Mulheres em ação: empreendedorismo feminino transforma a vida das pessoas em Jaguarari (BA)

MultiCiência 02 junho 2025

“Mulheres em ação” reunidas na antiga unidade (ano não localizado). Da esquerda para a direita: Marinalva Silva, Irene Lopes, Sandra Fernandes, Lúcia Fernandes, Elba Silva, Luizete Menezes e Cleide Menezes.
Foto: Arquivo pessoal de Irene Lopes.

Gameleira é uma árvore típica da Caatinga, associada à longevidade e a resistência. Na zona rural de Jaguarari (BA), essa árvore nomeia um pequeno distrito, onde há 23 anos atrás, um grupo de mulheres se reuniram para resistir à situação de extrema pobreza das suas famílias. O grupo, intitulado “Mulheres em ação”, que tem como marca “Delícias de Gameleira”, é uma iniciativa inovadora no local, que produz o beneficiamento e a venda de produtos derivados de frutas nativas como umbu, tamarindo, maracujá e acerola, dentro do prisma da economia solidária.

Doce feito com o carro-chefe do grupo: o umbu, 2025. 
Foto: Ana Beatriz Menezes.


A fundação
Segundo Irene Lopes, 67 anos, fundadora da “Mulheres em ação”, a história do grupo perpassa por duas questões: a primeira tem relação com o trabalho realizado pela instituição financiadora italiana Amici Di Bambini (AiBi), que apoiava um projeto feito pela Associação Parceira das Crianças (Apac) no distrito de Gameleira, oferecendo reforço escolar para alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica que moravam no povoado, em um prédio comunitário. Irene, que à época fazia parte dessa instituição, sentiu a necessidade de criar algo que beneficiasse as mães também, não somente as crianças e adolescentes, visto que o local tinha muitas pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza. A outra questão que a influenciou a tomar essa decisão foi um curso sobre Convivência com Semiárido e Economia Solidária, realizado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), em Juazeiro, no início do ano 2000. 

Foi através desse contato na formação do Irpaa, com esse desejo que já tinha, que o desejo de fundar um grupo de mulheres que trabalhassem com o beneficiamento de frutas, e gerasse renda na comunidade, foi começando a virar realidade”, aponta Irene.

Essa inquietação, motivada por tais fatores, a faz se reunir com colegas e criar, em 2002, um grupo, que ainda não tinha nome, mas um propósito: colocar as mulheres para agir, para ganhar seu próprio dinheiro, utilizando elementos da natureza local, como as frutas típicas da caatinga. Como ela queria empoderar essas mulheres, incentivá-las a agir, surge o nome “Mulheres em ação”.

As principais experiências
As “Mulheres em ação” começam a produzir na própria cozinha do prédio, onde a AiBi funcionava, pois não tinham sede própria, era tudo incipiente e informal. Como não tinham pomares, iam conseguindo as frutas por meio de doações dos moradores e as colhendo de seus próprios quintais. Com o passar dos anos e com muito trabalho, elas foram conquistando mais espaço na comunidade. 

Depois, elas firmaram uma parceria com a Associação de Moradores e Pequenos Produtores de Gameleira, que as permitiu ter uma articulação maior e participar de formações oferecidas pelo Centro de Economia Solidária do Piemonte Norte do Itapicuru (CESOL), que atua na região e funciona em Senhor do Bonfim (BA), e pelo Instituto Federal Baiano, campus de Senhor do Bonfim, para aprender com mulheres de outros grupos. Assim, foram se organizando financeiramente e se constituindo como um grupo firme, que era o que Irene queria. “A minha ideia era formalizar tudo mesmo, para que a gente se organizasse e pudesse trabalhar melhor, aprendendo sempre, tendo esses apoios, que são importantes”, destaca ela.

O tempo foi passando e a falta de lucros individuais significativos — devido à questão da economia solidária, na qual os rendimentos são divididos —, fez com que algumas integrantes do grupo saíssem, ficando apenas as que mantinham o interesse principal, que era o pensar coletivo, dividindo tudo o que fosse ganho, na busca da independência financeira dessas mulheres e do crescimento do grupo. “Elas ficavam tristes e insatisfeitas com a demora em receber, e queriam mais dinheiro, o que não é o nosso foco principal no grupo”, afirma Valdenita Lima, que junto com Irene, fundou o “Mulheres em ação”.

Mas, a saída de mais de 90% das mulheres que chegaram a compor o grupo não foi algo que desmotivou as que ficaram, pelo contrário: as fez trabalhar ainda mais. Nesses mais de 20 anos de existência, diversas experiências foram vividas, e muito aprendizado foi adquirido, como, por exemplo, as formações de produção dos materiais, ou sobre a economia solidária e gestão de negócios, que Irene participou em outros estados brasileiros, como Rio Grande do Sul, e as lutas para conseguir a unidade fixa. Além disso, dezenas de famílias foram beneficiadas com as ações do grupo, na renda, sobretudo. Embora não sejam valores altos arrecadados, a iniciativa contribui para o sustento de famílias. 

Desafios
Atualmente, mesmo depois de se consolidarem como um grupo que consegue se manter financeiramente e que se destaca na região, um dos maiores desafios é fazer com que as pessoas do próprio distrito de Gameleira consumam os produtos por elas produzidos, o que não ocorre como deveria ser, na visão delas. “O pessoal aqui não valoriza, a gente vende muito para fora, nas feiras e tal, em outras cidades, mas aqui os produtos não são tão procurados, infelizmente”, lamenta Valdenita.

Para Bernadete Lopes, que mora no local, o trabalho das mulheres é essencial, leva o nome da comunidade para fora e gera renda através do comércio de produtos com muita qualidade. “”Eu acho muito importante e potente o trabalho delas, elas conseguem fazer bem o trabalho, os produtos são ótimos, feitos sem agrotóxicos, e representam a comunidade Brasil afora”, afirma Bernadete.

O grupo hoje
Depois de anos funcionando no prédio comunitário que funcionou a AiBi, de lutas e articulações políticas com a associação local, as “Mulheres em ação” conseguem uma sede própria, uma unidade de beneficiamento de frutas, com o maquinário para a continuação e melhoramento dos produtos, que passa a funcionar na Rua do Sisal, no povoado de sua fundação - Gameleira, por meio do projeto Bahia Produtiva — iniciativa do Governo da Bahia, executado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa pública vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural – (SDR), a partir de um Acordo de Empréstimo firmado entre o Estado e o Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial). Para elas, essa conquista foi um passo muito importante, que faz a luta valer. 

Unidade de beneficiamento de frutas Maria Gorette dos Santos e Santos, 2025. 
Foto: Ana Beatriz Menezes.


Parte do interior da Unidade de beneficiamento de frutas, 2025. 
Foto: Ana Beatriz Menezes.

No entanto, apesar dos benefícios que a unidade trouxe para o grupo, elas dizem que há muitas dificuldades ao exercício do trabalho diário no local: falta de formações técnicas para manusear corretamente as máquinas, alguns materiais foram entregues sem que elas pedissem, e outros, solicitados, não foram entregues, ausência de equipamentos de proteção individual (EPI’s) básicos, o que precisa ser resolvido.
“Faltam muitas coisas ainda para a gente aqui, nós estamos precisando de uma atenção maior por parte do governo, das entidades que nos entregaram a unidade de beneficiamento, porque não é só entregar e deixar pra lá. Nós queríamos fazer muito mais, mas com todas essas dificuldades, é impossível no momento, e é triste, porque nós fazemos isso a tanto tempo”, conclui Irene, aflita.
Atualmente, cinco mulheres compõem o grupo, que já chegou a ter 30 integrantes. Como o mercado ainda é pequeno, as vendas mais consistentes dos produtos — compotas, geléias, doces e outros — são realizadas em Feiras de Economia Solidária da região, seja em Jaguarari ou em cidades próximas, como Senhor do Bonfim, Juazeiro, Pindobaçu, Campo Formoso e Jacobina, como o Ecofestival do Café da Serra dos Morgados, e o Festival de Inverno — ambos de Jaguarari —, que ocorrem periodicamente.

O grupo na II Feira da Economia Solidária de Jaguarari, 2023. 
Foto: Ana Beatriz Menezes.

Mesmo com uma quantidade pequena de mulheres, com a desvalorização vivida no próprio local de funcionamento e com as dificuldades para se manter funcionando, o grupo consegue desenvolver um trabalho que, além de gerar renda, orgulha e inspira outras mulheres de Gameleira a agir, resistir e a se empoderar, pensando no coletivo e na relação equilibrada com a natureza. “É uma coisa que a gente faz porque é da nossa natureza. Eu e as outras trabalhamos por amor, o dinheiro quando chega é bom, mas eu faço por amor. Se chegar a não ter rendimento, não vamos deixar de trabalhar. Esse grupo faz parte da minha vida, de quem eu sou”, conclui Valdenita, emocionada.

Por Beatriz Menezes, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do MultiCiência.