Yoga e juventude: Benefícios da prática de yoga na vida de jovens do Vale do São Francisco

Multiciência 27 abril 2024

A vivência em sociedade apresenta um ritmo acelerado. O dia a dia repleto de tarefas, demandas e informações gera um padrão comportamental no qual as pessoas se desconectam de si. Na juventude, esse processo pode ser sentido e encarado de diversas formas, podendo causar quadros de ansiedade e outros problemas de saúde. Uma das alternativas encontradas pelos jovens de Juazeiro e Petrolina é o yoga, que busca uma união entre o corpo, mente e mundo.

Com uma origem indiana e milenar, o yoga expandiu-se por todo o globo e pode ser vivenciado por pessoas de todas as idades. Em Petrolina (PE), Ulisses Abílio acorda cedo todo domingo para dar aula de yoga às nove horas da manhã. Um compromisso que ele decidiu abraçar com o projeto Meditavale, que disponibiliza de maneira gratuita as práticas no parque municipal da cidade.

Músico, jornalista, praticante e instrutor de yoga, Ulisses, aos seus 25 anos, conta que nasceu em Petrolina, mas durante um bom tempo morou em Maceió e em Recife, que foi onde  iniciou os estudos sobre yoga e o curso de formação para poder atuar na área. A princípio, ele recorda que buscou a yoga para amenizar sintomas de ansiedade, depois de ter sido aconselhado por uma amiga a fazer isso e ter sido presenteado com o livro “Yoga para nervosos”, de José Hermógenes. O presente foi de um colega de trabalho, quando atuava como jornalista na edição de uma emissora de Rádio e Tv.

Ulisses relata que começou, praticando yoga uma vez por semana, depois quinzenalmente, até que se tornou um hábito diário. Ele identificou que os benefícios dessa atividade iam muito além da redução da ansiedade e fazia mais sentido realizar os exercícios para o resto da vida. “A gente faz um monte de posturas que é para ter um corpo forte e saudável para sentar e meditar”, afirma.


Ulisses, praticante de yoga. Foto: Juliana Pereira.

Além disso, Ulisses declara que o yoga cuida da saúde em todos os aspectos, pois ajuda a regularizar a pressão arterial, o metabolismo, o sono, o estresse, a ansiedade, dores no corpo e a trabalhar as musculaturas. “O yoga te proporciona conhecimento para cuidar do seu próprio corpo”. O instrutor considera que é comum, atualmente, viver no automático e não reparar os sinais que o corpo manifesta, então o yoga serve como um lembrete para essa observação.

Ulisses também pontua que o yoga deveria ser ensinado nas escolas, tendo em vista que com o avançar da idade vai-se perdendo cognição, portanto trabalhar o yoga numa fase avançada pode ser mais difícil e por isso o ideal é adotar o hábito ainda jovem. No entanto, também entende como algo desafiador a ser feito, posto que o estilo de vida da sociedade atual convida a geração mais nova para outra direção. “É uma ferramenta super válida pra hoje, pra o nosso agora, pra quem a gente é hoje. O mundo não pede silêncio, mas o yoga silencia.”


Música e corporeidade

Algo presente em muitas práticas de yoga é a música que, segundo Guilherme Ferreira, 21 anos, traz emoção. Após discutir sobre jovens e cultura no III Fórum Nacional Sesc Juventude e falar um pouco sobre sua atuação numa ONG que faz a salvaguarda das músicas tradicionais acrianas, o ativista cultural afirma que cada som tem um significado e isso é sentido na alma, no corpo. Ele destaca que é possível compreender a tática de usar esse aparato nos espaços dessa atividade corporal.

Outro ponto do yoga é o entendimento sobre corporeidade associada a autonomia e autoconhecimento. A estudante de licenciatura em teatro Rafaela Brito Correia, 25 anos, afirma que, ao falar sobre esse tema, gosta da palavra “autonomia”, principalmente quando pensa no seu processo de transição de gênero. Criada em uma igreja evangélica, na qual o papel masculino era o único apresentado, relata que “não tinha autonomia de explorar o meu próprio corpo e nem sabia que existia essa possibilidade”. Foi no teatro, nas artes e na expressão corporal, onde encontrou essa liberdade.


Prática de yoga ao ar livre. Foto: Juliana Pereira.

Educação em contexto

A pedagoga, mestra em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, e instrutora de Tantra Yoga, Jaqueline Aquino, 29 anos, também compartilha um despertar proporcionado pela prática corporal. Ao conhecer o Corpoética, projeto de pesquisa e extensão coordenado por José Santana Borges, no Departamento de Ciências Humanas (DCH – III), na UNEB, sediado em Juazeiro (BA), conta que descobriu no yoga a ferramenta que buscava enquanto educadora. Sempre questionava o que era preciso adotar na sala de aula para se ter um lugar de educação integral, onde não há apenas disciplinas, mas também o desenvolvimento de corpos aprendendo a se movimentar e a se respeitar. Ao conhecer o yoga e a proposta do projeto teve clareza sobre o que precisava para tornar-se uma educadora completa.

Sentada no pequeno sofá da copa do prédio administrativo do DCH III, Jaqueline se descreve enquanto “apaixonada por yoga como uma forma de educação integral”. Além disso, não deixa de notar que há um estranhamento quando práticas como o yoga são incluídas no processo de formação do indivíduo porque “os corpos são silenciados na educação”.

Ao se recordar com um brilho no olhar sobre seu primeiro contato com essa prática corporal, Jaqueline volta aos seus vinte anos, quando estava trabalhando na brinquedoteca do departamento da UNEB e percebeu uma movimentação na sala ao lado. João José dava uma aula enquanto ela achava curioso o fato de ter várias sandálias do lado de fora do espaço onde diversas pessoas faziam posturas desconhecidas para seu nível de compreensão. No mesmo dia, decidiu perguntar para o professor se poderia participar e, em um tom nostálgico, narra: “João me abre um sorriso e me recebe completamente bem, sem nunca ter me visto. E aí eu já começo a entender o que é o yoga. Essa união com as pessoas, independente do que elas sejam, se são amigas ou não. Na semana seguinte, eu já tô lá”.

Com os olhos marejados de emoção, Jaqueline adiciona que, no mesmo período, optou por parar um tratamento medicamentoso muito forte contra a fibromialgia, doença que afeta o sistema musculoesquelético e o tecido conjuntivo resultando em dores corporais. Tal diagnóstico, de acordo com a medicina tradicional, não tem cura, mas após parar de tomar os vários remédios diários e agarrar-se ao yoga, Jaqueline não se queixa mais de tantas dores no corpo. 

Antes de falar a respeito dos benefícios do yoga para a saúde, a instrutora expressa que "yoga quer dizer 'união', então não é uma parte solta do universo, é união, em todo o seu corpo, consigo mesma. Nós não somos seres separados, não somos partes separadas, tá conectado. Estamos todos conectados, o tempo todo, com os outros seres e com nós mesmos”. Jaqueline explica que, em algumas das práticas, como a dança Kaoshikii do tântrica yoga, onde toca-se com o dedo hálux, ‘o dedão do pé’, no chão e massageia-se a glândula pineal, há uma conexão, pois ao mesmo tempo que se está massageando o pé acontece um processo de reflexologia, tratando assim o corpo físico, o emocional e trabalhando a concentração da pessoa.


Exercício ajuda na saúde física e mental. Foto: Juliana Pereira.

Jaqueline observa que algumas pessoas iniciam com dificuldade de coordenação motora, mas com o tempo isso diminui, tendo em vista que aos poucos há um trabalho de "educação do corpo". Isso acontece também porque, com a tomada de consciência sobre si e seu corpo, o indivíduo para de pensar no corpo como partes e sim como uno, justifica. 

Jaqueline declara que, na atualidade, há vários estudos a respeito das contribuições do yoga à saúde, porém estes não excluem a possibilidade de novas conclusões, pois cada praticante do yoga terá uma experiência diferente baseado em vivências anteriores e nas memórias que estão sendo produzidas.

Jamili Helena dos Santos, 16 anos, estudante do primeiro ano do Ensino Médio de um dos colégios estaduais de Juazeiro, relata que o yoga se fez presente na sua vida por meio da escola. Divulgaram sobre as aulas e a jovem se interessou, pois era algo novo que poderia contribuir no seu dia a dia. Hoje, Helena percebe que o yoga a ajuda a conectá-la consigo mesma e a se acalmar. Geralmente, quando se percebe ansiosa, puxa na memória alguma posição, realiza a asana e se sente melhor logo em seguida, conta.

O professor do Departamento de ciências humanas (DCH – III), coordenador de pesquisa do projeto Corpoética e docente do mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), João José Santana Borges conta que a yoga surgiu na vida dele desde a adolescência, encantado pela meditação e pelas práticas voltadas para a vida espiritual. “A yoga me trouxe uma oportunidade única de poder me concentrar, de poder estar mais atento ao meu propósito de vida, e a partir disso eu fui desenvolvendo a minha prática”, discorre.

Ao lembrar que acordava bem cedo para pegar dois ônibus para chegar a Itapuã, João José se orgulha ao contar que fazia isso para praticar yoga e voltar para casa. Tomou essa rotina durante toda a sua graduação, conseguindo força interior, muita disciplina e vontade de viver, de acordo com suas palavras. Com isso, destaca o equilíbrio das dimensões, física, emocional, vital, mental, psíquica, causal e espiritual, que precisam ser cuidadas, pois isso traz uma autoconsciência, uma percepção de si, uma capacidade de auto-organização interna que repercute na saúde.


“As práticas de yoga contam com os asanas, uma das dimensões dessa atividade, que são as posturas físicas, elas trabalham muito as glândulas endócrinas e isso permite que haja um equilíbrio dessas glândulas, dos hormônios que faz com que nossa mente funcione”, diz. Esse processo, segundo João José, “se traduz em uma grande capacidade de equanimidade, de equilíbrio físico, psíquico e emocional”. Por consequência disso, o indivíduo vai criando mais consciência de si, afirma o professor.

João José também acredita que o yoga é crucial para os jovens, tidos como aqueles que estão entre os 15 aos 24 anos de idade. “O yoga possibilita que o jovem tenha mais coragem de aceitar sua singularidade e expressá-la para o mundo”. Ser quem se é com coragem, vontade, verdade, alegria, amor-próprio, continua. Para ele, a grande mensagem do yoga é de você se ver, se reconhecer como um sujeito portador de direitos, como à livre expressão e à felicidade.

Participar da união entre movimento e pessoas melhora o bem-estar e expressa sentimentos e pensamentos. Foto: Juliana Pereira.


Ao refletir sobre a importância de projetos que democratizam a yoga no vale do São Francisco, João José diz que é muito relevante, tendo em perspectiva que durante muito tempo, mesmo no seu país de origem, a Índia, o yoga é uma prática muito elitizada, assim como no Brasil. Portanto, argumenta que quando se tem projetos como o Corpoética, em que as universidades entendem os benefícios de uma prática integrativa e complementar de cuidado com a saúde e contribuem para a difusão dessa prática, é muito significativo pois, nas palavras do docente, “se trata de uma política pública e se trata de uma revolução porque permite que as pessoas tenham acesso a algo que geralmente é cobrado”.

Cassia Silva, 22 anos, estudante de arquitetura e urbanismo, relata que já tinha interesse em começar a praticar yoga, mas via como algo inacessível. Foi então que optou por pesquisar e se informou que na UNEB há a realização de práticas gratuitas e abertas à comunidade. De uma forma tranquila, conta que confia que o yoga ajuda na postura, na flexibilidade, a manter a calma e tranquilidade porque conta com exercícios de respiração. Adiciona também que, devido à pressão e ao estresse vivenciados por estudantes, a yoga pode ajudar os jovens a focar mais nos estudos, mediante o desenvolvimento de melhores níveis de concentração, foco e disciplina, adquiridos com a adoção desse hábito. 

Graduando em Fisioterapia e estudante de Jornalismo em Multimeios, Jóston Oliveira, 21 anos, afirma ter conhecido essa modalidade por causa da sua formação em fisioterapia. No entanto, foi no curso de jornalismo, nos espaços da UNEB, que ouviu falar sobre o projeto Corpoética, se aprofundou a respeito da temática e observou que o yoga permite “colocar o corpo em homeostase, o equilíbrio de todos os sistemas”.


Conviver e respeitar a natureza e as diferenças entre pessoas são base da yoga. Foto: Juliana Pereira.


Jóston também enxerga o yoga como uma ferramenta relevante para pessoas que estão expostas a situações de opressão, preconceito e violência. Abordando as dificuldades sofridas pela população LGBTQIAPN+ no território do Vale do São Francisco, sinaliza que, ao prezar por respeito, fraternidade, gratidão, autonhecimento, senso coletivo e outros princípios, o yoga tem um papel acolhedor e definitivo para trazer perspectivas melhores para grupos identitários. “O yoga vem com esse papel de reflexão social”, afirma Jóston, acrescentando que a prática ajuda na construção de uma convivência em harmonia com a sociedade e a natureza.

Jóston expõe que o momento do yoga é quando seu corpo aproveita para aliviar as tensões da semana, possibilitando desenvolver as atividades acadêmicas e cotidianas com mais concentração, capacidade de reflexão e facilidade para escrita a partir de uma pausa para respirar.