Poesia e Cordel em Via Sacra - o caminho da Luz

Multiciência 13 abril 2020

A Literatura de Cordel - manifestação literária tradicional da cultura popular brasileira, mais precisamente do interior nordestino - nunca desperdiçou força de seus versos desde que ganhou espaço no Brasil, sobretudo entre os anos 1930 e 1960. Muitos escritores foram influenciados por este estilo, dos quais se destacam: João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, dentre outros. Desde então, o Nordeste se transformou no celeiro de tantos outros autores que costuram temas fortes, pertinentes e que atravessam gerações multiplicando temáticas principalmente  históricas.

O pernambucano Aldy Carvalho e o alagoano João Gomes, ambos radicados em São Paulo, sabem a arquitetura da métrica e a rima nesse gênero literário, e lançaram recentemente o livro "Via Sacra - O Caminho da Luz" (Ed. Nova Alexandria). Os cordelistas trazem ao leitor a narrativa da Paixão de Nosso Senhor pelo olhar da Via Sacra - também chamada de Via Crúcis - e que se refere ao trajeto que foi percorrido por Jesus carregando a cruz desde Pretório até ao Calvário onde faleceu. Eis a história cristã que já inspirou abordagens em várias linguagens artísticas: cinema, música e literatura.

A obra se completa com o belo trabalho de xilogravuras distribuídas em 17 páginas de autoria da artesã paranaense Regina Drozina. A cada verso, a Via Sacra,  pelos olhares poéticos de Aldy e João Gomes, como observa o ensaísta Ely Veríssimo, no prefácio da obra,  "retoma uma longa tradução da tradição da mensagem contida nos evangelhos, em palavras compreensíveis, como se faz o sacerdote, traduzidas, mais uma vez, para a fixação na memória do povo, em imagens". Ao longo de mais de 40 páginas, o leitor se debruça sobre uma obra que atravessa a trajetória de Jesus Cristo através das 14 estações até a ressurreição.

Na primeira estação, os autores  descrevem com singeleza poética e uma linguagem clara e palpável aos olhos e compreensão do leitor, por meio de suas métrica e rima, o momento em que Jesus é condenado à morte. "E pediram sua morte/ Na presença de Pilatos/ Que lavando as mãos lhes disse não ver culpa nos seus atos: - Se este homem é problema/ É só vosso esse dilema. Não me importo com os fatos/.

A saga prossegue com o cenário bíblico de cada estação, que inclui Jesus carregando a cruz, sua primeira queda, a ajuda de Simão no momento de dor, a presença de Verônica a enxugar o rosto de Cristo,  e lá pela oitava estação em diante, o instante em que Jesus  consola as mulheres de Jerusalém. Nas etapas finais, os poetas alinham com detalhes a pregação de Jesus na cruz, sua morte, sepultamento e ressurreição: "Naquele instante uma voz/ No momento anunciou que Jesus estava vivo/Para seu povo, voltou/.  como era registrado no grande livro sagrado: - Cristo ressuscitou.

Em toda estrutura da narrativa poética, Aldy Carvalho, João Gomes e Regina Drozina "recriaram uma das mais  icônicas cenas acerca da vida de Jesus. Ainda para o ensaísta Ely Veríssimo, os autores fazem de maneira a recompor o seu sentido originário, traduzindo na forma  e no conteúdo, tanto a história de fé e da Igreja, quanto o simbolismo  mais profundo desse caminho, isto é, de que a verdadeira Via Sacra ocorre no interior de cada um, na simplicidade dos gestos e das ações que nos tornam divinamente humanos".

O desfecho da Via Sacra ocorre com a ressurreição de Jesus Cristo,  lapidada, poeticamente, conforme a passagem registrada no livro sagrado: "Pela manhã, Madalena; Logo do terceiro dia/ Foi visitar o sepulcro - como diz a profecia -/Porém, ficou assustada /Não vi vestígio de nada / - Estava a cova vazia. Naquele instante uma voz/ No momento anunciou  que Jesus estava vivo/ Para o seu povo voltou. E como era registrado/ No grande livro sagrado: - Cristo Rei ressuscitou!"

A arte das gravuras, assinalada por Regina Drozina, é de uma singeleza que se torna, de alguma maneira em um antídoto diante a brutalidade das cenas descritas. "Esse ar singelo encontra, então, seu corolário nas gravuras que acompanha cada cena em seu traço simples e direto, medieval, quase infantil", aponta Ely Veríssimo. 

Natural de Petrolina, Aldy Carvalho além de cordelista é cantador, escritor, contista, compositor e violonista com vários outros livros publicados e CDs lançados. João Gomes de Sá é de Água Branca (AL), diplomado em Letras é professor aposentado e atua ministrando oficinas e palestras sobre literatura além de produzir livros de folhetos na linha do cordel. Xilogravurista, Regina Drozina é de Formosa D'Oeste (PR) e também confecciona bonecos e esculturas em madeira e outros materiais.

O leitor que se interessar em adquirir o livro  'Via Sacra o Caminho da Luz',  pode obtê-lo através do site da editora Nova Alexandria ) www.novaalexandria.com.br/ (11) 2215-6252 e pelo email de Aldy Carvalho (pazinko@gmail.com).

Crítica Literária por: Emanuel Andrade, jornalista e professor do curso de Jornalismo em Multimeios. Trabalhou como Repórter no Jornal do Comércio e foi pioneiro no jornalismo cultural na região, ao assinar a coluna de Literatura e Música  para o Gazzeta do São Francisco na década de 1990 e para rádios do Vale do São Francisco.