O dia estava
frio, como de costume nessa época do ano em Carnaíba do Sertão, e fazia um
vento forte quando me encontrei com Margarida Benevides em sua casa. Tive o
privilégio de ter um encontro presencial em tempos de isolamento social - apesar
das duas máscaras que usei e de nossa distância física para proteger a jovem
senhora - e pude perceber o quanto
Margarida faz jus ao seu nome de flor: ela é uma amante da natureza, sua casa é
bastante florida e cheia de plantas, abriga seus animais de estimação e acolhe
quem a procura para uma boa prosa. Comunicadora, Margarida tem o dom da palavra.
Durante
nosso encontro conduzido pelo canto dos pássaros e pelo som das folhas, e
algumas vezes, pelo barulho dos carros e caminhões, ela fazia pausas para
admirar seu gatinho e a natureza ao nosso redor. Vestida com uma calça tipo
moletom, blusão e meias nos pés, para proteger-se dos 23º graus, passava as
mãos pelos cabelos lisos e grisalhos e mostrava autoconfiança ao relatar sua
trajetória pessoal e profissional. De como ela, formada em magistério e
graduada em administração, professora de nível infantil e superior,
tornou-se a radialista Margarida Benevides.
Juazeirense,
ficou conhecida por apresentar o programa Quando nasce uma Esperança na
Rádio Juazeiro, que além de ser um produto jornalístico, foi também a voz dos
pobres de todo o vale do São Francisco por mais de três décadas. Ela acompanhou
de perto todo o processo de desenvolvimento e de legalização da Rádio Juazeiro,
assim como a ascensão da radiodifusão e do jornalismo empresarial na região.
Além disso, foi a incentivadora da carreira de muitos jornalistas e
radialistas, por isso é referência também para a nova geração da comunicação
sanfranciscana.
Inicialmente,
ela atuava somente na gerência da rádio e relembra que, na década de 1980, não entendia nada, pensava que era só ligar um botão e falar. Mas, ao passar
do tempo, ela se identificava com a administração, também aprendia e
conhecia sobre rádio.
- Nunca tinha
feito locução e minha primeira tentativa em fazer algo fora da gerência foi um
anúncio que dizia assim: atenção Zé Bundão, um profissional tirava aquilo de
letra, mas eu caí na gargalhada.
Tudo mudou após
Margarida ter tido a intuição - um chamado – para lançar o programa Quando
nasce uma Esperança e ajudar as pessoas mais necessitadas. Assim fez, escreveu
o programa e levou ao diretor Osvaldo Benevides que lhe deu o maior apoio. O
objetivo era criar nos ouvintes o sentimento de partilha, caridade e de
generosidade.
- Deu certo!
Passamos por três gerações, e na primeira geração as mães, as avós colocavam
suas crianças para ouvir o programa porque eles poderiam ganhar alguma coisa,
brinquedos ou material escolar. Mas outros, foram crescendo, ouvindo e
gostando. Nós passamos pelas crianças, pelos jovens, pelas mulheres, pelos
moradores de rua, pelos alcoólicos, viciados em drogas, e em cada passagem deixamos
um pouco de nossa presença. Hoje, depois de 37 anos, encontro pessoas nas
ruas que falam, eu sou o que eu sou hoje, tenho meus valores morais e
religiosos, porque minha avó me colocava para ouvir o programa.
Margarida
foi apresentadora até meados de 2020. Hoje, com 75 anos, está aposentada e vive
em um processo de autoconhecimento pessoal e solitude. Ela fala sobre a falta que o programa lhe faz, com o olhar distante e reflexivo, refere-se a esse
episódio como uma perda irreparável. Dá para perceber o quanto o assunto é
delicado, uma interrupção abrupta, uma sangria.
- Eu não
queria parar, mas tive que parar. Para isso, precisei de uma preparação
espiritual muito grande.
Serviço
Público
Além da
educação e da comunicação, Margarida Benevides teve participações no serviço
público. Em 2019, foi diretora na Secretária de Saúde no município de Juazeiro, mas devido a um problema na visão foi submetida a uma cirurgia e pediu exoneração do cargo.
Já em 2020 esteve a frente de outra secretária, da qual ela enche a boca para
falar: a Secretária de Desenvolvimento, Ação Social, Diversidade e Mulher.
- Na
secretária de Ação Social, eu me apaixonei. Me encantei com as crianças, teve
um caso de um jovem lindo que é homossexual e o pai colocou de casa para fora,
nós o acolhemos e fizemos acompanhamento psicológico com ele e com o pai. Os Crás
são lindos, eles tinham atendimento e acolhimento para as crianças de rua,
moradores de rua, mulheres... Conheci cada pessoa linda, artistas. Tudo que eu
podia arranjar eu arranjava para eles.
Margarida
fala com carinho de tantas ações que a secretaria realizou quando esteve à
frente, mas que foram trabalhos mínimos, porque a pandemia ceceou quase todo o trabalho.
Apesar desse
encantamento, ela também se decepcionou bastante, pois muitas pessoas que estão
no serviço público não têm o desejo de justiça, não exercem o cargo por amor. Não querem ajudar as pessoas com
a mesma proporção que os recursos públicos permitiriam.
Há algum
tempo, foi convidada várias vezes para ser vereadora a até mesmo
prefeita da cidade de Juazeiro, contudo a política nunca fez parte dos seus
sonhos. Ela diz que, na rádio, já se sentia realizada, pois a comunicação tem
esse poder de fazer qualquer tipo de serviço social. Para ela, a rádio é uma
Câmera de Vereadores.
Desaceleramento
e cura interior
Mãe de quatro
filhos, ela vive uma nova fase em sua vida: precisa desacelerar e se reconhece
como idosa. “Não velha”, exclama. Margarida tem um novo projeto - fruto de
outro chamado intuitivo - que lhe proporciona geração de renda e lhe auxilia no
processo de cura interior. Cheia de expectativas e sorridente, fala que pretende
montar uma barraca de artesanato, com objetos confeccionados
por ela. Feitos de materiais recicláveis e produtos tirado da natureza como
sementes e vargem. A barraca também tem o intuito de evangelizar os caminhoneiros.
E conta com alegria que está sonhando com esta realização.
Com muita
empolgação, mostrou-me com o artesanato e os que ainda estão em
construção que ficam guardado em quarto bem espaçoso. Caminhamos mais um pouco e
ela me apresentou seu escritório, uma sala com uma decoração impecável e móveis
rústicos, cheia de fotografias de sua família. Cada foto, é uma história que
ela conta.
Na fotografia em que ela está no meio dos
pais, ela relembra o legado e se emociona a falar da herança e dos valores
que cada um a deixou. São onze irmãos, nove já falecidos, todos de câncer,
assim como os pais dela. Entre eles, está uma irmã que foi freira que faleceu e
Osvaldo Benevides, o irmão com quem tinha uma ligação muito forte.
Ao falar de
Osvaldo, que além de ser seu irmão, era o dono da Rádio Juazeiro, ela também relembra
a relação afetuosa que tiveram e da saudade que sente.
- Osvaldo era
um verdadeiro radiodifusor, era o cão, batalhador. Construiu uma história linda
com a Rádio Juazeiro, não tinha um tostão e comprou aquela rádio. Ela chiava
para a Piranga e era ouvida na Rua do Apolo. Ai um belo dia, chega a fiscalização
e diz que essa rádio não existe. Basta lhe dizer que ele a legalizou e
potencializou a rádio, teve dois pré-infartos e duas úlceras rompidas e não
desistiu.
Fala de seu
irmão com admiração e chora com as lembranças. Percebo que nosso encontro já é
mais que suficiente para conhecer a flor da rádio sertaneja, que é Margarida
Benevides. Despeço-me com o carinho de ouvinte que fui, e, como filha de
Carnaíba do Sertão, de coração assim como ela. Ao novo projeto de Margarida,
que ele traga bons frutos, como foi o Quando
Nasce uma Esperança.
Perfil jornalístico escrito por Taís Ciqueira para Agência Multiciência.