A charge acima descreve com humor os excessos, por assim dizer, das habilidades e competências que espera-se dos docentes na elaboração das aulas para o ensino remoto, provocados ostensivamente pelos muitos convites, convencimentos e incansável insistência do mercado de cursos, para a construção das atividades com o uso das TIC’s (Tecnologias da Informação e Comunicação), como uma tentativa de superação do improviso e melhorias do que se faz. Esta explicação obviamente é uma crítica, pois a interface da educação com a comunicação na transversalidade das tecnologias não é uma demanda nova, entretanto, no contexto atual ganha uma nova dimensão a ser refletida e investigada, quanto a sua presença nos cenários e percursos da formação inicial e continuada de professores, da real contribuição à práxis pedagógica, uma vez que um dos fatos mais evidentes é a dificuldade que os profissionais do campo educacional têm com a interface, assim como os usos efetivos de aparatos tecnológicos e midiáticos no ensino, tencionados pela exigência da EaD como saída a educação na pandemia, que confunde-se com a proposta realizada remotamente, apesar de diversas.
Assim, questiona-se: As reflexões sistematizadas até o momento incorrem num entendimento sobre as metodologias das aulas remotas implementadas? Qual o lugar da ação docente nesse novo formato? Os objetivos dos discursos no campo apresentam soluções aos problemas dos professores, através de cursos online e a apropriação de tecnologias, plataformas e dispositivos? O distanciamento evidenciou que a formação deve direcionar com mais cuidado e pontualidade nas apropriações, qualificando-as quanto aos saberes e conhecimentos necessários aos usos, cujo processo pode ocorrer com mais coerência, compreendendo que sua ‘essência’ não está nos aparatos tecnológicos, mas nos processos de construção de conhecimentos que vislumbram um fazer imbricado com as elaborações do/no/com o mundo, respeitando as sistematizações pontuais de cada área.
Nesse sentido, para compreender entre o ‘essencial e os excessos’, busca-se refletir a inclusão e usos das tecnologias na educação, reconhecendo-a como uma demanda do processo de ensino-aprendizagem, que nas últimas décadas passou de tópico e/ou área necessários aos currículos à opção que pode ser dispensável à docência. Daí a implantação de laboratórios de informática em muitas escolas, a aquisição de dispositivos para ‘potencializar’ as aulas em todos os níveis e segmentos, para em seguida, ir reduzindo paulatinamente em todos os contextos, da graduação à escola, configurando o que temos hoje, de ‘distanciamento’ nas práticas dos currículos.
A priori, é importante destacar que é difícil compreender o lugar na formação e atuação profissional, pois não está definida sequer uma abordagem consensual, facilmente identificado nos diversos estudos publicados ao longo da história, com os termos/conceitos encontrados: instrução programada, tecnologia educacional, tecnologias na educação e como é o caso de proposições mais atuais, a mídia-educação, educação midiática e tecnológica e o desafio posto por alguns grupos relacionados à interface com o campo comunicacional, a educomunicação.
A crítica acima serve para ilustrar que é preciso saber definir nos contextos e currículos, as abordagens que pretende-se promover com a presença das TIC’s e mídias, uma vez que, este não-entendimento, subtende um não-lugar, por isso, o distanciamento literal que percebe-se entre docentes e tecnologias. Assim, uma vez definido o conceito e a abordagem teórico-metodológica, a possibilidade de reconhecimento dos excessos que o mercado quer impor aos professores através de plataformas, que entendidas na superficialidade, subentendem para alguns (para não dizer muitos), a substituição docente. Cuidado e atenção é o que devemos ter neste momento com os estudos necessários dos dispositivos, mídias e tecnologias aliados ao percurso didático-pedagógico.
Nas escolas, ao longo dos anos a obsolescência dos equipamentos que em muitos espaços não têm manutenção, os altos custos dos novos, e, principalmente, as dificuldades de usos pelos docentes, por conta da limitada presença na formação inicial e continuada, como dito acima, nunca chegaram a ser efetivados numa área, o que constitui um dos entraves encontrados nos modos ‘meramente instrumentais do fazer’ de muitas propostas pedagógicas. Ou seja, são vistos como recursos e/ou ferramentas para o ensino de algum conteúdo, quando são mais que isso: são meios, espaços de criações diversas, ampliação à comunicação, entre outras possibilidades, promovendo ainda interação com os desafiantes discursos e mensagens que por estes atravessam, portanto, necessários à reflexão e crítica. Assim, nos deparamos com a insistência permanente nos espaços formativos e profissionais, de que é preciso ‘conhecer mais’ para definir não apenas seus usos, bem como os conceitos, abordagens discursivas e proposições teórico-metodológicas.
Com o prolongamento do distanciamento social nas escolas do Brasil inteiro, é perceptível um movimento diverso antes não percebido: a corrida a cursos na área, experimentações e apropriações nunca realizadas, que fizeram os professores agirem para adequar-se aos ‘novos’ formatos no ensino-aprendizagem remotos, acrescentando possibilidades que pudessem manter o vínculo na distância, estimular o prazer de aprender nos alunos, dar continuidade ao ano letivo, cujas ações instigam a compreensão de que acontece em diferentes intencionalidades e propostas ligadas ao currículo. Para alguns, a tentativa em garantir o máximo possível das etapas de ensino, para outros com mais dificuldades, a repetição de atividades que não seguem a sequência das aprendizagens propostas ao segmento, vislumbrando com quase exclusividade, manter as relações dos estudantes com a escola. Desta forma, muitos desenhos didáticos são elaborados e é preciso conhecê-los para propor alternativas na superação dos entraves que dificultam as formações.
Nessa realidade surge do mercado inúmeras propostas de cursos direcionados aos professores, com o intuito em ‘solucionar seus problemas` com o novo formato de ensino. Nesse sentido, o presente texto aproxima-se do tema, refletindo as fragilidades e objetivos de algumas destas sugestões online. Principalmente por prometerem que a apropriação melhorará o desempenho dos docentes, bem como, aulas mais ‘criativas e interativas’, muitos dos quais são realizados numa perspectiva meramente maquínica que pouco consideram a formação docente em sua complexidade. Alguns exemplos: Professores 4.0, formações que prometem licenciaturas em EaD aligeiradas, “Seja um um tutor de EaD”, educação empreendedora (professor e/ou empresário?), tecnologias educacionais, ferramentas digitais para uma nova didática, tecnologias emergentes na educação, ensino remoto + ensino a distância + metodologias ativas e assim seguem. Estes termos são apenas alguns encontrados nas redes sociais e internet. O destaque aqui são para os modos como aparecem, das promessas que fazem, e mesmo não intencional, a provocação de que os professores (nós) precisam conhecer para interpretar, incluir, refutar, refazer, ressignificar a partir do campo educacional, pois o que é mais curioso é que muitos não têm a presença de pedagogos, inclusive um dos chamariz é de que qualquer profissional pode ser professor, aqui de fato temos um problema, o de reafirmação do campo, entretanto, somente se ‘visto’ a partir da própria práxis.
Entendemos que as tecnologias imbricam-se à educação e juntas propõem possibilidades que são oportunas, quando bem utilizadas, portanto, não poderiam ser ignoradas pelas escolas e graduações dos licenciados. A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - um dos documentos de referência à educação básica -, considera a relevância em “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”, como habilidade para demandas da vida cotidiana.
Apesar disso, ainda existe resistências no contexto didático-pedagógico com as linguagens digitais que acabam por não serem consideradas no processo formativo. Podemos enumerar alguns exemplos do uso de tecnologias na sala de aula: sugerir uma apresentação oral com a produção de um slide, que possua imagem e texto, a roteirização de um podcast, a produção de um vídeo-documentário, oficina de fotografias, um jornal, entre tantos que nos cercam. Porém, salientamos que não são estas que promovem a inovação, mas o processo de construção, reflexão e de elaboração criativa de pensar com cuidado e investigação dos percursos que as torna diversas na práxis pedagógica, ou seja, a abordagem que as sustentam. São as pessoas que promovem a inovação e a criação, e se estiverem aliadas a dispositivos e avanços da própria humanidade, conhecendo-os, ressignificando-os, ganham sentido. Assim, além da expoência da oralidade e produção, vamos direcionando um entendimento crítico e ético nas/das práticas com os alunos, sugerindo que façam parte das práticas docentes.
Nesse processo, as empresas aparecem como ‘alternativas’ para ‘mudar’ o que acontecia em sala de aula presencialmente, tornando-a digital e por que não dizer virtual, uma possibilidade que pode ‘vir a ser’, entretanto, o processo é mais complexo do que isso e o entendimento de utilização das tecnologias na educação pode ser esvaziado, ao invés de potencializar para as mudanças esperadas.
Estamos diante de um“novo normal” que agora nos obriga a buscar conhecer o mundo das tecnologias, pois seu uso foi compreendido como um dos poucos meios, imprescindível à vida de todas as pessoas, afinal nesse momento a internet nos conecta ao mundo, de maneira a enxergar os‘links’como ‘janelas’,como também ouvir e expressar opiniões em diversos grupos. Mas estar conectado basta? O que se esconde por traz da rede que muitas vezes causa insegurança, dúvidas, discursos enviesados, medo e pânico nas pessoas? A pandemia deixará como legado a compreensão sobre sua relevância para formação e possibilidade de um ensino híbrido? A resposta ainda não temos. Sua presença atual está relacionada a uma situação de risco trazida por um vírus que abalou as estruturas da humanidade e revelar ‘muito’ do que estava escondido por traz de uma cortina de medo e espera, exigindo qualificações e tempo para sistematizar o vivido e vislumbrar o futuro.
Se associarmos essa situação com o mito da caverna de Platão, estamos todos nas nossas cavernas (isolamento social), vendo as coisas acontecerem pelas sombras, sendo bombardeados por notícias a todo o momento e, ao mesmo tempo, com medo de puxar as cortinas, ou até mesmo atarefados demais com coisas que não são de nossa alçada, enquanto buscamos quase ‘isolados’ compreender a arte de aprender ‘tudo’ sobre tecnologia em meio ao caos. Aprender a ser ‘ator’, ver-se atrás de uma tela, o que nunca antes havia sido pensado na educação infantil, por exemplo. Tudo isso é difícil, pois estávamos acostumados a ‘outra normalidade’ no trato com as tecnologias e mídias, pode-se afirmar. É muito discurso para falar do óbvio, o que alguns podem definir como ‘quase nada’,como no ensino remoto visto por muitos “que se pede muito e não se ensina quase nada”. O fato que se institui é aprender a lidar com as tecnologias através das sombras, o que nos mostra o quanto é defasado todo o sistema educacional, porque ao invés de preparar o professor para o ‘futuro tecnológico da profissão’,repete-se o que já tem, como a convocação a reuniões nas quais designa-se tarefas de acordo com a situação e cada um que busque a seu modo aprender,cujas bases não foram construídas na formação inicial, sem apoio ou preparo com formadores que possuem conhecimentos sobre aárea.
Não estamos a falar de um ‘ensino instrumental’, do aluno que entra numa sala virtual e vai realizando as tarefas que lhe são ‘ordenadas’ na tela, mas sim, um ensino que favoreça a docência e a autonomia através das possibilidades e proposições disponíveis. Se na educação presencial era necessário um entendimento interdisciplinar e transdisciplinaridade para conhecer as inter-relações do “todo” que nos envolve, no remoto temos que vislumbrar e propor os mesmos princípios, a diferença é que tudo será feito mais pelo aluno, com o acompanhamento, orientações e ensino ‘a distância’.
Importante considerar as adaptações e mudanças feitas até agora, acompanhar, avaliar e propor alternativas mais significativas (a construir), pois, em uma sociedade desigual como a nossa,para muitos a única fonte de acesso às informações é através de dispositivos de celular, WhatsApp, televisão e internet. Para muitos, a escola é o lugar privilegiado de desvelamento dos discursos com os quais interagem, mas como fazê-lo, se tampouco os professores tiveram acesso durante suas formações? O que vivemos até a presente data foi montar salas com computadores e chamá-las de laboratórios de informática, e no início enquanto todas as máquinas ainda funcionavam, as crianças iam uma vez por semana (realidade de muitas escolas), sobre as quais o professor que não foi preparado para um uso diverso daquele proposto ou ainda, das criações que hoje (re)inventam.
Os usos das tecnologias a favor da educação requer muito mais que um ‘quadrado com computadores’,é preciso redesenhar o cenário e as interações de cada um na sociedade, para que funcionem melhor do que temos feito, principalmente das TIC’s e mídias por uma educação mais crítica, reflexiva, democrática e eficiente às aprendizagens que precisamos construir para o exercício da cidadania. É preciso ressignificar a formação docente, compreendendo e superando os limites das tecnologias como instrumento, mas sim, meio de acessos e democratização. Para tanto propomos:
Adriana Campanha é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br.
Edilane Teles é Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Coordenadora do Observatório de Educação Midiática e Tecnológica na formação docente. E-mail: edilaneteles@hotmail.com
Fabiana Nascimento é Graduanda de Pedagogia, Departamento de Ciências Humanas, Campus III, Universidade do Estado da Bahia. Licenciatura em Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Pernambuco (UPE). Monitora do Observatório de Educação Midiática e Tecnológica na formação docente. E-mail: fabiologica6@gmail.com
Autor da Charge: João Marcos Parreira Mendonça é mestre em Artes pela Escola de Belas Artes e atua como professor no curso de Design e Arquitetura da Universidade Valedo RioDoce ( Univale)
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