Mulheres, homens, jovens e crianças se movem ao compasso das batidas de tambor com pele de carneiro, os pés seguem o ritmo dos sons e dos versos improvisados. No centro do círculo, uma senhora dança até que encosta a barriga na do jovem moço. É a famosa “umbigada” convidando o companheiro para entrar na roda. É desta forma que o Samba de Véio do Rodeadouro resiste há anos no município de Juazeiro (BA), encantando os moradores e turistas que assistem à manifestação cultural.
Márcio nasceu na Lagoa do Salitre, distrito do município juazeirense, e, desde criança, conhece o ritmo sonoro vem das terras do Salitre e do Rodeadouro, cuja raízes remontam a chegada do primeiro morador, o africano Aloquê, que mantiveram modos de organização dos povos tradicionais afrobrasileiros, desde o cultivo coletivo no plantio das roças até a transformação da pequena ilhota como destino turístico. Tudo era compartilhado com a comunidade e a religiosidade se manifestava como elemento identitário. Não se sabe a data exata das primeiras festas de samba, mas as heranças são os batuques das Festas de Santos Reis. Como conta Dona Ovídia Izabel de Sena, “batuque é quando a gente convida uma pessoa para tirar um verso tanto no Samba quanto Reisado”.
Marcio Reges relata que era comum o samba ser celebrado nos casamentos e para cumprir promessas. Com os instrumentos em mãos - pandeiro, triângulo, e mais recentemente a guitarra, usado apenas na comunidade do Rodeadouro - os idosos visitavam as casas dos vizinhos e pegavam os bancos de assento com couro de bode. Bastava esquentar ao fogo para afinar e o Samba reinava. “Quando tinha a graça atendida, pagava a benção alcançada promovendo uma noite de muito Samba com comida e bebida até o amanhecer do dia. Como essa manifestação era praticada apenas por pessoas idosas, passou a se chamar Samba de Véio”, esclarece Márcio Reges a partir de entrevistas com integrantes do grupo cultural. Nas festas, sempre tinha uma cachaça. Mas, atualmente, como existem crianças e jovens dançando, são servidos refrigerantes e sucos.
Neste documentário de rádio, Márcio Reges valoriza a cultura do grupo, com reprodução das cantorias como Cantiga de Reis, Samba de prata Samba de Ouro, A onça da Gameleira, Chora viola, Piaba ê, Piranha, Viola nova, presentes no CD instrumental do grupo. O programa de rádio reconhece a trajetória de moradores locais que mantiveram a tradição, como dona Francisca Pereira, na década de 1980; o senhor Manoel Severiano, do povoado da Boa Vista no Salitre, que convidou a comunidade a retomar as atividades no ano de 1993; Dona Ovídia, e a professora Lucimeire Oliveira Silva, que trabalhava na escola Municipal Maria Monteiro Bacelar, e a partir do ano de 2000, mobilizou a comunidade para expandir a cultura e consagrá-la em eventos públicos. Atualmente, tanto a Associação Cultural de Samba de Véio do Rodeadouro (ACSVER) como o grupo Carrapicho Virtual procuram manter o legado do samba e do reisado, comemorado em janeiro no distrito de Alfavaca.
Quem chega a Juazeiro e assiste a uma apresentação do Samba de Véio do Rodeadouro se encanta com os versos musicais, o ritmo, as vestimentas coloridas, a dança dos idosos, jovens e crianças. O radiodocumentário, produzido como trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) sob a orientação da professora Fabiola Moura, é um importante registro à memória e história da região. Com 25 minutos de duração, o programa de rádio está disponível no canal do MultiCiência, na plataforma do Youtube. A produção é um convite para singrar as águas do Rio São Francisco ou adentrar as terras do Salitre para se deliciar com uma sonoridade que só existe aqui: o outro "Samba do Rio" - o Samba de Véio do Rodeadouro.
Andréa Cristiana Santos, jornalista, professora do Departamento de Ciências Humanas, campus III, Uneb e coordenadora da Agência MultiCiência.
Fotos: Márcio Santos Reges