A poética de Vinícius de Moraes e o mundo das crianças

Multiciência 13 outubro 2020


Conta a história oficial que em 1923, a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, sediou o 3º Congresso Sul-Americano da Criança. No ano seguinte, aproveitando a recente realização do evento, um então deputado federal elaborou o projeto de lei que estabelecia essa nova data comemorativa. No dia 5 de novembro de 1924, o decreto nº 4867, instituiu 12 de outubro como data oficial para comemoração do Dia das Crianças.

A data não se tornou uma unanimidade imediata, mas somente em 1955 começou a ser celebrada a partir de uma campanha de marketing elaborada por uma indústria de brinquedos chamada 'Estrela'. O diretor comercial da empresa chegou a lançar a chamada “Semana do Bebê Robusto”. O sucesso da campanha logo atraiu a atenção de outros empresários ligados à indústria de brinquedos. O plano comercial resiste até hoje na indústria do brinquedos, com mais vigor quando chega a Semana da Criança, em outubro.

A literatura infantil - destinada especialmente às crianças entre dois a onze anos de idade, também ganhou espaço nesse filão, mas sua história vem de longe. O conteúdo de uma obra infantil precisa ser de fácil entendimento pela criança que a lê, seja por si mesma, ou com a ajuda de uma pessoa mais velha. Os primeiros livros direcionados às crianças foram feitos por professores e pedagogos no final do século XVII, com o objetivo de passar valores e criar hábitos. Hoje também é usada para propiciar uma nova visão da realidade, diversão e lazer.

Da década de 1980 para cá, a música brasileira ampliou em seu espaço no mundo infantil. Quem imaginava que o poetinha carioca Vinícius de Moraes com sua notoriedade de cantar o amor pelas mulheres, se dedicasse à poética infantil?  Na verdade, tudo começou em 1950, quando Vinicius começou a escrever versos infantis inspirados na Bíblia que tinham como base a história da Arca de Noé, com seus casais de bichos de todo o mundo, salvando-os do dilúvio universal.

Com a parceria de Toquinho e Paulo Soledade, em 1980, o poetinha encantou as crianças com todo seu lirismo transparente que desaguou para a linguagem infanto-juvenil. Seu último projeto literário musical foi o clássico A Arca de Noé, que virou programa especial na Rede Globo,  reunindo um elenco de estrelas da MPB a exemplo de Chico Buarque, Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Elis Regina, MPB-4, Marina Lima, Walter Franco, Alceu Valença, Bebel Gilberto entre outros nomes.  
Em meio as canções inspiradas, a Arca de Noé  fala sobre vários bichos -  coruja, abelhas,  a pulga, a foca ...  daí a alusão à história bíblica tão conhecida, e sobre coisas como casa, porta e relógio também. 

O álbum no formato LP(vinil) que era um sonho antigo do poeta, foi lançado postumamente, em outubro de 1980, poucos meses após sua morte.  Décadas depois foi relançado em CD e hoje encontra-se disponível nas plataformas digitais.


A primazia dos versos e das canções foram tão acertadas e respaldadas entre os intérpretes classe A da MPB. Anos depois se abriu espaço na televisão brasileira para outros projetos no mesmo estilo a exemplo do Casa de Brinquedos,  Plunct Plact Zum além de Balão Mágico.  Os temas da Arca de Noé além de título, não podiam ser mais infantis: São Francisco, O pato,O mosquito, A corujinha, O gato, O relógio, A foca, A porta, A pulga, Soneto de Marta (La flor ilimitada)”, A cachorrinha  e Os bichinhos e o homem.

Parodiando o poeta na ideia de "era uma casa, muito engraçada"... havia um tempo em que se fazia,  se lia e  se cantava poesia em grande estilo para as crianças, antes das tecnologias/internet invadir o caminho. Salve o poetinha que deixou uma obra e tanto para o planeta infantil.

Coluna Texto ao Texto (Letras e sons) por Emanuel Andrade, jornalista, professor do curso de Jornalismo em Multimeios e Doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP).