Seja qual for seu ofício, você teve ajuda de um professor,
alguém que te ensinou no mínimo a ler esta reportagem. Quem não lembra dos
versos de Arnaldo Antunes, “tem gente
que faz aço, tem que gente que faz traço, tem que gente que faz gente que faz
aço, que faz traço. Professor é a profissão que faz todas as profissões”.
A canção foi uma homenagem ao professor na campanha da Rede
Globo, em 2013, e destaca a responsabilidade do professor: ele é formador de
gente, de profissões, do futuro de uma nação. Contudo, segundo artigo publicado
na Revista Científica The Lancet,
republicada pelo Hospital Santa Mônica, a atividade docente é uma das
profissões que mais exige trabalho mental. O peso de tantas responsabilidades
pode gerar um desgaste, afetando o desempenho profissional e pessoal.
O bem-estar destes profissionais é de extrema importância não
só para o professor como para a
sociedade. De acordo com a pedagoga e psicóloga Clara Maria Miranda de Sousa, “quando
a gente cuida de um professor, ele cuidará de até 40 alunos. Cuidar de quem
cuida é multiplicar o cuidado, gerando um efeito dominó do autocuidado, não só
na área da educação, mas em lugares que nem podemos imaginar.”
(Escola Terezinha - Rede Municipal, Juazeiro-Ba / Foto: Arquivo Pessoal)
Pesquisadora na área educacional, Clara Maria é
também criadora e umas das facilitadoras do projeto Educuidar: Serviços em
Psicologia, que oferece ajuda e orientação aos profissionais da educação
enquanto cuidadores de si, do outro e do mundo.
A Educuidar - termo que pertence a um grupo coletivo –
nasceu através da pesquisa de mestrado de Clara Maria defendida no Programa de Pós-Graduação
em Formação de Professores e Interdisciplinaridade (PPGFPPI), da Universidade
de Pernambuco - Campus Petrolina sob a orientação do professor Marcelo Ribeiro, professor e pesquisador da Univasf. O objetivo foi compreender os sentidos de cuidado a partir da
experiência das professoras da Educação Infantil em algumas escolas das cidades
de Juazeiro-Ba e Petrolina-Pe.
A partir da pesquisa, Clara entendeu como a educação está
alinhada ao cuidado. “A educação só acontece verdadeiramente através do cuidado.
O cuidado é revolucionário”, diz.
Reinventar para cuidar
A pandemia da Covid-19 tem agravado um quadro muito presente
de adoecimento do professor. Segunda Clara Maria, a saúde mental dos
professores vinha sendo ameaçada devido à desvalorização da classe, baixa
remuneração, às más condições de trabalho, os riscos, a violências tanto física
como emocional.
Porém, com o isolamento social, as adaptações às novas
tecnologias, a cobrança intensa por resultados, o medo do futuro, o luto, e tantas
outras preocupações e incertezas trazidos pela Covid-19, o adoecimento docente acentuou-se
ainda mais.
Nesse cenário de adaptação ao novo normal, a Educuidar
também precisou se reinventar para continuar atuando. Participou e realizou
diversos eventos online, como webnários, lives
e janelas de diálogos, todos mediados graças às novas tecnologias, o que
permitiu e impulsionou a expansão do projeto para diversos lugares do país.
Ano passado, a empresa lançou um novo projeto conhecido como
Leitura Cura, e, por meios de encontros realizados de forma remota, o grupo
utiliza livros de diversas temáticas como recursos terapêuticos.
Apesar de recente, já é possível observar resultados
positivos com o seu desenvolvimento. O professor cearense Diego Filismino relata
o prazer desse encontro de profissionais que se cuidam e buscam o acolhimento
mútuo. “Após uma semana agitada de trabalho quando nos encontramos aos sábados,
a sensação é de alívio, pois trocamos nossas experiências a partir da leitura
do capítulo em análise. A maior aprendizagem é que, de fato, a leitura cura. Não
precisamos ficar trancado dentro de nós mesmos, podemos compartilhar nossos
sentimentos. E por que não mediados por uma boa leitura?”
Diego, que atua no campo educacional há doze anos, tanto em
ensino fundamental como em ensino médio, disse ser uma nova pessoa após conhecer
o Grupo Leitura Cura. Ele se considera mais autoconfiante, respeita suas
próprias emoções e não tem medo do olhar castrador da sociedade. Ele recomenda
a leitura como terapia não somente para educadores, mas também pais e
estudantes.
Além disso, o professor, que trabalha no Ceará, pretende
desenvolver esta iniciativa em seu local de trabalho. “Vejo que através de uma
leitura mais significativa e concreta como a que ocorre no grupo, pais e filhos
serão picados pelo bichinho da leitura”.
No início deste ano de 2021, as escolas começaram a retornar
suas atividades, exigindo ainda mais tempo desses profissionais. Clara afirma
que houve uma redução no número de professores que buscam ajuda, decorrente da
falta de tempo e do contexto social e político. “Pensar na saúde dos professores é pensar em várias implicações nos
aspectos culturais, sociais, nos desmandos que estamos vivendo, é pensar na
questão política. Eu não compreendo a nossa prática separada a isso”, disse a
pesquisadora.
Conheça o Educuidar
Atualmente, o projeto Educuidar atua como microempresa e tem
a preocupação com o bem-estar e a saúde mental dos educuidadores. Através de grupos terapêuticos, workshops,
rodas de conversas, desenvolvimento de projetos educacionais, atendimentos
individuais (plantão psicológico, psicoterapia breve e orientação educacional),
grupos de movimento, dinâmicas que favoreçam a fala livre e reflexões
bibliográficas, os profissionais buscam promover práticas que articulam ações
de escuta e reconhecimento de si.
A metodologia utilizada é pensada a partir do grupo, não é
como um curso pronto - o que Clara acredita ser um diferencial - é uma experiência humanística que facilita
caminhos e visa entender as necessidades e particularidades de cada grupo,
principalmente por meio da escuta, de metodologias participativas, a chamada “tecnologia
do Eu”, na qual cada pessoa pode se reconhecer no processo e escolher o melhor
caminho a ser seguido. Para os idealizadores do projeto, educar e cuidar permeiam
a condição de ser humano nas suas relações consigo, com o outro e com o mundo.
Para conhecer o projeto, acesse o perfil no instagram @educuidar
Reportagem Especial de Taís Ciqueira, estudante de
Jornalismo em Multimeios, para Agência MultiCiência