Codefas, Colégio Estadual Rui Barbosa e Colégio Helena Celestino desenvolvem projetos que valorizam a cultura afro-brasileira e indígena, e mostram a importância de reconhecer a ancestralidade e pensar sobre essas questões todos os dias, não somente no mês de novembro.
Por Ana Beatriz Menezes
Falar, pensar, refletir e estudar sobre a herança cultural afro-brasileira e indígena deveria ser recorrente no nosso dia a dia, visto que é algo que nos atravessa a todo momento. Estão em nós, na construção do que se conhece como Brasil desde os primórdios, desde a cor da pele, a etnia, mas que não é o que acontece no cotidiano e isso se reflete na educação e na preservação da nossa história enquanto povo.
Com o intuito de fazer os estudantes de todo o Brasil estudarem de verdade o que aconteceu no país, a ancestralidade negra e indígena, e que muitas vezes não vai parar nos livros de história, o Governo Federal criou em 2003 e 2008, respectivamente, as Leis 10.639 e 11.645, que tornaram obrigatório o ensino da história e culturas afro-brasileira e indígena nas escolas públicas e privadas do país.
Porém, isso não vem sendo implementado, pois, segundo o estudo realizado em 2023 pelo Geledés - Instituto da Mulher Negra e o Instituto Alana, com 1.187 Secretarias Municipais de Educação do país, o que equivale a 21% das redes municipais de ensino, revela que apenas 29% dessas secretarias realizam ações consistentes para garantir a implementação da Lei 10.639. Quanto à Lei 11.645, não foram encontrados dados.
Em Juazeiro, cidade que fica no norte da Bahia - estado com a maior população autodeclarada negra do Brasil - escolas da educação básica - ensino fundamental II e ensino médio - estão nesses 29%, e dão exemplos de condutas a serem seguidas pelas instituições de ensino, pensando sobretudo na valorização da ancestralidade negra e indígena, e no combate ao racismo.
Iniciativas na prática
O Encrespa - Codefas
É o caso do Colégio Democrático Estadual Professora Florentina Alves dos Santos, o Codefas, localizado no bairro Piranga, que tem um projeto chamado Encrespa, cujo intuito principal além do cumprimento da legislação, é desconstruir estereótipos que incidem sobre as populações e culturas negras, que foram cristalizadas por abordagens que as folclorizam. A iniciativa também busca a valorização da intelectualidade e autoestima, temas que são abordados exclusivamente em novembro, mês da Consciência Negra.
“O Encrespa é sobre nós que fazemos o Codefas, professores, alunos e funcionários. Nós somos a população negra do Brasil e temos essa dificuldade muitas vezes de dizer quem nós somos”, diz Vanessa Chaves, professora e uma das fundadoras do projeto. A iniciativa desenvolve ações durante todo o ano letivo que focam em diversos temas importantes para a comunidade negra e juazeirense no geral, que é composta por mais de 60% da população que é de 254.481 habitantes.
São produzidos por todos os alunos da escola artigos científicos voltados para questões importantes a população negra, além de rodas de conversa, leituras de livros de autores negros(as), e discutidos temas relacionados à autoestima, cultura, educação e racismo - tão estrutural na sociedade que faz vítimas todos os dias -, dentre outros assuntos. Além disso, o Encrespa tem também um grupo de balé, o EncrespArte, a Afropercussiva - banda de percussão formada por alunos da escola, e o EncrespaErê - banda percussiva que tem espaço para a comunidade externa.
Em julho desse ano, foi realizada a Mostra do Conhecimento Maria Felipa, um espaço para os alunos mostrarem as produções realizadas na escola, e no último dia 19 de novembro, aconteceu o Festival do Novembro Negro, um momento festivo, de celebração cultural, que contou com a apresentação da Afropercussiva e outras manifestações culturais. O foco do evento é principalmente fechar as atividades letivas do projeto, formar o senso crítico dos(as) alunos(as) e um conhecimento “encrespado”, que de fato represente a população negra da Bahia e do Brasil, que é a maioria.
Festival Encrespa 2024, Mirail Menezes.
O Fubá - Colégio Helena Celestino
Fundado em 1972 e municipalizado em 2020, o Colégio Municipal Helena Celestino Magalhães tem cerca de 800 alunos(as) matriculados(as) e funciona no bairro Castelo Branco. Em 2023, a professora de História, Arte e Ensino Religioso, Lorene Santos, motivada por uma inquietação pessoal e diante de situações observadas na escola, resolveu criar o projeto Festival Unificado Brasil-África - o FUBÁ, que encerra atividades realizadas o ano todo.
A iniciativa tem o objetivo principal de atender o disposto nas Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, e é colocada em prática no dia a dia pelos professores, que, segundo a fundadora, estiveram mais engajados de fato nesse ano. Mas, ainda há resistência em trabalhar os assuntos o ano todo.
“Bom, esse ano percebi um engajamento maior entre os colegas e percebi a temática dentro dos conteúdos programados. Outros não, deixaram para abordar apenas no mês do festival”, declara a professora.
Na primeira edição realizada em 2023, funcionou em formato de oficinas, oferecidas para todos os alunos da escola. Neste ano, na segunda edição, cujo evento de culminãncia ocorreu nesta terça-feira, dia 19 de novembro, o projeto funcionou em formato de um museu expedicionário, que contou com a construção dos alunos e professores orientadores, além de salas temáticas divididas por área do conhecimento - Linguagens, Ciências Humanas e da Natureza - onde os estudantes exibiram trabalhos de pesquisa e objetos que representam a cultura afro-brasileira, produzidos ao longo do ano, elaborados com base em autores(as) negros(as) e iniciativas parecidas.
II Fubá, Lorene Santos |
Letramento racial através do teatro - Colégio Rui Barbosa
No Colégio Estadual Rui Barbosa, situado no bairro Santo Antônio, não há de fato um projeto que foque especificamente na valorização da cultura afro-brasileira e indígena. Entretanto, dentro de áreas do conhecimento específicas, são realizadas pelo professor de teatro, Maurício Barbosa, durante todo o ano, oficinas de teatro com estudantes de todas as turmas da escola, que focam na arte e cultura-brasileira. Pensam o combate ao racismo, em suas diversas manifestações, principalmente o racismo velado, e os diversos impactos que causa nas pessoas que são vítimas deste tipo de crime, sobretudo os psicológicos.
O professor Maurício Barbosa conta que as oficinas são realizadas através de uma parceria com profissionais da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), são uma forma de unir coisas que são importantes para ele, diante do que enxerga como papéis da educação. Ele acredita que é possível que os jovens tenham o letramento racial necessário, o que, além de ser papel da família, é da escola, mas também desenvolvam habilidades artísticas.“É importante porque os estudantes têm a oportunidade de conhecer outras áreas, para ver se eles se encaixam, o que pode influenciar no futuro”, diz o professor.
Todo ano há um tema a ser trabalhado nas oficinas; o deste ano foi baseado no livro do escritor baiano Jorge Amado, Capitães de areia, dentro do qual foram elaborados diversos espetáculos. Um deles foi o “Trombadinhas: ainda existem os Capitães de areia”, apresentado primeiramente no Colégio Rui Barbosa, nesta terça-feira (19/11).
Espetáculo Liberdade, Liberdade!, Maurício Barbosa |
Vitória Ferreira faz parte de um dos grupos que realiza as oficinas e diz que o teatro da forma que o professor Maurício trabalha na escola é muito importante para ela, pois pode se desenvolver artisticamente e se formar quanto à necessidade de combater o racismo, enquanto uma mulher negra. Ela participou do espetáculo realizado no ano passado, o “Liberdade-liberdade”, também próximo do dia da Consciência Negra, e acha que foi muito bom, além de tudo o que aprendeu. “Eu resolvi participar do Liberdade-liberdade porque me senti representada e bem à vontade com o tema”, conclui Vitória.
Espetáculo Liberdade, Liberdade! Maurício Oliveira. |
Para além de cumprir as determinações das leis federais, tais iniciativas evidenciam a necessidade da educação ser de fato contextualizada considerando o território que pisa e a história que de fato lhe diz respeito, que por muitas vezes não aparece nos livros de História.