma senhora dança até que encosta  a barriga na do jovem moço. É a famosa “umbigada” convidando o companheiro para entrar na roda. É desta forma que o Samba de Véio do Rodeadouro resiste há anos no município de Juazeiro (BA), encantando os moradores e turistas que assistem à manifestação cultural.

Para relembrar esse legado da cultura afrobrasileira, o jornalista Márcio Santos Reges realizou o radiodocumentário O Outro “Samba do Rio”, que narra a riqueza da manifestação e o esquecimento a que ficou submetido. Como afirma Márcio Reges, muitos associam o Samba de Véio ao grupo cultural da Ilha do Massangano, em Petrolina (PE), mas foi em terras remanescentes do quilombo do Rodeadouro que este ritmo nasceu. Nas ondas sonoras do rádio, o outro “Samba do Rio” reverencia a origem da tradição carioca, conhecido a partir das festas promovidas por Tia Ciata, mas demonstra como a tradição do batuque encontrado no Velho Chico preserva a autenticidade com a forte pisada no chão, a sonoridade do tamborete de couro de bode e o bailado juazeirense-ribeirinho-salitreiro.    
Márcio nasceu na Lagoa do Salitre, distrito do município juazeirense, e, desde criança, conhece o ritmo sonoro vem das terras do Salitre e do Rodeadouro, cuja raízes remontam a chegada do primeiro morador, o africano Aloquê, que mantiveram modos de organização dos povos tradicionais afrobrasileiros, desde o cultivo coletivo no plantio das roças até a transformação da pequena ilhota como destino turístico. Tudo era compartilhado com a comunidade e a religiosidade se manifestava como elemento identitário. Não se sabe a data exata das primeiras festas de samba, mas as heranças são os batuques das Festas de Santos Reis. Como conta Dona Ovídia Izabel de Sena, “batuque é quando a gente convida uma pessoa para tirar um verso tanto no Samba quanto Reisado”.

Marcio Reges relata que era comum o samba ser celebrado nos casamentos e para cumprir promessas. Com os instrumentos em mãos - pandeiro, triângulo, e mais recentemente a guitarra, usado apenas na comunidade do Rodeadouro - os idosos visitavam as casas dos vizinhos e pegavam os bancos de assento com couro de bode. Bastava esquentar ao fogo para afinar e o Samba reinava. “Quando tinha a graça atendida, pagava a benção alcançada promovendo uma noite de muito Samba com comida e bebida até o amanhecer do dia. Como essa manifestação era praticada apenas por pessoas idosas, passou a se chamar Samba de Véio”, esclarece Márcio Reges a partir de entrevistas com integrantes do grupo cultural. Nas festas, sempre tinha uma cachaça. Mas, atualmente, como existem crianças e jovens dançando, são servidos refrigerantes e sucos. 
Neste documentário de rádio, Márcio Reges valoriza a cultura do grupo, com reprodução das cantorias como Cantiga de Reis, Samba de prata Samba de Ouro, A onça da Gameleira, Chora viola, Piaba ê, Piranha, Viola nova, presentes no CD instrumental do grupo. O programa de rádio reconhece a trajetória de moradores locais que mantiveram a tradição, como dona Francisca Pereira, na década de 1980; o senhor Manoel Severiano, do povoado da Boa Vista no Salitre, que convidou a comunidade a retomar as atividades no ano de 1993; Dona Ovídia, e a professora Lucimeire Oliveira Silva, que trabalhava na escola Municipal Maria Monteiro Bacelar, e a partir do ano de 2000, mobilizou a comunidade para expandir a cultura e consagrá-la em eventos públicos. Atualmente, tanto a Associação Cultural de Samba de Véio do Rodeadouro (ACSVER) como o grupo Carrapicho Virtual procuram manter o legado do samba e do reisado, comemorado em janeiro no distrito de Alfavaca.
Quem chega a Juazeiro e assiste a uma apresentação do Samba de Véio do Rodeadouro se encanta com os versos musicais, o ritmo, as vestimentas coloridas, a dança dos idosos, jovens e crianças. O radiodocumentário, produzido como trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) sob a orientação da professora Fabiola Moura, é um importante registro à memória e história da região. Com 25 minutos de duração,  o programa de rádio está disponível  no canal do MultiCiência, na plataforma do Youtube. A produção é um convite para singrar as águas do Rio São Francisco ou adentrar as terras do Salitre para se deliciar com uma sonoridade que só existe aqui: o outro "Samba do Rio" - o Samba de Véio do Rodeadouro.  

Andréa Cristiana Santos, jornalista, professora do Departamento de Ciências Humanas, campus III, Uneb e coordenadora da Agência MultiCiência.

Fotos: Márcio Santos Reges