Paulo Freire e Dom José Rodrigues Acervo Diocese de Juazeiro |
Em uma dessas visitas do educador, em 1983, Marta Luz, filósofa, pedagoga e a principal radialista da Rádio Juazeiro entrevistou Paulo Freire, no programa Juazeiro Panorama de grande audiência na cidade. Marta Luz até hoje é lembrada por comunicadores, professores e comunidade juazeirense pelos programas “E nós para onde vamos?”, que tinha a participação de intelectuais da época, “Luz, Mulher” e “Pagão,”, entre outros.
Neste ano que marca o centenário de nascimento de Paulo Freire, Marta relembra que a entrevista com o educador foi um momento muito significativo na cidade e recebeu acolhida da população. “A entrevista foi adorável, sem tensões, no recíproco estar à vontade, as perguntas fluíam e as respostas eram um verdadeiro banho de cultura dado pelo patrono da educação brasileira. A rádio Juazeiro teve uma audiência fechada durante a entrevista”, conta Marta Luz.
Não era a primeira vez que Marta se encontrava frente a frente com Paulo. Em 1962, ela fez um curso promovido por ele na Faculdade de Filosofia do Recife, e foi extremamente enriquecedor para a sua vida profissional no exercício do magistério por nove anos na cidade de Petrolina-PE.
Então, realizar a entrevista com o educador por intermédio do Dom José Rodrigues, foi um momento luminoso na trajetória como radialista e professora, como relembra com entusiasmo:
- Fui no carro buscá-lo para Rádio Juazeiro e ele disse: ‘O Dom José falou que você é gente boa, politizada, que gosta muito de poesia e declama muito bem, isso é verdade?’. Bem, eu gosto muito de poesia’, respondi.
- Recita pra mim?, ele disse.
- Recito sim, vou recitar uma poesia de um poeta pernambucano muito querido para mim: Manuel Bandeira, respondi.
- Eu também gosto muito do Manuel Bandeira.
Marta Luz Arquivo Pessoal |
Impressões sobre a Entrevista
A entrevista foi um diálogo, com informações sobre a vida de Paulo Freire no exílio no Chile e como produziu o livro Pedagogia do Oprimido, cuja obra foi traduzida em 17 idiomas, e que retrata o método de alfabetização de jovens e adultos, a partir da experiência inovadora em Angicos, Rio Grande do Norte, quando alfabetizou 300 camponeses em 40 dias. Sobre o método, Paulo confidenciou que se referia a uma certa compreensão do processo educativo, especialmente prática transformadora. “A prática que eu defendo é o da liberdade do educando, é o da liberdade do educador. É do respeito que o educador deve se impor a si mesmo, o respeito ao educando para que ele também se possa respeitar, no sentido que o educando se vá construindo como gente em lugar de ir se reprimindo e virando coisa. A educação deveria ser exatamente isso, uma prática, uma experiência de criação e recriação da própria vida”.
Marta relembra a capacidade de Paulo Freire em responder perguntas complexas sobre a realidade brasileira com simpatia e espontaneidade. “Ele era imensamente simpático e comunicativo, o rico conteúdo pedagógico, a vivência de quem estudava, o respeito pelo ser humano, a interação com a vida, a injustíssima experiência dele ter sido exilado. Particularmente, destaco a crítica ao autoritarismo em si, e no processo da educação, quando ele mostra claramente que o autoritarismo é a destruição de tudo que pretenda ser ato de ensinar e educar’.
Na entrevista, Paulo demonstra que não cabe autoritarismo nas relações entre professor e educando. “Eu te ajudo como educador e tu como educando para que tu se faça e refaça. Ao ajudar que tu te refaças, tu me ajuda a que eu me refaça também. Esse aspecto acho fundamental de como eu entendo a educação”, esclareceu Paulo.
Capacidade de dialogar
A professora do Departamento de Ciências Humanas (UNEB), Francisca de Sá, também compartilhou da convivência com Paulo Freire nessas visitas a Juazeiro, participando dos encontros de formação. "Participei de diversos encontros com Paulo Freire na década de 1980 e 1990, o que ajudou na minha vida pessoal e profissional. Ampliei a minha visão de mundo, minha consciência política e de classe", relembra.
Francisca de Sá e Paulo Freire Acervo Diocese de Juazeiro |
Entre os anos de 1996 e 1997, já como professora do curso de Pedagogia, ministrou cursos de alfabetização para comunidades ribeirinhas deslocadas de seu território pela construção da barragem de Itaparica, em Petrolândia (PE), através de um trabalho desenvolvido pela Pastoral dos Reassentados da Barragem de Itaparica, promovido pelas Dioceses de Juazeiro, Paulo Afonso, Petrolina e Floresta. Participaram 740 jovens e adultos, e 470 pessoas foram alfabetizadas. Francisca também promoveu cursos de alfabetização de jovens e adultos na UNEB, campus Juazeiro, ao longo de sua trajetória como professora. Admiradora do método de Paulo Freire, pela pessoa e a sua obra, Francisca relembra que, nos encontros com o educador, se destacavam as suas atitudes marcadas pela "amorosidade, humildade, simplicidade, capacidade de escutar e dialogar". Paulo Freire "nunca fazia palestra, ele dialogava com as pessoas nos encontros", ressalta Francisca de Sá.
Para o professor e pesquisador Francisco Assis da Silva a presença de Paulo Freire junto com Dom José foi essencial para o fortalecimento da educação popular de Juazeiro. Dom José Rodrigues fundou um acervo bibliográfico sob orientação de Paulo Freire, que conta com 30 mil volumes, uma rica biblioteca com livros de autores nacionais, internacionais e regionais, atualmente localizada na biblioteca da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus Juazeiro.
Muitas instituições se inspiraram na parceria do bispo com Paulo Freire, devido a sua maestria na educação da cidade. O curso de Pedagogia da Uneb, campus Juazeiro, tinha habilitação em Educação de Jovens e Adultos, e participou ao longo dos anos de programa de formação para qualificar profissionais e estudantes para combater os índices de analfabetismo na região Norte.
Para Francisco, através desses desdobramentos de educação popular, “Paulo Freire e Dom José Rodrigues em Juazeiro acabaram sendo precursores da educomunicação no Vale do São Francisco”. O pesquisador destaca ainda a criação da Pastoral da Comunicação que incentivou uma política de comunicação popular em oito municípios da região. Para Francisco, o legado do patrono da educação brasileira para a cidade ainda é muito presente na formação de educadores e de movimentos populares.
A entrevista de Marta Luz com Paulo Freire também é um desses legados, como memória presente na cidade. O educador se despediu da população de Juazeiro, deixando uma mensagem de esperança: “termino agradecendo pessoalmente ao próprio momento desta conversa que tu me ofereceste. Ao fazer esse agradecimento, diria aos meus colegas e as minhas colegas, professores e professoras dessa área que a emissora cobre, professoras primárias, professoras leigas, professoras que não passaram pela escola normal, não importa, minhas colegas e meus colegas educadores, eu deixo aqui um grande abraço, mas um abraço não formal, um abraço de esperança, em que, apesar de tudo e quando nada seja favorável ter esperança, que a gente, portanto, continue a ter", diz Paulo Freire a Marta Luz.
Grupo de Formação Acervo Diocese de Juazeiro |