O oitavo álbum da Taylor Swift, Folklore, feito de forma totalmente remota na quarentena e vencedor do Grammy 2021 de Melhor Álbum do Ano, me deixou verdadeiramente reflexivo. Não bastasse os vocais expressivos e suaves, as composições de Swift são contos de ficção e autoficção que narram com detalhes reminiscências de amores proibidos, experiências da juventude. Toda vez que ouço o hino sobre um velho cardigã que evoca um amor perdido, deixo a terra por alguns minutos, tomado por uma série de memórias, algumas tão nítidas que parecem visões. Outras trazem um odor. É tudo muito momentâneo, não dura mais que pouquíssimos segundos, mas a sensação fica impregnada no corpo como o fedor de fumaça nas roupas. Existe país mais misterioso que o país da memória? Com suas curvas, relevos, inundações? Com seus mortos?
Quando nos apaixonamos por alguém, quando a força magnética da atração nos impele ao outro, somos atingidos por uma “dor violentíssima no peito” e tudo na vida começa a mudar. Afinal, depois do momento em que somos atingidos por essa dor, passamos a ver o mundo com outros olhos. Em “illicit affairs”, Swift declara que a pessoa amada lhe mostrou cores que ela não podia ver com mais ninguém; que lhe ensinou uma linguagem secreta que não conseguia conversar com qualquer outro. Experimentamos um novo mundo. Um mundo feito, construído a dois. Por seres que se inspiram mutuamente, compartilhando referências, trejeitos, formas de ver e lidar com o mundo, gestos, manias, piadas, sorrisos, abraços
De acordo com Sloterdijk, os amantes em sua bolha tendem a se alienarem completamente do que está fora dela, pela doação à outra metade. Por isso, quando essa bolha é invadida por interesses exteriores, desejos, diversões, ela é implodida e com o seu fim, perde-se uma identidade. Maria Júlia Kovács afirma que a separação provoca “um abalo na identidade, e uma nova tem de se formar, agora sem o outro”. O que não é um processo fácil. Em “My tears ricochet”, Taylor canta que seu amor teve de matá-la, mas que isso o matou da mesma forma, se corroendo em culpa, bêbado com a dor, apagando os bons anos. E mesmo depois da morte, ela ainda continua falando com o amado, quando olha para o céu, gritando o seu nome. É difícil dissolver da pele todos os abraços e carícias trocados, diluir os momentos vividos, apagar as lembranças da mente, passamos por um processo de luto. É isso o que demonstram as canções de alguns dos álbuns mais aclamados da última década: Melodrama de Lorde, thank u, next de Ariana Grande, Igor de Tyler, The Creator e no início dessa nova década o Folklore, de Taylor Swift.
De fato, para seguir em frente é preciso fazer uma elaboração do luto, conviver com a falta de alguma forma, dar novos passos sem a pessoa amada para que não fiquemos paralisados no tempo. Segundo David Lowenthal, “a memória à qual se recorre com demasiada frequência não mais vivifica o presente mas sim o inunda”. Amadurecer é deixar cenários, pessoas para trás. Mas nada impede que anos depois essas lembranças surjam, que nos tomem de assalto, no ônibus, na rua, na casa, no mar. Falta de elaboração? Ou a constatação de Swift em “Seven” de que o amor dura tanto tempo? Tanto tempo. Que mesmo após a separação, embora ela narre que não lembra bem de um rosto, ou que outro apareça como flashbacks em um rolo de filme, as lembranças irrompem que nem uma corda invisível, ligando aquele corpo do passado a um corpo no presente. “Mas eu sabia que você demoraria como um beijo tatuado”, confessa ela na voz da personagem Betty em “Cardigan”. A separação dos amantes não significa o desparecimento de um mundo. O amor perdura como memória. Os amores perdidos permanecem como fragmentos do passado nos quais podemos encontrar fantasmas, mas também aprendizado. E por que não transformar essas memórias em arte?
Por Jônatas Pereira, estudante de Jornalismo em Multimeios da UNEB