Semana de Integração: palestrantes discutem formas de combater o assédio no ambiente universitário

Multiciência 14 março 2024
No Dia Internacional da Mulher, data em que busca-se destacar a importância de lutar pela garantia dos direitos das mulheres, celebrar conquistas e lutar contra todo tipo de violência, o Centro Acadêmico Glória Maria (Cacos) do curso de Jornalismo em Multimeios promoveu na Semana de Integração do Departamento de Ciências Humanas mesa-redonda para discutir a temática do assédio na universidade. As discussões foram centradas em como identificar os tipos de assédio,formas de combater, conhecer canais de denúncia e buscar ajuda, além de entender os impactos na comunidade LGBTQIAPN+, não somente mulheres cis hetero. 

Representantes de órgãos públicos municipais, do ambiente acadêmico e pesquisadores(as) discutiram os impactos do assédio em suas diversas formas, destacando questões relacionadas à saúde mental, contexto histórico de opressões patriarcais, interseccionalidades, ações jurídicas de denúncia e processos diante de situações de assédio. Foi discutida ainda sobre a assistência oferecida pelo poder público de Juazeiro e Petrolina, como as ações do Conselho Municipal de Defesa dos direitos das pessoas LGBTQIAPN+ e da Delegacia da Mulher. 


FOTO: Aylla Bomfim


Milenna Silva, estudante de Ciências Sociais (Univasf) e poetisa, abordou o contexto histórico relacionado ao assedio ao período da colonização, regime de escravidão e construção da nacionalidade brasileira, apontando que as mulheres negras foram e são quem mais sofrem com as opressões, de diversas formas. Segundo Milena, o regime escravocrata e seus impactos fizeram com que a mulher negra fosse vista como a última “classe” na hierarquia social, abaixo até mesmo dos homens negros, e isso se mantém atualmente, através das estruturas sociais. Para ela, isso tem justificado a cultura da violência contra a mulher, sobretudo a cultura do estupro e do assédio. Questões relacionadas à criação masculina, levando os homens a adotarem condutas e práticas de dominação em relação às mulheres e seus corpos, também ajudam a explicar a reiteração de práticas de assédio.

Autora do livro “Racismo de memória “, do projeto Tessituras Literárias, Milena considera que é necessário que, para além da prevenção e do combate, a universidade lute para a decolonização do saber, rompendo as estruturas machistas e atuando nos imaginários sociais, por meio da criação de novas epistemologias de conhecimento e leitura de pesquisadoras antirracistas e feministas, como Rita Segatto e Angela Davis.

“É necessário, para além do combate e denúncia ao assédio, entender aparelhos que nos oprimem, como surgiram e se mantêm, e ir nas raízes dos problemas. Devemos construir nossas epistemologias de ruptura, e romper a lógica. Isso parte também da presença de homens em espaços como este”, explica.


Da esquerda para direita, Milenna Silva e Rayanne Moraes. FOTO: Ana Clara Silva


Legislação 

Rayanne Moraes, advogada especialista em advocacia feminista e direitos das mulheres, abordou assuntos jurídicos referentes ao assédio, de aspectos que às vezes não se tem conhecimento, e os casos acabam sendo negligenciados e não são levados para a esfera jurídica. Rayanne diferenciou os tipos de assédio, destacando o moral do sexual, o qual pode evoluir para outros mais graves, como o estupro. 

Ela conta que é muito importante a construção de provas, que se dá através da gravação de vídeos, de fotos, mensagens, bilhetes, laudos médicos e psicológicos. “Infelizmente, somente a palavra da vítima não é validada como prova, por isso a importância de indícios que houve o assédio. Essa é uma das muitas questões que a Justiça brasileira precisa melhorar”, esclarece Rayanne. 

Quanto às providências a serem tomadas em caso de assédio, ela aborda a possibilidade da vítima procurar o Ministério Público, destacando que não há a necessidade de advogado para isso. Recomendou ainda a leitura de informativos como a “Cartilha sobre Assédio Sexual no Trabalho: perguntas e respostas”, organizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que objetiva orientar mulheres cis e não cis a combater e denunciar o assédio sexual nos espaços de trabalho. 

Rayanne apontou, ainda, a importância da criação de instrumentos preventivos e combativos, e de resistir. “É preciso pensar em instrumentos para mudar as coisas, bem como ocupar os espaços e pressionar, buscando a segurança das mulheres, a nossa segurança”, alerta. 

Assédio contra a população LGBTQIAPN+ 

O representante do Conselho Municipal para a população LGBTQIAPN+, que integra a Secretaria de Desenvolvimento Social, Mulher e Diversidade, Andrey Anthonny, trouxe esclarecimento sobre a política de assistência oferecida pelo órgão à população, chamadas minorias como as mulheres e pessoas LGBTQIAPN+, as quais mais são vítimas de assédio. 

Ele destaca que a Secretaria desenvolve ações em parceria com programas sociais, como o Bolsa Família, com universidades,atuando com as pessoas que enquadram como baixa renda, “a fim de garantir direitos que historicamente foram e são negados”. 

Apontou a importância de alguns serviços que a Secretaria oferece, como o Ambulatório Trans, que resolve trâmites necessários e encaminha para o processo de transexualização, além do atendimento psicossocial gratuito. Ele entende que o Conselho busca ser uma rede de proteção às mulheres (cis e trans) e LGBTQIAPN+, porém não atua juridiciamente, mas com encaminhamentos dos casos para atender os direitos. 

Para que o assédio não continue sendo realidade, ele diz que a prevenção é o melhor caminho, mas que uma vez acontecendo, se deve denunciar. “Não se pode deixar passar, porque a civilidade inclui o respeito. É preciso que todos/as/es sejam civilizados e respeitem uns aos outros. A melhor política que podemos fazer é a prevenção, em todos os níveis. A denúncia se faz quando a prevenção deu “errado”.

Morgana Oliveira. FOTO: Juliana Pereira



Psicóloga clínica, travesti, pesquisadora em Saúde Mental Morgana Oliveira, diz que é importante pensar as questões que envolvem o assédio às pessoas LGBTQIAPN + sobretudo, também como herança do patriarcado que fundou a sociedade brasileira, e não somente a opressão com as mulheres. “Desde muito bom cedo, os homens são ensinados a serem abusivos, compulsivos sexuais, são ensinados a querer o sexo a qualquer custo. Por isso, eles precisam ser reeducados”, afirma. 

Ela aponta que a LGBTfobia parte de complexidades e marcadores sociais diversos, e que a hipersexualização a que corpos trans são expostos e muitas vezes se colocam, por questões de sobrevivência, serve à estrutura que os desumaniza, excluindo suas identidades e fazendo com que os assédios sejam uma prática sigilosa. “A pessoa às vezes nem se dá conta de que foi assediada”. 

A psicóloga, que pesquisa saúde mental, políticas públicas e marcadores sociais (identidade de gênero, raça, classe e outros), alerta para a necessidade de se respeitar os limites, mesmo que a pessoa esteja em situações complicadas. “Por mais vulnerabilidade social que a pessoa esteja, os limites devem ser impostos e não ultrapassados”. 

Para saber mais sobre as instituições que recebem denúncias e acolhem pessoas, seguem informações.

CEPPSI - Centro de Práticas e Estudos em Psicologia, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) que oferece atendimento psicológico gratuito, em Petrolina. Link: https://portais.univasf.edu.br/ceppsi 

Ouvidoria da Uneb - atendimento é de segunda à sexta, das 08h às 17h. Contato: (71) 3117-2438 Link: https://ouvidoria.uneb.br/index.php/estrutura-administrativa/ 

Conselho Municipal de Promoção dos Direitos da População LGBTQIAPN+ de Juazeiro, BA - funciona na Secretaria de Desenvolvimento Social Mulher e Diversidade, das 8h às 14h. Contato: 74 3612-3050

Por Ana Beatriz Menezes, estudante de Jornalismo em Multimeios.