A saga de Danilo Rodrigues pela memória dos vaqueiros

Multiciência 12 julho 2021


Danilo Rodrigues da Silva, 35 anos, conta que, quando criança, costumava brincar com os utensílios de gado, montaria, talheres e moedas antigas que o seu avô guardava dentro de um baú, na Fazenda Bandeira, a 15 quilômetros de Santa Rosa de Lima, distrito de Jaguarari, na Bahia.

- Foram objetos que me chamaram a atenção e naturalmente eu comecei a brincar com essas coisas. E meu avô sempre me chamava atenção para ter cuidado, para guardar, para não jogar fora, por que eram dos pais dele.

Abençoado pela santa peruana, padroeira do distrito, o menino passou a guardar todos os objetos antigos que encontrava pela frente. Até que aos 11 anos, o colégio em que o garoto estudava foi convidado para montar um espaço que contasse a história do lugarejo em uma mostra cultural no aniversário de emancipação política do município. Era tudo que Danilo precisava para exibir as peças que guardava.

Moedas antigas

Empolgado, o moleque saiu em busca de mais objetos que pudessem ser exibidos na amostra. Aquele momento foi mágico para Danilo: “Um divisor de águas”. A cada visita que era realizada no espaço da amostra, o garoto alimentava o sonho de buscar artefatos antigos para a sua coleção.

A saga do menino não parava por aí. Montado a cavalo, Danilo percorreu mais de 80 fazendas na expectativa de encontrar peças históricas. Hoje, são mais de duas décadas dedicadas a salvar esses valores materiais que remontam a história e a memória de um povo através do Museu do Vaqueiro, em Santa Rosa de Lima.

            HISTÓRIA DO DISTRITO

O povoado passou a ser conhecido como Santa Rosa graças a um padre que seguia em romaria pela região e, ao saber que o local ainda não tinha nome, o batizou em homenagem à santa peruana.

No passado, o arraial servia como ponto de parada entre tropeiros e marchantes que saíam de Vila Nova da Rainha, atual Senhor do Bonfim, para comercializar a carne de bode em Uauá, na Bahia.

O vilarejo foi crescendo quando as famílias e os vaqueiros da região passaram a perceber a importância do local e o rico comércio com a venda da carne de bode, dando início à tradicional Feira do Bode e reduzindo em léguas a distância dos marchantes até Uauá.

O distrito está localizado em um ponto estratégico da caatinga. Por apresentar grandes reservatórios naturais, conhecidos como caldeirões de pedra, com animais da fauna nordestina que favorecerem a caça, e a presença dos ouricurizeiros e umbuzeiros, formaram um ambiente favorável para a habitação humana no local.

 O arraial se tornou povoado e, por volta de 1924, iniciaram a construção de uma capela e um morador encomendou uma imagem da Santa Rosa de Lima, que chegou no dia 30 de agosto de 1926. E de lá para cá sempre acontece o novenário dedicado à santa durante a semana que antecede essa data histórica, relata Danilo.

            TRAJETÓRIA

Após passar uma temporada em São Paulo, Danilo deixou a metrópole em 2010 para retornar à Santa Rosa de Lima após receber um convite da recém-criada Associação dos Vaqueiros para fazer parte dela. Danilo sabia que aquele retorno à sua terra era um chamado para dar continuidade ao seu trabalho. O rapaz apresentou o seu projeto à comunidade, e em troca recebeu dos moradores o apoio que precisava através das doações de móveis, documentos, fotografias e outros artefatos para contribuir com o acervo.

Hoje, o adulto com alma de menino, conta que enfim recebeu o reconhecimento merecido pelo distrito, mas não se esquece dos momentos em que sofreu preconceito ainda na adolescência por seguir buscando relíquias que ajudassem a contar a história do seu povo, que chegaram a questionar a saúde mental do jovem.

Na minha ingenuidade, sentia essa sagacidade de conseguir esses objetos antigos, mas comecei a perceber como estava sendo algo de chacota, de muitas críticas.  Em alguns momentos, não sabia lidar com aquela situação e me deprimia, me entristecia e me recolhia. E a única forma que eu encontrava de sair daquele estado de tristeza momentânea era voltar a essas fazendas, ter contato com essas pessoas, era ouvir as histórias deles e perceber toda a importância que possui o nosso povo sertanejo e quantas histórias e memórias nós temos para serem contadas e salvaguardadas.

Peças do acervo

Pelo desejo de contar a história de sua origem, Danilo saiu do distrito em 2015, e foi até Petrolina realizar um sonho. O rapaz pisou pela primeira vez na Universidade de Pernambuco (UPE) para cursar História, e agora comemora a conclusão da graduação. “Ter contato com a teoria, ter contato com tantas fontes, que já tratavam desses assuntos como antropologia, arqueologia, história... Foi algo a me agregar, me veio como uma luva. Estar na sua comunidade desenvolvendo um trabalho museológico e de repente você está dentro de uma universidade fazendo uma faculdade de história, é algo gratificante,” exalta Danilo.

            O MUSEU

Aos poucos, o sonho de Danilo ganhava forma, mas o jovem não esperava a luta que viria a traçar pela frente para manter viva a história dos vaqueiros e do distrito através do seu acervo. “Fizemos um ofício solicitando a doação do prédio à Câmara Municipal, e a partir desse momento foi uma luta constante para convencer os gestores municipais sobre a importância dessa luta. Nós conseguimos a doação por parte do poder público, e foi criada uma lei sancionada pelo prefeito na época, e assim nós tomamos posse definitivamente do prédio. Agora, funciona o museu.” relata Danilo.

O antigo Mercado Municipal, espaço cedido pela prefeitura para abrigar as peças do museu.

O prédio do qual o historiador se refere já abrigou o antigo Mercado Municipal do distrito e foi fechado, após a Vigilância Sanitária declarar o local inapropriado para a venda de produtos. Através da Lei Nº 868/2013 de 10 de dezembro de 2013, o prédio foi concedido para a Associação dos Vaqueiros por um prazo de 30 anos, cabendo prorrogação da concessão. De lá para cá, Danilo procura mostrar ao poder público a importância da cultura do vaqueiro e da região através do museu. Agora, o local passa por uma reforma para melhorar a estrutura do espaço que já se encontra desgastada ou deteriorada pela ação do tempo. O historiador conseguiu arrecadar verbas de empresas privadas e de pessoas que se surpreenderam com o projeto, recebendo em troca doações para a conclusão da obra.

 Com o olhar historiador, mas sem o aparato técnico de uma equipe, Danilo enxerga que as duas mil peças que fazem parte do acervo, número suposto por ele, ajudam a contar a história da região.

Peças do acervo

- No museu encontra-se objetos mais antigos que vão desde fósseis pré-históricos encontrados aqui em Santa Rosa, temos um acervo arqueológico, tem algumas peças e artefatos que possivelmente pertenceram à algumas civilizações que moraram ou passaram algum tempo aqui na nossa região, material bélico, material documental, material sacro e iconográfico, e imobiliário. No caso do material paleontológico e arqueológico, nós ainda não temos nenhum tipo de fundamentação teórica e científica sobre a temporalidade. No caso dos fósseis, sobre quais tempos esses animais povoaram aqui por Santa Rosa e quais animais foram esses, assim como utensílios arqueológicos. E comparando a outros que já tenham feito essas pesquisas, são machadinhas possivelmente do Período Neolítico, mas são fundamentações que ainda não são comprovadas - conta o historiador.

Danilo, agora com a graduação concluída, espera conseguir lutar ainda mais pelo seu sonho, de manter a tradição dos vaqueiros do distrito através do museu.

 

Para conhecer mais sobre Danilo Rodrigues e o Museu Do Vaqueiro, acesse o instagram @danilorodrigues7802 ou @museudovaqueiro_


Perfil Jornalístico escrito por Otávio Duarte, para a Agência Multiciência.

E-mail: otavioduarte.jornalismo@outlook.com