Sidney Rocha está inserido como escritor e editor no universo da literatura há mais de 45 anos e teve o livro “O Destino das metáforas” (2011) premiado em 2012 na categoria de Contos e Crônicas pelo Prêmio Jabuti.
O MultiCiência conversou com o escritor sobre sua escrita, compreensão da literatura e a participação na 1ª FLIC, acompanhe a entrevista:
MULTI (M): O livro de contos premiado “O Destino das metáforas” (2011) utiliza recursos linguísticos e narrativos bem interessantes, e lendo algumas críticas e opiniões de leitores isso é bastante comum em vários de seus textos. Como você define o papel da linguagem e da metáfora na construção da sua escrita? Há um objetivo de desconstruir ou ressignificar algo por meio delas?
Sidney Rocha (SR): “Todo escritor é absolutamente pretensioso. Você não escreve um livro somente para colocar o livro na praça, na rua. Você tem, necessariamente, o interesse de mexer com a literatura. A literatura é sobretudo linguagem, e é sobre essa forma de lidar com a linguagem que cada um dos livros que eu escrevo busca essa possibilidade. O Destino das Metáforas foi um livro publicado em 2011 e que eu não, mas ele recebeu o prêmio Jabuti, porque nunca devemos esquecer que quem recebe o prêmio é a obra, e não o autor. Eu busco especialmente a higidez da palavra, e a palavra mais saudável, não quer dizer que seja a mais alegre, mas é, talvez, a palavra mais dura.”
M: O que significou ter um livro premiado pelo Prêmio Jabuti? Mudou algo em sua carreira ou visão como escritor?
SR: “O prêmio Jabuti é o maior prêmio literário do Brasil e um dos maiores da América Latina, mas isso não define o meu trabalho. A literatura é maior do que o prêmio. Então, claro que é sempre importante que um autor seja celebrado no seu próprio tempo, diferentemente de tantas personalidades que a gente vê que são esquecidas e somente depois trazidas ou resgatadas na memória popular. Mas, o prêmio tem essa função absolutamente atrativa para que se consiga mais leitores, para que se possa falar de uma determinada literatura feita em um determinado tempo ou lugar, mas fica nisso. O grande prêmio para o autor é o próximo livro, é nascer e escrever o próximo livro.”
M: Como você enxerga a recepção dos leitores em relação aos seus livros? Algum retorno específico marcou você?
SR: “São 45 anos de luta literária, e a gente termina colecionando muitas histórias. Eu poderia te dizer sobre a alegria de uma mulher que não sabia ler e que aprendeu a ler para ler um romance meu chamado ‘Sofia’ (1994). E isso foi para mim o maior prêmio. Você criar não uma leitora, mas um ledor, uma ledora. Alguém que perguntou para mim, ‘escuta, isso que você acabou de falar para mim está no escrito?’ Eu disse ‘sim, está no escrito’. Então, o filho dela me disse, ‘minha mãe não sabe ler’. E ela disse, ‘mas eu quero aprender a ler para ler este livro’. Quando eu voltei ao convívio com ela, ela ainda não sabia ler, mas havia decorado o livro de tanto lerem para ela. Então, quando ela aprendeu mesmo a decifrar a palavra, foi enlouquecedor. O prêmio Osman Lins que esse romance ‘Sofia’ ganhou, ficou bem pequenininho diante da minha alegria de alterar a vida de alguém a partir da leitura. Mais do que defensor da literatura, eu sou um defensor da leitura.”
M: Existe algum escritor, escritora ou livro que você se inspira?
SR: “Às vezes, a gente acha que a influência de um escritor, de uma escritora, em relação ao seu trabalho, tem a ver especialmente com os grandes nomes. Mas, às vezes, um autor insignificante, que a gente lê um desses livros péssimos do mundo, termina me influenciando. O escritor não é aquele animal livresco. A literatura está na vida, então tudo influencia o escritor e a escritora. Algumas leituras são importantes, porque a literatura é, sobretudo, técnica. Então, você, lendo bons autores e péssimos autores, você descobre ali a técnica. Mas a técnica ainda não é tudo. Você pega um ChatGPT e ele pode ter um pouco ali da técnica. A técnica não é tudo. O grande e profundo segredo da literatura é a emoção.”
M: A programação inclui mesas-redondas e oficinas literárias. Você acredita que esses espaços contribuem para democratizar o acesso à literatura e formar novos leitores e escritores?
SR: Eu sou crente e sou descrente de todas as coisas em torno da leitura. Há muitas festas literárias no Brasil, trezentas e tantas por ano. Não quer dizer, especialmente, que essas festas e feiras literárias tenham aumentado o número de leitores do país. Saiu recentemente uma pesquisa importante de leituras que diz que, no Brasil, perdemos nos últimos anos cerca de 7 milhões de leitores, por isso que eu falo da minha descrença. A minha descrença tem a ver com isso, com certa espetacularização da leitura, ou do sonho ou idealismo da leitura. A gente tem que tratar da leitura de forma muito mais objetiva. A gente tem que ensinar as pessoas a ler. A literatura faz parte de um conjunto de saberes, da matemática, da escola e da região. Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll, 1865) foi escrita por um matemático, por aquele que usa matemática, que é algo que pensamos que não tem nada a ver com leitura e literatura. Então, é necessário que nós ensinemos as pessoas a lerem de verdade, a decifrarem a palavra e depois sonharem a palavra. Entre decifrar a palavra e sonhar a palavra é que mora o sonho da leitura literária.
M: Por fim, quais aspectos da sua trajetória como autor o senhor gostaria de compartilhar e deixar como lembrança para o público da 1ª FLIC?
SR: “Eu acho que a presença do autor empobrece a paisagem. A presença do autor, a presença do escritor empobrece o evento, porque nesse conjunto, onde chamamos o autor ou autora por sua fama e não pela sua obra, a leitura termina sendo relegada a terceiro ou quarto plano, além da figura ou a sumidade do escritor ou da escritora, há outros elementos. Assim, por exemplo, seguir o autor ou autora ou ver uma adaptação de sua obra, não é ler. Ler demanda esse tipo de mágica, de decifração, esse tipo de pacto que você tem não com o autor, mas com os personagens, com o enredo e com a trama. E são nesses elementos que essa vida floresce no romance, faz com que você possa entender um pouco o contexto da leitura e da imaginação. Então, essa capacidade de imaginar é que nós estamos perdendo. E no caso dos legados dos escritores, como você me pergunta, que eles apareçam menos, que eles venham menos às festas e que o livro venha mais.”
Por João Pedro Tínel, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaborador do MultiCiência.