Pouco se falou ou escreveu sobre o papel de comunicador que o ex- arcebispo emérito de Olinda e Recife, Dom Helder Camara exerceu dentro e fora da Igreja Católica, desde que assumiu a arquidiocese pernambucana em 1964, poucos dias após o Golpe Militar instalado naquele ano e que perdurou até meados de 1980. Vinte e um anos após sua morte, o papel democrático dos brasileiros e os meios de comunicação tem sido postos em cheque no campo da política. No entanto, se faz necessário uma abordagem sobre seu papel e os aspectos jornalísticos diante da defesa da cidadania plena e os direitos humanos, exercidos pelo religioso nos esquadros da história do século 20, através do programa de rádio "Um Olhar Sobre a Cidade".
Essa abordagem refere-se às crônicas escritas e lidas pelo religioso para o programa radiofônico que foi ao ar de 1974 a 1983, na rádio Olinda, emissora católica, sediada na cidade histórica de Pernambuco. Os textos foram reunidos no livro Meus queridos amigos(Cepe Editora), da jornalista Tereza Rozowykwiat, contemplando uma diversidade de temas atuais, que vão desde política, combate à censura, desemprego, exploração de trabalhadores, pobreza, capitalismo, crise econômica e defesa de avanços que considerava necessários na Igreja e estão sendo pontuados pelo papa Francisco.
Batizado pela imprensa de "bispo vermelho", "santo rebelde" e "comunista de batina", Dom Helder Camara, foi uma das figuras públicas pertencentes a ala progressista da Igreja Católica. Polêmico com precisão e combativo das ações de perseguição, tortura e mortes arquitetadas pelos militares, Helder ainda é lembrando como um personagem presente e polêmico nos arquivos da memória eclesiástica, e da cultura brasileira.
Seus ideais ainda fortalecem a produção de trabalhos acadêmicos, livros, documentários e filmes, até mesmo nos corredores de instituições políticas da atualidade. Aos 22 anos de idade, o jovem Helder Pessoa Camara foi ordenado sacerdote em Fortaleza. Já no Rio de Janeiro desenvolveu algumas de suas principais obras sociais. Fundou a Cruzada São Sebastião, que era destinada a atender favelados, e também o Banco da Providência, que ajudava famílias pobres.
Após escrever um manifesto de apoio à Ação Católica Operária em Recife, foi acusado de demagogia e comunismo, sendo proibido de se manifestar publicamente. Em 1964 assumiu a função de arcebispo emérito de Olinda e Recife. Nunca alterou a serenidade deu seus pensamentos, ao mesmo tempo, que se manteve contundente ao expor suas ideias que agradavam a uns e outros não. O escritor Gilberto Freyre, autor de Casa Grande e Senzala, teria sido um de seus desafetos e costumava dizer: "O temperamento de Dom Hélder não afina com o meu e nem o meu com o dele. Mas realmente não tenho nada de particular, politicamente e nem teologicamente contra ele, embora desejasse que ele fosse mais padre e menos político.
Ainda que politizado e crítico com acidez e doçura, como definia os mais próximos, dizia que não era sua função indicar o regime político ideal, mas que tinha de lembrar aos leigos as exigências éticas de um governo e as exigências cristãs.
Sobre a possibilidade de receber o Prêmio Nobel da Paz, o arcebispo respondera que já havia recebido o Prêmio Popular da Paz entregue em Oslo e Alemanha e desconversava: "Quando o Papa me chamou de irmão dos pobres e de meu irmão, poderia haver prêmio maior? Ora já estou mais que premiado, agora falta a casa do Pai".
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Dom Helder o sorriso generoso, acolhedor. Foto: Acervo Arquidiocese de Olina |
Ainda assim, havia rigorosa censura do SNI e do Dops, que constantemente requisitavam as fitas para exame e ameaçavam fechar a emissora, só quem nem as ameaças o calava. Poucas pessoas souberam usar tão bem os meios de comunicação como Dom Helder Câmara. Por isso foi temido, calado e amordaçado completamente pelos militares no Brasil.
É de fundamental importância para história e memória não só de Pernambuco, mas do país, rever as páginas do período de censura imposta pelos militares. A Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, disponibilizou nos últimos cinco anos, informações registradas no DOPs, sobre o religioso, registrado sob o número 16.906. São anotações pronunciamentos, boletins, escutas telefônicas, recortes de jornais e periódicos catalogados.
Como observa a autora do livro, Tereza Rozowykwiat, "em tempos nublados em que vivemos, as palavras de dom Helder podem ajudar a entender melhor o que se passa ao nosso redor e a repensar situações que às vezes parecem encruzilhadas ou caminhos sem saída. Como ele mesmo dizia: "Quanto mais escura for a noite, mais clara será a madrugada". Em meio a tantas polêmicas, Helder Camara, exerceu a plenitude de seu papel na Igreja Católica e se tornou um comunicador convicto de seu papel na Igreja como intelectual, imparcial, dinâmico e continuadamente contestador ao falar e buscar o bom combate das mazelas não só do Brasil, mas do mundo.
Em tempo: O próximo artigo abordará o conteúdo/contexto de cinco crônicas do arcebispo alinhadas com o presente
Coluna Do Texto ao Texto (Letras e sons) por Emanuel Andrade, jornalista, professor do curso de Jornalismo em Multimeios e Doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou como Repórter no Jornal do Comércio e foi pioneiro no jornalismo cultural na região, ao assinar a coluna de Literatura e Música para o Gazzeta do São Francisco na década de 1990 e para rádios do Vale do São Francisco.