Em entrevista à Agência Multiciência, a advogada e presidenta do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos, Gabriele Dourado Bispo, de 30 anos, explica como foi o seu encontro com a religião.
De Bores Junior, de Seabra
Nenhuma fala é tão necessária como a da advogada Gabriele Dourado sobre a defesa da Umbanda como religião brasileira. Para quem deseja conhecer a liderança religiosa deve prestar atenção não apenas em como ela fala, mas como reproduz os gestos com suas mãos. O corpo fala e é isso que os acenos evidenciam, talvez sejam palavras que não podem ser ditas, mas viram expressão do seu ser. Ao mesmo tempo, a entrevistada é pensativa, parece evocar lembranças de seu encontro consigo mesma e de como descobriu a sua mediunidade.
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Foto de arquivo do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos (TUSNT) |
Gabriele Dourado é presidente do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos
(TUSNT), localizado no município de Seabra. Nesse lugar sagrado, ela protege com unhas e dentes o seu lugar
de conforto espiritual, no qual tenta reproduzir para mais pessoas a
experiência encantadora a que foi submetida.
A advogada é uma das poucas pessoas a
assumirem a responsabilidade de levar um templo à frente, construindo laços com
os praticantes da Umbanda. Isso só é possível pela força e determinação que
traz dentro de si. Talvez apareça espinhos no seu caminho ou medo, mas o receio
é motivado pela intolerância religiosa e que afeta quem escolhe a
umbanda como sua fé e crença.
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Foto de arquivo do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos (TUSNT) |
Confira
a entrevista de Bores Junior com Gabriele Dourado para Agência MultiCiência
Multiciência: Como se deu esse seu encontro com a Umbanda?
Gabriele Dourado:
Meu encontro com a umbanda foi a partir da mediunidade, passei por alguns
questionamentos, senti algumas coisas. No meu emprego, eu pegava na pessoa e
sentia um arrepio, era natural, pegava e fazia “ah” e me assustava. Teve um
certo dia que eu peguei em uma pessoa e comecei a chorar muito e sai para a escada do prédio. Uma colega de trabalho me levou para um terreiro. Lá, a mãe
de Santo conversou comigo e disse que era mediunidade. Então, o meu encontro
foi através da mediunidade, não foi curiosidade. Foi uma
necessidade.
Multiciência: A sociedade de Seabra
é conservadora e tem preconceito com a religião umbandista?
Gabriele Dourado:
Sim, em relação à religião, em relação à mulher e as minorias. A cidade de
Seabra é muito conservadora, tem muito machismo, é uma cidade muito católica.
Não há o preconceito só com a Umbanda, mas com o Candomblé, Espiritismo. Muitas
pessoas têm preconceito, e dizem que a nossa religião é coisa do diabo.
Multiciência: Você percebe que há
olhares preconceituosos quando pratica a sua fé e de qual forma isso te afeta?
Gabriele Dourado:
Quando eu pratico a fé não, porque pratico a fé materialmente no terreiro, quem
vai ao terreiro não tem preconceito. Mas existem as guias, a gente coloca as
guias e existe um espanto às vezes. Estou sem a guia agora, mas se usa para
proteção, são colares semelhantes ao amolento e têm um fundamento se formos estudar e voltar à África. As pessoas, os reis usavam
muitos colares a diferença entre as guias é que são destinadas aos orixás e para fazer uma ligação, um exemplo a guia de Iemanjá é Azul e quando você coloca a
guia tem uma conexão com a orixá. Então, esses colares quando a gente usa,
percebo que têm pessoas que olham estranho. No meu caso, não afeta em nada,
porém eu tenho uma certa segurança em relação a umbanda e o que pratico, pois
sei que há pessoas que esconde que coloca debaixo da blusa. Quero deixar o terreiro
extremamente seguro, pois tenho medo de pessoas de fora chegarem e quebrarem as
imagens, pois é o que acontecem em muitos lugares do Brasil que é a
intolerância religiosa.
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Foto de arquivo do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos (TUSNT) |
Multiciência: Você acredita que a
legislação protege outras crenças no Brasil, sendo que existe um partido
evangélico no parlamento?
Gabriele Dourado: Existe um partido evangélico porquê as
pessoas votam. É protegido, é para ser um país laico, não é por que a maioria
da população não quer que seja. Eu acredito que as pessoas votam na bancada
evangélica pela alienação que é feita, porque nos terreiros normalmente não se
fala sobre política, na igreja evangélica normalmente se fala sobre política e
faz parte da alienação. Ao meu ver, a
legislação protege todas as religiões, tanto a legislação penal e a
constitucional, porém, como os outros crimes no Brasil, não são punidos. Então,
a questão nem é a falta da punição, é a falta de educação, senso e
cultura.
Multiciência: A Umbanda contribui
com a questão da identidade racial para a comunidade negra?
Gabriele Dourado: Quando você tem uma religião como panteão
a mitologia africana, penso que fortalece a questão da identidade racial,
porque você vai ter divindades que foram
trazidas da África ao Brasil que são orixás, e uma identidade que todos os
orixás são negros, não é um Deus branco, não é um cristo que embranqueceram. Fizeram
isso, colocaram a imagem de Iemanjá branca, vestida, mas nós temos o orixá real,
negra com os seios de fora.
Multiciencia: Você percebe que as
pessoas vêm buscando informações sobre a Umbanda ou ainda estão dentro da
bolha?
Acredito nas duas coisas, que existem pessoas interessadas em estudar a Umbanda e hoje nós temos caminho para isso. Há muitos livros, tem um autor chamado Rubens Seraceni [autor do livro Doutrina e teologia de Umbanda sagrada: A religião dos mistérios: um hino de amor à vida]. Então, essas pessoas interessadas em sair da ignorância, mas ainda existem terreiros que a base é o medo em que as pessoas são proibidas de estudar e não diferencia das outras religiões. Existem terreiros de umbanda que buscam controlar as pessoas. E se a pessoa estuda, vai perceber que não é o ideal. Têm pessoas que procuram o terreiro para que faça milagres, alguns terreiros cobram para poder consertar a vida da pessoa. Penso que as pessoas que surgem dessa forma no terreiro é porque busca isso, mas existem outros terreiros que as pessoas estudam desenvolvem a mediunidade de forma consciente das pessoas que trabalha com a espiritualidade de forma racional e não de forma misteriosa. Uma parte das pessoas busca informações sobre a Umbanda, mas há outras pessoas que não querem buscar informações, querem está no lugar que se sente bem.