Comércio de Petrolina não dispõe de acessibilidade prevista em lei

MultiCiência 18 maio 2023
Pessoas com deficiência auditiva, visão ou dificuldade de locomoção precisam ir até os centros comerciais para ter acesso a algum tipo de serviço. Em Petrolina, no sertão de Pernambuco, a maioria das lojas não tem estrutura para atender com dignidade às pessoas com deficiência. 



                            Conhecida pelo seu comércio forte, a terra dos impossíveis não garante acessibilidade                                                                            Foto: G1 Petrolina 


Mércia Costa tem deficiência congênita e, desde os seis anos, faz uso de cadeiras de rodas para se locomover.  A estudante de psicologia conta que, quando ganhou a cadeira dos pais amou a liberdade que ela poderia trazer, mas não imaginava o quão desafiador seria. “Muito se fala em acessibilidade e inclusão,mas não de forma assertiva. Na cidade, existem algumas rampas,mas não é o suficiente,na verdade é o mínimo. Porém, nem o mínimo eu consigo ter acesso, infelizmente”. 

                                       Mércia Costa: rampas ainda são insuficientes  
                                       Foto: Arquivo pessoal

O mínimo, neste caso, é o simples fato de adentrar aos estabelecimentos, pois muitos lojistas não adaptam os pontos comerciais para receber o público com necessidades específicas. A lei 10.098/00 determina a remoção de obstáculos e barreiras que não permitam ou dificultem a autonomia dessas pessoas. Medidas como rampas em calçadas e comércios, vagas de estacionamento apropriadamente estruturadas, ampliação de passagens, espaço no meio de transporte e outros ajustes possibilitam que as pessoas com deficiência realizem suas atividades.  

Em 2000, a lei de acessibilidade foi criada para garantir fácil mobilidade e acesso, estabelecendo normas e critérios que devem ser seguidos estruturalmente tanto em espaços públicos quanto empreendimentos particulares.

Em 2019, segundo Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) os brasileiros com alguma deficiência somam 17,3 milhões de pessoas ou 8,4% da população. Todas as  pessoas deveriam circular livremente  por lojas, farmácias, restaurantes, sem nenhum percalço ou constrangimento, apenas usufruindo dos seus direitos de cidadão e das medidas protetivas da lei de acessibilidade. 

Além da lei que pune os estabelecimentos que não seguem o recomendado, existe a norma NBR9050, que orienta boa parte do projeto e sua execução. A norma orienta como devem ser os banheiros para  pessoas com mobilidade reduzida, desde a largura da porta, direção que deve ser aberta, altura de bancadas e pias,  tipo de sanitários e barras de apoio.

O arquiteto Rafael Ramos diz que, apesar de serem informados das especificidades exigidas, muitos lojistas optam por não cumprir as determinações e usam como justificativa o custo e a baixa demanda desse público. "A recusa e a relutância dos clientes em dizer que não precisa, não tem demanda desse público é grande", declara Rafael. 

O diretor executivo da Câmara dos dirigentes lojistas de Petrolina (CDL), Valdivo Carvalho, conta que existem   orientações  para os lojistas e colaboradores  se adaptarem a esse público  considerado  cliente em potencial. Também foi criado o Selo "Empresa do Bem" para cadastro de empresas que adaptam o acesso. Segundo Valdivo, a CDL e essas empresas  também se comprometem em  cobrar  do poder público municipal a desobstrução e acessibilidade de calçadas. 

A CDL afirma que realiza treinamentos voltados para acessibilidade e para o atendimento digno às pessoas com deficiência visual e auditiva. Também orienta os estabelecimentos a conhecerem o tema sobre acessibilidade e ouvir depoimentos de pessoas com necessidades específicas para que os lojistas percebam o que traz mais dificuldade para eles. 

Dificuldades 

Até chegar às lojas, as pessoas com algum tipo de necessidade específica também precisam enfrentar as dificuldades que o percurso oferece.  Higor Giovani sofreu um acidente de moto em 2018, com várias fraturas no corpo, o que o deixou paraplégico. Ele conta que a maior dificuldade no centro de Petrolina é a existência de calçadas que não têm acessibilidade, e a quantidade de ambulantes que ocupam esses espaços também acaba dificultando:  “Não dá para passar e aí eu tenho que ir pela rua”.

                                 Higor Geovani necessita da cadeira de roda para se locomover
                                                             Foto: Arquivo pessoal

Além das dificuldades de acessibilidade nos espaços físicos, existe ainda a falta de provadores de lojas  que não  atendem as necessidades citadas na norma 9050, bem como banheiros não adaptados, e falta ainda intérprete de libras para atendimento. Como resultado, os estabelecimentos se mostram não receptivos ao público com alguma necessidade fora do padrão. 

Higor e Mércia consideram que alguns estabelecimentos que se aproximam do que seria o ideal para atendê-los, porém a maioria não fica localizada nos bairros periféricos, o que gera mais um aspecto de exclusão. 

Na farmácia perto da sua casa, Higor não consegue circular, o estabelecimento é apertado e não apresenta nenhum conforto para o atleta de Jiu Jítsu. Mércia relata diversas situações constrangedoras, desde caixas atrapalhando o caminho até rampas do outro lado da entrada principal. “Até não conseguir de fato entrar na loja porque o lugar não me cabe, em muitos sentidos", diz Mércia.

Treinamento de funcionários 

Caminhando pelo shopping de Petrolina, é possível notar que as lojas de departamento são as que mais chegam perto de oferecer um atendimento de qualidade para pessoas com necessidades especiais, tanto na estrutura como no treinamento dos funcionários. 

Evelyn Lima, vendedora em uma loja de departamentos, conta que a empresa disponibilizou cursos dentro de uma plataforma particular empresarial, para os funcionários aprenderem libras, pois além de conseguir se comunicar com os clientes, eles também interagem com  funcionários que têm dificuldades auditivas. "Aprendi quando criança, fiz parte de um coral de libras na escola e me ajuda muito, pois temos três clientes que  visitam regularmente a loja,”conta a jovem.

É preciso dimensionar o olhar para além destes três clientes fixos, os estabelecimentos devem, muito antes de sentirem-se pressionados pelas normas legais, compreender que a necessidade dos usuários na loja é  maior do que está regulamentado. 

É preciso atender a maior quantidade de pessoa, independente de idade, estatura ou limitação de percepção ou mobilidade, o desfrute de maneira autônoma e segura do ambiente é uma questão de cidadania.

Para ter acesso na íntegra à lei e a norma NBR9050 basta clicar aqui:

Reportagem especial para a série "Acessibilidade sem barreiras: a luta por Direitos", de Beatriz Lopes para a disciplina Redação Jornalística II