Amor de Flor

Multiciência 30 outubro 2021
Por Sheilane Beatriz

Todos os dias quando acordo, sinto um leve cheiro de água fresca, o sol bate sobre minhas faces finas e consigo perceber cada parte de mim sendo preenchida de energia. Amo as manhãs, a luz e o vento passando de levinho sobre meu corpo. No decorrer das horas, sempre percebo as ruas se agitarem devagar, pessoas para lá e para cá, sempre com muita pressa, algumas até dão bom dia, outras nem sequer respondem muito bem. 

Já vi muita gente falando sozinha, sorrindo para o vento, reclamando do sol, cantarolando sem música, existem todo tipo de pessoas por aqui. Já percebi que, às vezes, não tem muito a ver com quem você é, mas em como você se sente naquele dia. E as pessoas que passam por essas bandas se mostram bastante efêmeras, não são como eu, estática, sempre no mesmo lugar, sentindo o dia passar devagarzinho, observando tudo com calma. Acho até, que nem tempo pra isso elas teriam, caso um dia se importassem de fato. 

Tem outra coisa que frequentemente elas têm em comum, vez ou outra param para me observar de perto, me olham com cuidado, tocam em mim, algumas até me cheiram, o que é estranho, mas ao me dar cosquinhas eu que sorrio levemente. 

Às vezes, elas dizem coisas como “nossa que linda” ou “quero levar pra mim”. Entretanto, existe uma pessoa especifica, a Dona, que nunca permite tal infortúnio. Ela sempre me lembra que tem alguém tentando me obter ou me usar de alguma forma, “pessoas só surgem assim”.

De vez em quando aparecem umas crianças roubando pedrinhas aqui ao lado, uns caras que toda semana cortam folhas e me assustam, e as jovens que andam pisando no capim logo abaixo dos meus pés e que sempre deixam a Dona brava, porque uma hora ou outra elas se agitam a minha volta e tenta me segurar para si. Sempre dão certas desculpas, ou que “amam coisas como eu”, ou que vão me “levar para enfeitar os cabelos” ou “guardar para si mesmas”. Amor. Nunca entendi direito o que significa, mas parece me fazer mal. 
Uma vez ouvi da vizinha que tem gente que costuma ganhar dinheiro assim. Eles regam, nutrem, deixam bem bonitas e depois colhem para vender ou dar por ai, “tem muito lucro”. A Dona rejeitou essa ideia na hora, disse que nunca faria algo do tipo, “jamais arrancaria pela raiz um ser tão bonito por pura vaidade alheia”. Mais uma vez, não entendi muito bem o que ela quis dizer, acho que ela falava dessa gente que ama do jeito errado e machuca os outros. Mas de uma coisa é certa, posso ter certeza que mal a mim ela não faria. 

Certa noite, enquanto eu dormia, ouvi um som muito alto vindo da casa da Dona, luzes fortes batiam sobre o jardim e muitas pessoas pareciam agitadas demais para uma noite comum, não era feriado, nem final de semana, não havia motivo para tanto barulho. No dia seguinte acordei animada porém confusa, logo percebi que aquele cheirinho tão bom de água fresca não estava ali, no outro dia e no próximo em diante, foi da mesma maneira. O sol parecia cada vez mais quente sobre mim e eu comecei a murchar. A Dona provavelmente se esqueceu que eu ainda vivia naquele lugar. 

Passei a achar que talvez tivesse sido melhor ter partido com a filha de Lurdes ou com o jogador de futebol apaixonado que morava na esquina.  Imaginei que a Dona não me amasse como eu acreditava, o amor não se esquece de ninguém. Mas logo percebi que estava sendo egoísta, Dona nunca quis me machucar ou mudar o que sou, ela sempre dizia a todos que existem coisas que não podem ser adquiridas por amor. Porque ao serem colhidas para si, morrem, e deixam de ser aquilo que amam. Não sei porque Dona me deixou, mas sei que ela me amava ao ponto de me deixar estar e ser o que sou até o fim. 

Ela entendia verdadeiramente que “o amor não estava na posse, o amor estava na apreciação” (OSHO).


Conto escrito por Sheilane Beatriz, estudante de Jornalismo em Multimeios