Gabriele Dourado: ‘Quero deixar o terreiro extremamente seguro pois tenho medo de pessoas de fora chegarem e quebrarem as imagens’

MultiCiência 16 dezembro 2022

Em entrevista à Agência Multiciência, a advogada e presidenta do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos, Gabriele Dourado Bispo, de 30 anos, explica como foi o seu encontro com a religião.

De Bores Junior, de Seabra 

    Nenhuma fala é tão necessária como a da advogada Gabriele Dourado sobre a defesa da Umbanda como religião brasileira. Para quem deseja conhecer a liderança religiosa deve prestar atenção não apenas em como ela fala, mas como reproduz os gestos com suas mãos. O corpo fala e é isso que os acenos evidenciam, talvez sejam palavras que não podem ser ditas, mas viram expressão do seu ser. Ao mesmo tempo, a entrevistada é pensativa, parece evocar lembranças de seu encontro consigo mesma e de como descobriu a sua mediunidade.

Foto de arquivo do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos (TUSNT)

Gabriele Dourado é presidente do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos (TUSNT), localizado no município de Seabra. Nesse lugar sagrado, ela protege com unhas e dentes o seu lugar de conforto espiritual, no qual tenta reproduzir para mais pessoas a experiência encantadora a que foi submetida.

            A advogada é uma das poucas pessoas a assumirem a responsabilidade de levar um templo à frente, construindo laços com os praticantes da Umbanda. Isso só é possível pela força e determinação que traz dentro de si. Talvez apareça espinhos no seu caminho ou medo, mas o receio é motivado pela intolerância religiosa e que afeta quem escolhe a umbanda como sua fé e crença. 

Foto de arquivo do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos (TUSNT)


Confira a entrevista de Bores Junior com Gabriele Dourado para Agência MultiCiência

Multiciência: Como se deu esse seu encontro com a Umbanda?

Gabriele Dourado: Meu encontro com a umbanda foi a partir da mediunidade, passei por alguns questionamentos, senti algumas coisas. No meu emprego, eu pegava na pessoa e sentia um arrepio, era natural, pegava e fazia “ah” e me assustava. Teve um certo dia que eu peguei em uma pessoa e comecei a chorar muito e sai para a escada do prédio. Uma colega de trabalho me levou para um terreiro. Lá, a mãe de Santo conversou comigo e disse que era mediunidade. Então, o meu encontro foi através da mediunidade, não foi curiosidade. Foi uma necessidade.

 

Multiciência: A sociedade de Seabra é conservadora e tem preconceito com a religião umbandista?

Gabriele Dourado: Sim, em relação à religião, em relação à mulher e as minorias. A cidade de Seabra é muito conservadora, tem muito machismo, é uma cidade muito católica. Não há o preconceito só com a Umbanda, mas com o Candomblé, Espiritismo. Muitas pessoas têm preconceito, e dizem que a nossa religião é coisa do diabo.

Multiciência: Você percebe que há olhares preconceituosos quando pratica a sua fé e de qual forma isso te afeta?

Gabriele Dourado: Quando eu pratico a fé não, porque pratico a fé materialmente no terreiro, quem vai ao terreiro não tem preconceito. Mas existem as guias, a gente coloca as guias e existe um espanto às vezes. Estou sem a guia agora, mas se usa para proteção, são colares semelhantes ao amolento e têm um fundamento se formos estudar e voltar à África. As pessoas, os reis usavam muitos colares a diferença entre as guias é que são destinadas aos orixás e para fazer uma ligação, um exemplo a guia de Iemanjá é Azul e quando você coloca a guia tem uma conexão com a orixá. Então, esses colares quando a gente usa, percebo que têm pessoas que olham estranho. No meu caso, não afeta em nada, porém eu tenho uma certa segurança em relação a umbanda e o que pratico, pois sei que há pessoas que esconde que coloca debaixo da blusa. Quero deixar o terreiro extremamente seguro, pois tenho medo de pessoas de fora chegarem e quebrarem as imagens, pois é o que acontecem em muitos lugares do Brasil que é a intolerância religiosa.

 

Foto de arquivo do Templo de Umbanda Sagrada Novos Templos (TUSNT)

Multiciência: Você acredita que a legislação protege outras crenças no Brasil, sendo que existe um partido evangélico no parlamento?

Gabriele Dourado: Existe um partido evangélico porquê as pessoas votam. É protegido, é para ser um país laico, não é por que a maioria da população não quer que seja. Eu acredito que as pessoas votam na bancada evangélica pela alienação que é feita, porque nos terreiros normalmente não se fala sobre política, na igreja evangélica normalmente se fala sobre política e faz parte da alienação.  Ao meu ver, a legislação protege todas as religiões, tanto a legislação penal e a constitucional, porém, como os outros crimes no Brasil, não são punidos. Então, a questão nem é a falta da punição, é a falta de educação, senso e cultura. 

 

Multiciência: A Umbanda contribui com a questão da identidade racial para a comunidade negra?

Gabriele Dourado: Quando você tem uma religião como panteão a mitologia africana, penso que fortalece a questão da identidade racial, porque você vai ter divindades que foram trazidas da África ao Brasil que são orixás, e uma identidade que todos os orixás são negros, não é um Deus branco, não é um cristo que embranqueceram. Fizeram isso, colocaram a imagem de Iemanjá branca, vestida, mas nós temos o orixá real, negra com os seios de fora. 

 

Multiciencia: Você percebe que as pessoas vêm buscando informações sobre a Umbanda ou ainda estão dentro da bolha?

Acredito nas duas coisas, que existem pessoas interessadas em estudar a Umbanda e hoje nós temos caminho para isso. Há muitos livros, tem um autor chamado Rubens Seraceni [autor do livro Doutrina e teologia de Umbanda sagrada: A religião dos mistérios: um hino de amor à vida]. Então, essas pessoas interessadas em sair da ignorância, mas ainda existem terreiros que a base é o medo em que as pessoas são proibidas de estudar e não diferencia das outras religiões. Existem terreiros de umbanda que buscam controlar as pessoas. E se a pessoa estuda, vai perceber que não é o ideal. Têm pessoas que procuram o terreiro para que faça milagres, alguns terreiros cobram para poder consertar a vida da pessoa. Penso que as pessoas que surgem dessa forma no terreiro é porque busca isso, mas existem outros terreiros que as pessoas estudam desenvolvem a mediunidade de forma consciente das pessoas que trabalha com a espiritualidade de forma racional e não de forma misteriosa. Uma parte das pessoas busca informações sobre a Umbanda, mas há outras pessoas que não querem buscar informações, querem está no lugar que se sente bem.

Entrevista realizada pelo estudante de Jornalismo em Multimeios, Bores Junior, com Gabriele Dourado para Agência MultiCiência.