Coleta seletiva, consumo consciente e reciclagem são termos frequentemente usados quando se fala de sustentabilidade e meio ambiente. Há 14 anos, a Lei 12.305 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que determina a criação de planos de gestão de resíduos sólidos e coleta seletiva em escala nacional, estadual e municipal.
De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), em 2020, foram geradas 79,6 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, o que pressupõe um aumento de 50% desse quantitativo até o ano de 2050, em comparação ao ano de 2019.
A Política Nacional citada determina que cada esfera tenha um planejamento técnico para a destinação dos resíduos, criando seu próprio sistema de diagnóstico, metas a serem alcançadas e soluções para os problemas ambientais. Não à toa, a Lei prevê incentivos financeiros para os municípios que têm o plano elaborado e implementado.
Em março de 2023, o Ministério Público do Estado da Bahia acionou o município de Juazeiro, no norte baiano, para que ele adequasse o plano de saneamento básico ao de resíduos sólidos, de acordo com as normas ambientais vigentes, até o ano de 2025. Segundo o Ministério, a ação está em processo de avaliação pela Justiça, na 1° Vara da Fazenda Pública de Juazeiro.
O pesquisador e ambientalista do curso de Engenharia Agrícola e Ambiental, Vitor Marcos Lima, da Universidade Federal do Vale do São Francisco, aponta a necessidade do município ter um plano de gestão de resíduos para identificar o que é originado dentro do seu território. “Um plano bem feito dispõe de informações necessárias para que o município passe a perceber se está gerindo os resíduos de forma correta e o que pode ser melhorado. Isso traz benefícios para a saúde pública e para o meio ambiente”, esclarece.
Vitor defende que é importante entender a diferença entre resíduos e rejeitos e a destinação final de cada um. “O rejeito é um estágio alcançado pelo resíduo, em que ele não tem mais nenhuma finalidade. Todas as limitações de uso que aquele material poderia ter foram esgotadas. Já o resíduo é o material que cumpriu sua finalidade, mas ainda apresenta possibilidades de ser reinserido novamente em sua cadeia produtiva”, explica.
Ele também comenta sobre a importância de o cidadão comum ter um conhecimento básico sobre o assunto. A partir disso, é possível praticar ações que colaborem na destinação correta de cada material, dentro da rotina particular de cada pessoa. “São atitudes que por mais que pareçam pequenas, são passos para conseguir chegar a um modelo de gestão mais eficiente”, afirma.
A médica Thereza Carvalho reside em Juazeiro e gostaria de fazer mais pelos resíduos que produz em sua casa. Ela lamenta a falta do plano e da coleta seletiva, e comenta outras ações que pratica individualmente. “Sem a coleta seletiva, separar meu lixo para ver o caminhão misturar tudo no compactador passou a me desmotivar um pouco. Hoje, o que ainda faço sem falta é separar pilhas e baterias ou equipamentos eletrônicos e fazer o descarte nos pontos de coleta apropriados, destinados a esse tipo de material”, desabafa.
Fonte: Coalizão Embalagens
A coleta seletiva (ou a falta dela)
Além da falta do plano de gestão municipal de resíduos, Juazeiro é uma das mais de mil cidades brasileiras que não possui iniciativa de coleta seletiva, de acordo com dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020, em pesquisa realizada pela ABRELPE, em 2019.
O município tem uma Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis (Cooperfitz), que há cerca de 12 anos realiza o serviço de coleta de resíduos não perigosos e mantém parceria com a prefeitura municipal para algumas atividades.
O presidente da cooperativa, José Ivo dos Santos, relata que há um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público e a prefeitura municipal junto à cooperadora, mas que pouco se fala da adequação do município ao plano de gestão de resíduos e à coleta
seletiva. “Até hoje ainda se enterra material reciclável no aterro. Se paga para aterrar, mas não se paga para coletar. A cadeia produtiva da reciclagem é muito importante porque evita retirar matéria-prima da natureza”, desabafa.
A coleta convencional, feita com o caminhão de lixo de porta a porta, é realizada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Juazeiro, que tem um acordo de cooperação técnica com a Cooperfitz, fornecendo um caminhão em alguns dias da semana e assessoria aos catadores. Porém, José Ivo expressa que ainda não é o suficiente.
“O que a gente ‘briga’, às vezes, com o município, é que dentro da elaboração desse plano de resíduos, se tire um caminhão da coleta convencional para disponibilizar para a coleta seletiva. Eu acho que tirando um carro desses para fazer a coleta seletiva, não atrasaria a coleta convencional e estaria ajudando o município”, expõe.
A coleta feita pelos catadores ocorre de rua em rua e no comércio. É um ato independente, sem vínculo com a prefeitura. Esse trabalho é a fonte de renda para os cooperados e suas famílias. “A gente ‘briga’ pelo contrato de coleta seletiva, para o município contratar a cooperativa, porque contratando, a gente poderia colocar mais catadores dentro dela. Ia gerar mais renda e a gente poderia começar a implementar a coleta seletiva no nosso município”, esclarece.
Ainda, segundo a Política Nacional, a contratação de cooperativas para execução do plano de resíduos dispensa licitação, ou seja, não há burocracias. Nesse sentido, para o presidente da Cooperfitz, há falta de interesse por parte da prefeitura.
“Por mês, a cooperativa tira do meio urbano de 27 a 30 toneladas de material reciclável, como papelão, plástico, vidro e latinha, dentro do município. E por dia, são jogadas mais de 80 toneladas de material no aterro. Não chega nem a 1% de material reciclado dentro do município”, compara.
O que diz o Serviço Autônomo de Água e Esgoto
A técnica ambiental do SAAE, Thaís Lima, informa que o município tem o plano de saneamento básico que contempla resíduos sólidos, mas precisa fazer o plano de gestão de resíduos previsto na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ela explica ainda que toda a coleta feita pelo caminhão de lixo vai diretamente para o aterro sanitário, sem triagem. Na cidade, somente é reciclado o material que a Cooperfitz coleta, já que não há coleta seletiva domiciliar.
Thaís comenta que a autarquia pratica ações socioeducativas nas escolas, para abordar sobre água, esgoto e resíduos, e que há previsão de implantar um projeto de ponto de entrega solidária, com ecopontos, a fim de permitir o descarte seletivo pela população. Contudo, mesmo para a inserção desse projeto, seria necessário o plano de gestão de resíduos para que tudo ficasse bem amarrado.
“Como o plano é municipal, cabe à prefeitura fazer o trâmites por lá. O SAAE tem o próprio plano de resíduos como empresa, e tem o plano de saneamento, que é do município. Porém, o plano de gestão integrada é de cargo municipal, mas não sabemos como está o andamento por lá”, declara.
Diante disso, a criação e a efetivação de um plano de gestão de resíduos sólidos no município perpassa não só o âmbito da administração pública, mas envolve a coparticipação de catadores, do serviço de água e esgoto e da própria população. O adiamento dessa medida impacta diretamente o desenvolvimento socioambiental sustentável, o uso racional de recursos, a geração de renda e a participação popular na transformação da realidade local.
Por Lorena Garcia, em colaboração com a disciplina de Redação Jornalística II, do curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB Juazeiro.