Os jornais serviam como material para empacotar alguns produtos e alimentos em Paripiranga, cidade do estado da Bahia, que faz divisa com Sergipe e está dentro do antigo “Polígono das Secas”, uma região localizada no Semiárido Nordestino.
Foi em Conceição de Campinas, distrito desta cidade, em 1 novembro de 1976, que nasceu Andréa Cristiana Santos. Na época, as mulheres que nasciam ali poderiam nunca alcançar uma formação acadêmica. A escola disponível para estudo só oferecia formação até a quarta série, mas Andréa queria mais, tinha apego pelo estudo e conhecimento. Com a ajuda de sua irmã, que tinha acabado de se casar, conseguiu autorização dos pais, Pedro Leal dos Santos e Josefa Leal de Santana, para sair de sua cidade natal e ir morar em Simão Dias (SE), com ela para continuar os estudos.
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Foto: Arquivo |
Na universidade, mais uma lâmpada acendeu em sua cabeça, descobriu a importância da ciência. Começou a concorrer a bolsas de Iniciação Científica e conseguiu entrar em um projeto para estudar sobre jornalismo e política, mas não ficou somente na pesquisa. Durante a experiência universitária, participou da Agência UFBA em pauta e iniciou assim sua trajetória com a divulgação científica, o que consolidou sua vontade de ser jornalista. “Este foi um momento decisivo para mim, decidir seguir nos estudos. Eu sempre quis ser jornalista e me dediquei a essa área porque entendi que é uma profissão que utiliza instrumentos de transformação social para promover interação entre sujeitos e segmentos sociais.”
Entre suas experiências de trabalho em comunicação, foi estagiária em associações ligadas aos direitos de funcionários públicos e assessora do Deputado Daniel Almeida. Participou também do grupo Tortura Nunca Mais, na produção de materiais sobre a garantia de direitos humanos e no trabalho de mapeamento de desaparecidos políticos. Além disso, trabalhou como assessora da Federação das Indústrias da Bahia (FIEB) e atuou como trainee da Revista Veja, na área de educação dentro da revista Nova Escola.
A partir das experiências de estágio e trainee, Andréa entrou no mercado de trabalho fazendo parte da redação do jornal Tribuna da Bahia. Na época, o jornal era conhecido como aquele que abria as portas para os recém formados em comunicação. Andréa trabalhava em todas as editorias e gostava de estar perto de todo o processo de produção do jornalismo.
“Eu estava em todo o lugar, acompanhava a coleta de dados pela manhã e passava o dia escrevendo. Sempre ficava perto da edição, querendo que as minhas matérias fossem destaque e eu até ficava olhando a impressão dos jornais. Foi uma experiência muito rica, conversávamos com os editores e chefes de redação para entender melhor como funcionava a rotina produtiva do jornalismo”, lembrou com brilho nos olhos.
Depois disso, recebeu o convite para trabalhar na editoria de jornalismo econômico do Jornal Correio da Bahia e percebeu mais uma vez a importância da utilização das fontes científicas e especializadas. Para ela, quando se participa de uma redação que chegava em toda a Bahia, é necessário apresentar contextualização, dados, fontes e, principalmente, fazer ligação entre o global e o regional.
Andréa decidiu voltar para a academia, agora para um mestrado em 2002. Saiu do jornalismo impresso, se concentrou no Mestrado em História na UFBA e se conectou novamente com as salas de aula. Através de um convite para ser professora substituta, iniciou sua trajetória docente na Faculdade Integradas da Bahia (FIB) ensinando história do jornalismo, e na Faculdade de Ensino Superior de Feira de Santana (UNEF).
Em 2004, surgiu a oportunidade de realizar o concurso para ser professora na Universidade do Estado da Bahia. O curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo em Multimeios foi o destino. Em 15 de março de 2005, mais uma mudança, dessa vez para Juazeiro-BA, onde Andréa tornou-se professora desse curso. No entanto, mesmo estando na área do ensino, a professora não queria se afastar do jornalismo diário. “Eu fui pra área do ensino, mas ser professora de jornalismo é também exercer uma atividade jornalística e ser jornalista também me permite ser professora.”
Para manter viva a experiência da rotina jornalística, Andréa criou em 2005 um projeto de extensão - Agência de Notícias MultiCiência. O projeto nasceu da vocação de Andréa para o realizar o exercício laboratorial do campo jornalístico entre os alunos e divulgar a produção científica do Semiárido e do DCH-III. O MultiCiência funcionava nos laboratórios da UNEB como uma redação formada por estudantes do curso de jornalismo.
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Foto: http://multicienciaonline.blogspot.com/2011/07/estudantes-participam-de-curso-sobre.html |
A professora percebeu que o Vale do São Francisco se modificava por conta das universidades e instituições de ensino presentes na região. Então, era preciso pensar como pautar o conhecimento e a diversidade produzidos na região. Nos anos iniciais, a produção da agência era divulgada em jornais locais como Gazzeta do São Francisco, somente a partir de 2008 que o blog do MultiCiência teve as duas primeiras postagens: A Reportagem em Jornalismo Científico e A que se destina o projeto MultiCiência?.
Em “A Reportagem em Jornalismo Científico”, Albert Einstein é capa de um artigo que fala sobre a divulgação científica e como os jornalistas têm papel fundamental na soberania das nações e na disseminação de informação científica para a população. “Em suma, o jornalismo comprometido com uma informação jornalística o mais abrangente possível e que possa ajudar o leitor a tomar decisões e adquirir auto-governança.” (Trecho retirado do texto, sem assinatura)
O outro “A que se destina o projeto MultiCiência?” explica o objetivo do projeto e estimula a produção de divulgação científica e a participação das universidades e público a participar do blog. “Com a intenção de facilitar o fluxo de informação entre o universo acadêmico e os produtores de comunicação, a Agência de Notícias MultiCiência se propõe a agendar na mídia local projetos de pesquisa e de extensão produzidos no Campus III.” (Trecho retirado do texto assinado por Andréa Cristiana Santos)
“Na época que iniciamos o MultiCiência nós não tínhamos muito na imprensa a ideia de pautar diversidade dos sujeitos e das pesquisas, mas isso estava presente, quando pensávamos sobre que tipo de ciência queremos produzir ou que tipo de divulgação científica nós proporcionamos para região. É através da produção encantadora do jornalismo, como a fotografia, o texto, o vídeo, que a gente consegue desvelar as contradições do mundo e os problemas da região que conseguimos realizar a transformação nesses cenários”, destacou Andréa.
A professora Andréa explica que o nome “MultiCiência” surgiu a partir da reflexão que fez para pensar a ciência do Semiárido do Vale do São Francisco: “É preciso entender que ela está em tudo, desde a tradição e cultura local até a produção acadêmica das universidades. Por isso o “Multi” se conecta com a “Ciência””, conclui. Andréa ainda complementa que o MultiCiência é a primeira agência de divulgação científica no interior com regularidade a existir e que seguia inspirações de revistas e produções da Fapesp (SP) e das experiências de jornais sobre o tema.
“Eu sempre pensei o jornalismo como campo de conhecimento em uma perspectiva do singular que busca a contextualização, numa perspectiva marxista e do trabalho do pesquisador e jornalista Adelmo Genro Filho. O MultiCiência é um jornalismo crítico e emancipatório da realidade, é sobre como o jornalismo e a produção científica interferem no local”, afirmou com seriedade e otimismo no tom de voz.
Uma das produções que Andréa destaca como relevantes para o MultiCiência foi a participação e cobertura no primeiro Semiárido Show (evento organizado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária - IRPAA -, para apresentar formas de produção que gerem renda, sustentabilidade e convívio com o Semiárido), em 2011.
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Foto: https://multicienciaonline.blogspot.com/2011/08/multiciencia-participa-da-divulgacao-da.html |
Outra importante matéria que fez o MultiCiência relevante foi “Essa guerra às drogas de fato é uma guerra contra os pobres, contra a pobreza e contra a periferia”, publicada em 16 de junho de 2010, por Helen Sampaio e Raianne Guimarães. O texto é uma entrevista com o Edward MacRae, doutor em Antropologia Social e professor da UFBA, sobre o consumo de drogas e a criminalização do uso de substâncias entorpecentes.
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Foto: http://multicienciaonline.blogspot.com/2010/06/essa-guerra-as-drogas-de-fato-e-uma.html |
“Eu não consigo identificar nem traduzir quem eu fui e quem eu sou hoje. Quando eu penso entre a Andréa de hoje e a de antes, eu lembro de minhas raízes. Eu sou uma menina do interior que sempre gostou de ler e que acredita que a ciência é um instrumento de transformação social e que promova o desenvolvimento. O MultiCiência é um desses instrumentos”, contou Andréa com um olhar reflexivo ao lembrar de sua trajetória.
“Sejamos éticos, responsáveis e procuremos seguir o nosso caminho. Um dia, pode se curtir o luto, noutro comemoraremos vitória. Conquistemos, agora, pelo que sempre lutamos: adquirir uma formação ética, cidadã, crítica, especializada e profissional para cumprir a difícil tarefa de ser jornalista neste país.” (Trecho retirado do texto A que se destina o projeto Multi.Ciência?, assinado por Andréa Cristiana Santos)
Por João Pedro Tínel, estudante de Jornalismo em Multimeios e monitor voluntário do MultiCiência.