"Um
jornal a favor do contra". "Quem tem jornal tem medo". "Um
jornal moleque e sem limites". "Irreverente, único e abusado".
Sig que o diga. Mas quem é Sig? Um ratinho desenhado pelo cartunista e
jornalista Jaguar. O roedor interagia com as matérias e com os colaboradores do
jornal que completou meio século de história em 2019. Já deu para perceber que
o assunto deste texto é o semanário e icônico jornal O Pasquim - o maior
fenômeno editorial da imprensa brasileira que saiu de cena na década de 1980,
mas que foi o suficiente para triturar os militares, provocar prisões de seus
integrantes e perseguir personalidades que falaram demais em suas páginas.
Durante sua trajetória de
sucesso para além das bancas de revistas, o Brasil vivia sob uma ditadura
civil-militar e só restava às frentes progressistas resistir. O Pasquim foi
fundado por Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Carlos Prosperi, Claudius e Jaguar
que a cada edição apimentavam em reportagens , entrevistas e artigos. Sua
"patota" fez o veículo sob o terror da repressão resistir bravamente
com um estilo irreverente e bem-humorado.
Não seria coincidência banal
olhar pro presente e entender que o jornalismo sempre entra na fumaça da
perseguição em tempos sombrios. Tudo começou na estrada estreita do risco, em
1968, quando a ideia do jornal estava na cabeça de seus pensantes aos
goles de cerveja. Em junho de 1967, o primeiro número chegou às bancas
justo quando os generais haviam anunciado o AI-5 e a censura mirava seu canhão
nas redações do país, com mais rigor contra quem desobedecesse as ordens do
regime.
Ano passado - 2019 - uma
das unidades do Sesc de São Paulo, emplacou a exposição comemorativa - “O
Pasquim 50 anos” que levou ao público reproduções das edições impressas
do jornal carioca. Apesar da precariedade das tecnologias de impressão à época
em que o jornal circulou, se produzia um veículo graficamente inovador e fora
do convencional. O Pasquim formou, no dia a dia , um escola de
profissionais que se tornaram escritores de grande expressão humorística. Ali,
se produziam reportagens e artigos comportamentais, que tratavam abertamente de
temas como política, repressão, sexo, alcoolismo, drogas, religião, corrupção
e até divórcio, tema ainda polêmico e delicado.
Os leitores, digamos, mais
"afinados" com as ideias de seus repórteres e colaboradores, ficavam
deslumbrados com as longas entrevistas que ganhavam a principal chamada de capa
com direito a foto única das personalidades que passavam pela inquisição de
seus jornalistas. Pelas páginas em preto e branco passaram políticos,
escritores, atores, cantores, jogadores, padres, pais de santo. Os
gravadores de sua equipe fizeram abrir a boca nomes como Leila Diniz, Maria
Bethânia, Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Pelé,
Garrincha, entre outros, inclusive estrangeiros que aportaram no Brasil como o
teatrólogo polonês Zgibniew Ziembinsk e o escritor americano James Baldwin.
Com maestria, o Pasquim sabia
usar das figuras de linguagens para driblar a censura, ainda assim não perdia
as brechas metafóricas para chicotear as barbaridades cometidas pelos
militares. Em 1970, um episódio que marcou sua história, foi a prisão de seus integrantes
em uma das tentativas dos militares acabarem com o jornal. Onze integrantes do
semanário foram presos. O motivo da detenção teria sido uma brincadeira. Na 71ª
edição, o quadro "Independência ou Morte", de Pedro Américo,
apresentado entre os conteúdos daquele número, ganhou um balão sobre a cabeça
de Dom Pedro 1º que dizia: "Eu quero mocotó! ".
Não se podia dizer na verdade o
que aconteceu com a equipe. Daí o acontecimento ficou conhecido como
Gripe do Pasquim. O saldo em meio ao clima sombrio por longos anos: censura
prévia, atentados a bomba e edições apreendidas. Do começo ao fim de sua
caminhada, foi um jornal militante, ou seja, uma pedra nas botas dos generais.
Sempre se impunha no ataque contra a repressão, os preconceitos, a exploração
econômica, a violência, a degradação das cidades e pontuava o discurso a favor
das liberdades democráticas, da justiça social, por um mundo não desigual.
A “patota”, como ficou
conhecido os donos do jornal, contou com a colaboração de personalidades da
cultura como Millôr Fernandes, Ziraldo, Chico Buarque, Ivan Lessa, Paulo
Francis, Vinícius de Moraes, Glauber Rocha, Odete Lara, Sérgio Augusto, Henfil,
Fortuna, Cacá Diegues, Miguel Paiva, Carlos Leonam, entre tantos outros. O
jornal teve mais de quatro mil colaboradores ao longo dos 22 anos em que
circulou.
Para Fernando Coelho dos
Santos, um dos curadores da exposição, "a seleção dos trabalhos que
compõem a exposição propõe um olhar na trajetória desse periódico de humor
através da história dos costumes e da política brasileira, tendo como
protagonistas autores geniais que, mesmo nas dificuldades, mantiveram o jornal
rodando."
O semanário também serviu de
palco para o lançamento de alguns cantores/compositores já conhecidos e os que
tateavam por espaço na mídia. Assim, nasceu o projeto "O Som do
Pasquim" em que se trazia discos de vinil lançados ao longo da história do
jornal. Exemplos: A primeira gravação de Águas de Março, de Tom Jobim, produção
que lançou João Bosco no lado B; Caetano Veloso lançando Fagner; Jorge Bem e
Trio Mocotó com participação de Leila Diniz. Ainda teve o LP Anedotas do
Pasquim com piadas contadas por Ziraldo, Chico Anisio, Golias e Zé Vasconcelos.
A linha do tempo do jornal que
foi sucesso nas bancas, chegando a ter edições esgotadas em poucas horas, teve
vida seguiu até 1991, ano da última publicação do periódico, já sem o mesmo
vigor de seu auge no ápice do governo militar. Uma de suas máximas Entre as
máximas estavam As Máximas do Pasquim, coletânea era "Na terra de
cego quem lê Pasquim é rei".
O religioso mais combativo
desde a tomada do poder pelos generais - o arcebispo e Olinda e Recife, Dom
Helder Camara que assumira a arquidiocese de Olinda e Recife, ganhou uma das
capas do Pasquim, com uma entrevista que causou terremoto nos corredores de
Brasília, sobretudo na mesa dos militares. Não demorou nada para
terminantemente, o "Profeta da Paz", como era chamado, ter seu
nome proibido de ser citado na imprensa nacional.
Os jornalistas não
perdiam o fio da meada do que acontecia em todos os horizontes do país sob
censura. Assuntos como a sustentabilidade, anistia e as Diretas Já ganhavam
fôlego. Sua história já ganhou teses, documentários, antologia de edições em
livros, alinhadas pelas lentes do passado que de alguma forma servem para
provocar reflexões sobre o presente. A maior parte das edições estão
digitalizadas e disponíveis no portal de periódicos da Biblioteca Nacional - a
Hemeroteca Digital Brasileira -, a plataforma integra um acervo de mais de
7.000 mil títulos históricos em formato digital.
O Pasquim nasceu em Ipanema,
bairro carioca que era super balado no Brasil e no mundo, mas acabou mexendo o
Brasil de Norte a Sul, do Leste a Oeste. Havia um selo no alto da página
observando que era "recomendável para maiores de 16 anos". Em uma das
capas estamparam que "O Essencial é invisível aos olhos", de St.
Exupéry. Salve o Pasquim, um capítulo essencial e necessário da história da
imprensa brasileira.Por. Coluna Do Texto ao Texto (Letras e sons) por Emanuel Andrade, jornalista, professor do curso de Jornalismo em Multimeios e Doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou como Repórter no Jornal do Comércio e foi pioneiro no jornalismo cultural na região, ao assinar a coluna de Literatura e Música para o Gazzeta do São Francisco na década de 1990 e para rádios do Vale do São Francisco.
Fotos: Exposição 50 anos de O Pasquim, com curadoria do SESC/São Paulo, em 2019.