O sociólogo Émile Durkheim definiu “suicídio” como toda
morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo da
própria vítima, que pode variar em função de variados aspectos seja a relação
com a religião, família, trabalho, crises morais ou financeiras. Dados da
Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que é impossível ignorar este
fenômeno de saúde pública. A cada quarenta segundos, uma pessoa comete suicídio
no mundo. O Brasil é o 4º colocado em crescimento de suicídios na América
Latina e o 8º país com mais suicídios no mundo. Embora esses dados tenham
números elevados, nove em cada dez casos podem ser prevenidos.
Embora haja estudos sobre a temática, em pleno século XXI,
o silenciamento da sociedade e dos meios de comunicação a respeito do suicídio
se torna uma zona de conforto. Quando não há o silêncio, mais grave são as
violações dos direitos, culpabilizando e fazendo a exposição das
vítimas e familiares.
O Decreto Presidencial 52.795/63 proíbe as estações de
rádio e de televisão de transmitir programas que atentem contra o sentimento
público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em
constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico. Já a
Constituição Federal de 1988 prevê que a legislação deve estabelecer os meios
legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defender, quando
são expostos publicamente em programas de rádio e televisão. Qualquer abuso
pode ser protocolado em uma denúncia ao Ministério Público Federal, que pedirá
esclarecimentos à emissora e ao Ministério das Comunicações com relação ao
conteúdo que foi veiculado.
Para garantir o direito à dignidade das pessoas e tratar a
temática do suicídio como problema de saúde pública, os meios de comunicação
devem esclarecer a respeito de tratamento psicoterapêutico e informar sobre
grupos de acolhimento de ajuda e prevenção. Estas são estratégias para que os
meios de comunicações e a sociedade se tornem parceiros na luta pela
preservação da vida.
“É o silêncio que
faz a pessoa em dificuldade emocional, com o psiquismo abalado, sofrer”. Foi o
que afirmou a psicanalista clínica e coordenadora do Núcleo de Prevenção ao
Suicídio do Vale do São Francisco, Deisi Fabiane Schmitz, durante evento a
respeito do ‘Comportamento Suicida e Suas Influências nos Meios de
Comunicação', realizado nos dias 29 de maio e 01 de junho, no Departamento de
Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Juazeiro. “A mídia se cala, porque a sociedade se cala. E a sociedade
se cala porque a mídia se cala”, continua a psicanalista clínica. Deise afirma
também que o silenciamento a respeito da questão e uma abordagem equivocada do
tema podem impedir que as pessoas busquem ajuda para resolver problemas de
natureza social, cultural e psíquica que podem conduzir a um comportamento
suicida.
Buscar alternativas para o silenciamento dos meios de comunicação é fator determinante para não estimular comportamento semelhante, principalmente em pessoas que podem estar em situação vulnerável. Esta foi uma inquietação da
jornalista e egressa do curso de Jornalismo em Multimeios da Uneb, Jaqueline
Santos, que abordou a relação entre mídia e suicídio no Trabalho de Conclusão
de Curso, defendido em 2013. Ela analisou a cobertura de dois veículos de
comunicação de Juazeiro e conversou com profissionais da imprensa para saber
como eles trabalham com a questão. “Conversei
com radialistas e jornalistas que demonstraram um sentimento de revolta
diante do silenciamento da mídia em relação ao tema, mas se colocaram como
reféns do sistema de produção do veículo que ainda considera um tabu se referir
à temática”, disse.
Por ser um assunto que abrange diversos elementos, as
dúvidas em torno do tema são frequentes, como a forma de fazer a divulgação e o
receio de produzir a notícia com uma postura inadequada, o que pode estimular o
ato. Mas uma
abordagem especializada, com respeito à variedade de fontes e priorizando o relato
humanizado, pode esclarecer sobre os múltiplos fatores que são associados ao
comportamento suicida.
Cartilha
Para garantir que a população seja informada corretamente a
respeito dos fatores associados ao comportamento suicida, a Associação
Brasileira de Psiquiatria, ABP, produziu uma cartilha com orientações para profissionais de imprensa. Nela podem
ser encontradas sugestões formuladas por psiquiatras e profissionais da
imprensa, que descrevem como a publicação deve ser feita.
Seguindo as orientações da cartilha, é possível evitar o
denominado “Efeito Werther” , termo utilizado pela medicina para designar a
imitação de suicídio. Essa expressão foi utilizada após a publicação de um
livro chamado “Os sofrimentos do Jovem Wether” trazia a discussão do
suicídio como resultado da melancolia. A obra literária, produzida no
século XVIII, relata a história do rapaz que se apaixona por uma mulher
inalcançável e decide tirar a própria vida. Após a publicação do livro, alguns
jovens cometeram o suicídio, utilizando o mesmo método do personagem. Outro
caso que pode ser usado como referência é o da cobertura sensacionalista de um
incidente que aconteceu no metrô de Viena em 1986, que acabou estimulando
muitos casos de suicídio em um curto período.
Recentemente, a série americana ‘13 Reasons Why’ (
‘13 porquês’), baseada na obra ‘Thirteen Reasons Why’, de Jay Asher, e adaptada
para a Netflix, tem preocupado especialistas em saúde. A série apresenta cenas
nas quais os métodos da prática de suicídio são exibidos com detalhes.
Um outro exemplo são as notícias publicadas a respeito do
jogo ‘Baleia Azul’, no qual os participantes deveriam cumprir vários desafios
propostos até chegar a sua conclusão. O enfoque no jogo e a perspectiva de
epidemia causou uma sensação de pânico na população. A divulgação
sensacionalista poderia incentivar pessoas vulneráveis a participar do jogo. A
partir desses exemplos, é possível recomendar ao profissionais da mídia que
eles não devem divulgar o método, fotos, ou informar detalhes. É necessário
produzir uma reportagem com discrição e evitar a dramatização.
Abordagem
da Mídia
Entrevistar profissionais da área de psicologia para que a
questão seja retratada de forma menos individualista também faz parte das
recomendações da cartilha. Em alguns casos, o esclarecimento de um especialista
pode nortear a reportagem. Como aconteceu com a radialista Sibelle Fonseca que
resolveu abordar a temática no programa radiofônico e no blog Preto no Branco.
Ela conta que a abordagem sempre foi uma dúvida em momentos em que pretendia
discutir a temática, mas procurou uma profissional da área para auxiliá-la.
“Convidei especialistas várias vezes para fazer debate e saber abordar o tema, mas procurava tratar com bom senso,
responsabilidade, sensibilidade e sem julgamentos”, concluiu.
A alternativa encontrada por ela foi a de alternar o
foco do acontecimento para a prevenção, através de um tratamento psiquiátrico, esclarecer
as consequências do ato, como os impactos para a família e amigos. Esse modo de
noticiar o tema pode intervir e auxiliar pessoas que precisam de ajuda. Também
procurava informar possíveis locais de ajuda quando há sinais de que uma
pessoa apresenta comportamento suicida.
Um desses espaços é o Centro de Valorização da Vida, CVV, localizado em Petrolina- Pe. A associação possui atendimento voluntário e gratuito, 24 horas e todos os dias. Nesse local é disponibilizado apoio emocional e prevenção do suicídio a todas as pessoas, que podem conversar sob total sigilo por telefone, email, chat ou Skype.
Outro centro importante é o Centro de Atenção Psicossocial,
CAPS, que realiza serviço específico através do acompanhamento clínico e
suporte social. Espaços que possuem profissionais de saúde preparados
para acolher de forma adequada as vítimas são muito relevantes. É preciso
considerar uma tentativa de suicídio com seriedade. Em alguns casos, as pessoas
que não concretizaram a ação são tratadas com descaso em hospitais e passam por
humilhações, o que torna o processo extremamente traumático. Uma intervenção
humanizada pode diminuir o impacto do ato sobre as vítimas e ajudar a preservar
a vida humana, com respeito e dignidade.
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Texto: Esther Santana e Beatriz Braga
Fotos: NAC - Uneb