Acordar no ano de 2022 é como despertar de um profundo isolamento com um certo ar de perdido, de estranhamento. Finalmente, é possível retomar as atividades presenciais, abraçar os amigos, conversar cara a cara. No entanto, o mundo não é mais o mesmo. São muitos os desafios trazidos pelo retorno presencial, entre eles, a fadiga crônica que permanece naqueles que foram infectados pela Covid-19. A condição é representada por um esgotamento que afeta todos os aspectos da rotina, provocando desde dor e cansaço físico, falta de concentração, problemas de memória e sono. Os especialistas ainda não sabem exatamente o que causa esse cansaço pós-covid.
A estudante do 6º período do curso
de jornalismo em multimeios da UNEB, Ana Clara Silva, conta que as sequelas
do pós-covid afetaram seu desempenho acadêmico. “Minha maior dificuldade
está sendo a memória e a atenção. Não consigo me concentrar em uma única coisa,
como eu fazia antes da Covid. Não consigo prestar atenção na explicação dos
professores e aquilo que consigo entender não consigo formar uma ideia ou
aprendizado. E eu fico muito ansiosa, porque com a demanda minha ansiedade
aumenta 10 vezes mais, e também nervosa porque não estou conseguindo lembrar as coisas
que ouço durante a aula”, relata a estudante.
Para Carla Paiva,
docente do colegiado de jornalismo da UNEB, o retorno presencial tem
significado uma série de readaptações no seu cotidiano e uma certa restrição de
lugares que ela gostava de ir, como o cinema. Ela pegou Covid em dezembro de
2021 e, desde então, tem lidado com os sintomas do pós-covid como cansaço,
dificuldade de respiração, imunidade baixa e memória curta.
A memória curta é você sair de um cômodo e quando entrar em outro não lembrar o que foi fazer lá. Ou você acabar de ler uma frase e quando chegar no final ler novamente porque não se lembra muito bem o que estava no início dela. E para mim que sou professora isso acaba sendo complicado. É um fator que dificulta meu cotidiano. O que sinto dando aula é que, como estou ministrando essas disciplinas há muito tempo, estou acionando muito mais a memória antiga do que a memória recente. De um semestre para outro atualizo as aulas, exemplos, trago novos dados, mas normalmente esses assuntos mais recentes que tenho procurado, ou tenho que ter anotado para fazer a leitura ou então eu esqueço”, esclarece Carla.
A professora também relata que, além da fadiga crônica, percebe um cansaço gerado pelo próprio isolamento e o excesso de telas. “Na sala de aula, percebo uma dificuldade de concentração nos estudantes, de ficarem muito tempo na sala de aula sentados e que eles ficam mais no celular como se o hábito da tela tivesse virado um vício. Mesmo estando ali na aula tentando prestar atenção no que foi dito, eles ainda se sentem presos a tela. Fora uma dificuldade de escrita, de defender um argumento, de formar uma ideia completa”, disse a professora.
Em pesquisa feita pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) em 2021, a instituição reconheceu o cansaço generalizado
decorrente da pandemia de Covid-19 de “fadiga pandêmica” e que ela afeta 60% da
população em alguns grupos. A perda dos espaços de convivência foi como um
processo de luto e retornar a esses espaços após dois anos pode trazer medo e
ansiedade.
Sabino Araújo, estudante do 4º período de direito do Departamento de Tecnologia e Ciências Sociais da UNEB, explica que apesar de não ter tido problemas graves durante o isolamento, se surpreendeu com a forma como tem se sentido no retorno das atividades presenciais.
A principal dificuldade que estou tendo hoje é o excesso de demandas. Queira ou não o ensino remoto acaba nos acomodando um pouco apesar da dificuldade. Há uma demora em nos readaptarmos em ter prova, um nível maior de rigidez nas atividades. Mas a dificuldade que sinto é mais sobre o olhar do professor para nós alunos, no sentido de entender a nossa realidade, entender algumas situações que passamos como a própria ansiedade, porque a sobrecarga de assuntos é muito grande. Somos submetidos a estudar várias coisas que nem aplicamos na vida”, relata o estudante.
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A estudante Ana Rebeca relatou dificuldades no ensino remoto |
Ana Rebeca, estudante do
terceiro ano do Centro Educacional Elo, em Euclides da Cunha, conta que é difícil acompanhar o retorno das aulas presenciais, pois houve um
prejuízo decorrente da pandemia. A pandemia iniciou quando ela estava no 1º ano
do ensino médio e as aulas online iniciaram em maio, com atividades
remotas. “Nós perdemos muito conteúdo, tínhamos problemas de conexão. Nesse
retorno, os professores acreditam que sabemos de algo, nós sabemos de algumas
coisas, mas não tudo, então eles pensam que a culpa de não entendermos muita
coisa seja só nossa. E não é. Porque passamos por um processo difícil.
Estávamos dentro de casa, mas tinham coisas que eles não sabiam, como
problemas, ansiedade, perdas e muitas vezes não conseguimos administrar”.
Rebeca reconhece que há professores
engajados e que tentam ajudá-la nesse processo, mas ainda assim relata ser
bastante dificultoso: “Nunca fiquei de recuperação, nunca fui de tirar nota
baixa, mas na unidade passada em química e nessa atual em física e outras
disciplinas passei raspando dependendo de nota de professor. Estudei, me
esforcei, mas tinha muita coisa que eu não tinha como saber. Os estudantes
também precisam ser ouvidos. Alguns professores acham que não estudamos, mas
isso não é verdade. Tiro por mim: estudo, tento, me esforço, mas tem vezes que
não dá. O conteúdo não entra na cabeça e fica complicado”, declara a
adolescente.
Para Virgínia Passos, docente do
colegiado de psicologia da UNIVASF com atuação na área de psicologia escolar e
educacional é preciso haver um cuidado para com as lacunas que podem ter ficado
com o isolamento, com a paralisação das atividades. “Houve escolas que
investiram na tecnologia, que proporcionaram atividades remotas. Mas outras não
foram assim, principalmente quando consideramos o contexto público e o contexto
privado. Então, essas crianças estão voltando para a escola e é preciso
compreender como foi vivenciado o isolamento desse estudante, e também o
processo de aprendizagem. Como ele está voltando em termos de aprendizagem?
Quais são as necessidades dele? Não é achar que de uma hora para outra vai
acelerar, dar mais aulas e conteúdo. É preciso respeitar o processo de
readaptação dessas pessoas envolvidas no processo de aprendizagem, tanto do
professor como do aluno. É preciso ter uma tranquilidade e respeito diante
desses desafios. Reconhecer que são desafios”, explica a psicóloga.
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A psicológa Virgínia Passos afirma que se deve reconhecer os desafios no retorno presencial |
Assim, antes de qualquer tarefa ou
expectativa de desempenho, é necessário compreender quais as marcas deixadas
pelo isolamento para quem está retornando as atividades presenciais. “Muitas coisas aconteceram nesses anos de isolamento em diversos
aspectos tanto pessoais, econômicos, de aprendizagem. Precisamos acolher,
entender, identificar dificuldades para enfrentar o que precisa ser enfrentado
com respeito, sem querer apagar a pandemia. Ela existiu, ela existe, está aí. E
principalmente prestarmos atenção ao que foi positivo. Dentro de todas as
dificuldades, não podemos dizer que experimentamos apenas coisas ruins”, afirma
Virgínia.
Por Jônatas Pereira, estudante de jornalismo em multimeios da UNEB. Reportagem para disciplina Redação Jornalistica I, ministrada pelo professor Emanuel Andrade.