O Protagonismo Jovem na cena Hip-Hop do Vale do São Francisco

Multiciência 21 dezembro 2023

A batalha de rima é uma modalidade importante da cultura Hip hop, comum em metrópoles, como as cidades de São Paulo e o Rio de Janeiro, de onde saem Mc’s famosos e premiados. Elas são responsáveis por descobrir talentos musicais, como o rapper Leandro Roque de Oliveira, um “filho” das batalhas de rima, que, diante de sua invencibilidade, se consagrou nesse meio, onde adotou o nome de EMICIDA. O artista é hoje considerado um dos rappers mais influentes do país e um dos maiores MCs de batalha do Brasil, tornando-se influência para vários jovens que sonham em ser MC’s. 

Através da música “rinha”, o rapper Emicida coloca para fora o sentimento vivenciado pelos Mc’s de batalha ao descrever o que acontece nesses espaços, a emoção dos artistas ao ouvir o beat do DJ e a vibração da plateia. “Sente o grave batendo com o coração, família, levanta a mão pra honrar o compromisso, como eu vou dizer que o hip-hop morreu, vendo isso”

É assim que os  MC’s se sentem e consideram a batalha de rima um espaço sagrado e até preferem pisar neste solo descalços, como uma espécie de reverência. 

No Nordeste, também há espaço e talento para essa manifestação cultural. Na cidade de Juazeiro, no Vale do São Francisco, nasce a Batalha da Lagoa, que vem se expandindo e completou recentemente um ano de sua criação, reunindo no mês de setembro MCs famosos da cidade de São Paulo, como também o vencedor do duelo de MCs nacional, em 2019, o nordestino de Juazeiro do Norte, MCharles.


A BATALHA DA LAGOA

Iariel Gomes, organizador da Batalha Da Lagoa, conta que a iniciativa de criar a batalha surgiu após perceber que havia uma pausa nas batalhas de rima na cidade. A Batalha da Lagoa ganha esse nome porque as batalhas aconteciam no parque Lagoa de Calú, conhecido e frequentado na cidade de Juazeiro, no Norte da Bahia.

Após um ano de fundação, Iariel percebeu mudanças na cena do hip-hop do vale do São Francisco, como principal, o surgimento de outras batalhas na cidade, acredita que mais de cinco batalhas estejam acontecendo no vale do São Francisco.

Além disso, ele enxerga na iniciativa uma oportunidade de encaminhar jovens através da arte, tanto os Mc’s,  quanto o público que frequenta os duelos. 

O produtor aponta questões relacionadas ao acolhimento entre esses jovens. “É uma irmandade, uma família”. Ele vem percebendo a cada edição um aprimoramento no talento desses Mc’s que são jovens e adolescentes empenhados, artistas que aguardam um futuro retorno financeiro desse movimento.

Nessa caminhada  de descoberta de talentos por meio da arte da cultura hip-hop também há dificuldades, principalmente para a manutenção do projeto e formação de público. Sem apoio financeiro, patrocínio ou apoio de órgãos do poder público, Iariel conta que esse trabalho é realizado com recursos próprios.


TALENTOS EM ASCENSÃO 

Com o advento das tecnologias e das plataformas digitais, as batalhas se tornam cada vez mais acessadas nas redes sociais, tornando os MCs astros que acumulam seguidores e visualizações, além da oportunidade de receber premiações nas competições através de patrocínios de empresas.

Osama MC é um rapper de 21 anos que conheceu as batalhas de rima através de Emicida e enxergou nele uma inspiração. Natural de Senhor do Bonfim e residente de Juazeiro (Bahia), começou sua trajetória em 2016,  rimando em grupos de WhatsApp e em sua cidade natal, lá foi ganhando notoriedade e começou a ir duelar em outras cidades.


Foto: Laíse Ribeiro.

Nessa caminhada, o artista aponta que também encontra dificuldades e as principais são a falta de apoio financeiro e a discriminação, ainda recorrente no segmento artístico.

O rapper acredita que esse movimento é muito importante para a cultura local e ainda para o protagonismo dos jovens da cidade, pois valoriza a cultura e possibilita novas vivências para esses jovens e crianças.

Talento em ascensão, Vitu Mc acumula títulos e vitórias em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e alguns outros estados. Começou a batalhar em 2016, em Vitória de Santo Antão, município pernambucano e sua cidade natal, lugar que ainda não vivenciava a cultura hip-hop através das batalhas. Em 2018, após vários duelos, Vitú começa a viajar para duelar na capital, Recife e lá se torna vencedor estadual nesse mesmo ano.

O artista encontra referenciais de talento e inspiração em Rapadura e Don L,  nordestinos que ganharam sucesso e notoriedade através da rima e que representam o Nordeste quando se trata desse movimento cultural. Como um jovem nordestino, ele acredita que apesar das dificuldades enfrentadas, é possível fazer hip-hop no Nordeste.

Vitú aposta no poder da movimentação cultural que está acontecendo na cidade através da Batalha Da Lagoa, com a vinda de artistas de outros estados que dão visibilidade a cena do Vale do São Francisco. A partir desse pensamento, o artista aponta que esse movimento deve receber uma maior visibilidade e atenção, principalmente do poder público, “porque isso só fortalece e aumenta o patrimônio cultural da cidade”.


“Uma roda de gente e uma caixinha de som”. É assim que Moab, jovem de 18 anos e público assíduo da Batalha da Lagoa relembra como aconteciam os primeiros duelos. O jovem percebe mudanças nesse cenário, pois agora já é possível a presença de artistas de outros estados do Brasil. Considera importante essa arte e seu desenvolvimento na cidade, principalmente para os jovens e crianças que se inspiram nos Mc’s e que sonham em ser futuros artistas, tendo agora um espaço para isso em sua cidade.



Foto: Produção da Batalha da Lagoa.

"Um sonho, uma cultura, um ideal, um amor

Um sonho, uma conquista, eu peço nesse louvor"

Assim como neste verso de "rinha", música que descreve esse movimento, talvez essa seja a prece de todos os mc's que saem para batalhar em busca de se sentir pertencentes, jovens com sede e fome de vencer, que encontram nesse espaço de duelo sua fonte de conhecimento, vivência e protagonismo.


Por Laíse Ribeiro, estudante de Jornalismo em Multimeios.