Victor Victória - O concurso transformista pioneiro em Juazeiro agora é patrimônio imaterial da cidade baiana

Multiciência 25 setembro 2024

Criado no ano de 1991 por Geraldo Pontes, o Concurso de Beleza e o Teatro de Revista Victor Victória se torna, após mais de 20 anos de representatividade, patrimônio imaterial da cidade de Juazeiro da Bahia. O evento, realizado anualmente desde os anos 90, tem como proposta principal promover os artistas locais e dar margem para o aparecimento de novas personalidades, sobretudo, aquelas que fazem parte da comunidade LGBTQIAP+ do Vale do São Francisco.


Popularizado nos anos 60, o teatro de revista é marcado por suas apresentações humorísticas e abundância de acessórios nas vestimentas. Desse gênero teatral saíram as vedetes, atrizes como Dercy Gonçalves e Carmen Miranda. Inspirado nessa categoria artística, Geraldo Pontes tenta anualmente através do concurso resgatar esse gênero e proporcionar espaço para novas personalidades ao ressuscitar uma herança antiga do teatro clássico de revista.


Para Geraldo, o Victor Victória é uma realização pessoal. Ele conta que, com o apoio de amigos que até hoje são colaboradores do evento, é que se torna possível transformar a ambição em realidade. 


Iniciado pouco tempo após o fim da ditadura militar, o teatro que também é concurso de beleza já contou com várias personalidades transformistas do Brasil, como Isabelita dos patins, além de artistas como Elke Maravilha, Rogéria e Jane Di Castro, sendo as duas últimas notórias representatividades trans e travesti no mundo do teatro brasileiro.


Arquivo pessoal: Elke Maravilha e Geraldo Pontes, 1999



“Quando eu conquistei o título de Miss Bahia gay em 1982, cursei a faculdade de licenciatura em dança na UFBA, e quando voltei no final dos anos 80 foi que montamos o primeiro concurso transformista da região, o concurso Victor Victória”, conta Geraldo.

Arquivo pessoal: Jane Di Castro, Geraldo Pontes e Isabelita Dos Patins, 1997

Apesar de levantar, principalmente, a bandeira artística, o evento abraçou também o discurso político que procura enaltecer a classe LGBT. “Não se falava em diversidade, não se falava em políticas públicas LGBTQIAP+, então, tudo era assim, não tínhamos apoio de ninguém [...] tudo era muito difícil mas ainda assim as pessoas assistiam, prestigiavam o espetáculo”.


Concurso Victor Victória, 2016

Para além da ajuda dos amigos, Pontes também relata que outra figura importante foi sua mãe, Palmira Pontes. “Eu fui um artista à frente do meu tempo e tive uma mãe à frente do tempo dela. Minha mãe bordava as fantasias, meus vestidos e me acompanhava, tinha orgulho e participava aqui em casa quando tinha as atrações [...] ela comentava que gostava muito e abraçou, né? me acolheu. Talvez fosse mais difícil se eu não tivesse tido apoio da mãe da família e, consequentemente, da sociedade.”


Arquivo Pessoal: Geraldo Pontes e Rogéria, 1995


Ao ser questionado sobre os maiores obstáculos atuais na realização do concurso, Pontes conta das dificuldades em se conectar com o público mais novo, com a nova geração. Para Ágatha Sofhia, que já concorreu mais de uma vez ao concurso de beleza, “a nossa região de Juazeiro e Petrolina tem deixado de prestigiar os trabalhos artísticos, sejam eles o Victor Victória, sejam os espetáculos teatrais, de dança… a nossa região tem deixado muito a desejar no  prestígio aos artistas da região”.



Agatha Sofia


Espaço potente para empoderar a arte transformista no Vale, o concurso também conta ao longo dos anos com jurados de diferentes gêneros, raça ou idade. Em 2019, o ativista transgênero Eduardo Rocha foi convidado para contribuir como jurado do concurso. Ele relata que “a tarefa de ser jurado é muito difícil, porque são potências ali na sua frente sabe? não tem como mensurar o valor que é a resistência ali, porque não é fácil.”

Eduardo Rocha

Durante a entrevista, Eduardo também expressa sua admiração pelo trabalho de Pontes com o evento. “Esse movimento que Geraldo faz é de acolhimento, e eu acredito nele de todo coração. Penso que a comunidade como um todo, não só LGBT, mas a comunidade heterossexual deveria valorizar aquele espaço porque ele faz um movimento completamente contrário a opressão, a exclusão [...] faz um movimento que acolhe na alma.”


Sobre os desafios para manter o espetáculo, o ex-jurado ressalta a perseverança de Pontes. “Dá para ver a resistência, mesmo cansado, Geraldo insiste. Ele sabe que é a missão dele, é isso que eu sinto. Sabe que é o papel dele e ele reconhece a importância, a mudança na vida das pessoas e da sociedade que ele trouxe através desse evento é inegável”.


Enquanto resistência e agora também enquanto patrimônio imaterial da cidade de Juazeiro da Bahia, o Teatro de Revista e Concurso de Beleza Victor Victória permanecerá ocorrendo todos os anos no terceiro sábado de Maio, passando agora a fazer parte do calendário oficial da cidade, após a aprovação do Projeto de Lei de autoria do vereador Dionísio Gomes. A previsão para o ano que vem é que se tenha uma em comemoração aos 25 anos de edição. Texto por Maria Eduarda Moret, estudante de Jornalismo em Multimeios e colaboradora do MultiCiência.