Elas dominam o pódio: o reconhecimento do trabalho jornalístico desenvolvido pelas estudantes da Uneb em Juazeiro

MultiCiência 18 setembro 2025
A presença feminina no jornalismo em multimeios, do Departamento de Ciências Humanas - DCHIII da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, em Juazeiro-BA, não é novidade em termos de reconhecimento, a universidade já coleciona prêmios e conquistas. O que chama a atenção é que, por trás dessas vitórias, desponta majoritariamente a força de mulheres que transformam pesquisa, prática laboratorial e compromisso social em narrativas premiadas. Cada título conquistado reforça não apenas talentos individuais, mas a potência coletiva que sustenta o jornalismo feito no território e a partir dele.

Ruana Mirele é o resultado da dedicação à pesquisa científica
Foto: arquivo pessoal
Premiada em Pesquisa em Comunicação pela no 48º Congresso Brasileiro de Ciências a Comunicação, promovido pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação - Intercom, com o trabalho de conclusão de curso “Deepfakes: uma discussão sobre temporalidade e acontecimento nas eleições brasileiras de 2022”, orientado pelo professor Cecílio Bastos, Ruana Mirele dos Santos consolidou-se como jornalista e uma jovem pesquisadora que alia inovação metodológica e relevância social. A conquista, segundo ela, foi marcada por emoção e gratidão.

Mais que um reconhecimento individual, o prêmio representa a celebração coletiva de uma trajetória construída na escola pública, fortalecida na universidade pública e sustentada pelo incentivo de uma família que acredita na educação. “Simboliza a validação de um trabalho, mas também a comemoração de todas as pessoas que contribuíram para que eu desenvolvesse um carinho enorme pela ciência e pela pesquisa”, conta Santos.

Sua escolha pelo tema surgiu de inquietações sobre tecnologia e jornalismo, amadurecidas ao longo de experiências em projetos de pesquisa e extensão da universidade. A partir de um contato com estudos sobre deepfakes, técnica que permite alterar um vídeo ou foto com ajuda de inteligência artificial (IA), a curiosidade virou problema de investigação: como essa tecnologia interfere no debate público e nos processos democráticos? Com apoio do orientador, das provocações metodológicas de professores e do diálogo com grupos de pesquisa como o DataLab que discute a temática, Ruana construiu uma análise inovadora que a projetou nacionalmente.

Para a pesquisadora, pensar deepfakes não é demonizar a tecnologia, mas problematizar seus usos. “Vivemos um momento em que a democracia exige atenção renovada e crítica. Minha intenção foi propor uma reflexão fundamentada, revelando aspectos muitas vezes invisíveis, mas que podem fragilizar o debate público e gerar desequilíbrios no cenário eleitoral”, explica.

O professor Cecílio Bastos reforça que o trabalho se destaca por unir criatividade metodológica e originalidade temática, dialogando com urgências do nosso tempo. Para ele, o prêmio reconhece também a força da pesquisa coletiva, fruto do intercâmbio entre o Laboratório de Narrativas e Linguagens Comunicacionais (LabnCom) e o Datalab Design. “Ruana aproveitou cada pilar da universidade, ensino, pesquisa e extensão, ela construiu um trabalho de excelência”, destaca o orientador.

Amanda Rodrigues reforça a importância de pautar o seu povo e o seu território
Foto: Meiwa Magalhães
Vencedora nacional da Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação - Expocom 2025, na categoria ‘Roteiro de Documentário’, a universitária Amanda Rodrigues trouxe para o centro da narrativa jornalística o semiárido baiano e seus modos de vida, com o projeto “Dentro do Meu Interior: A história de quem escolheu ficar”, orientado pela professora Carla Paiva. O roteiro nasceu de uma inquietação pessoal, marcada pela história de sua tia que, contrariando expectativas familiares e sociais, decidiu retornar ao distrito do Junco, no Salitre, em Juazeiro (BA).

A decisão, vista por muitos como retrocesso, despertou em Amanda o questionamento: por que a zona rural, chamada por muitos de “interior”, ainda é associada à falta e à carência? A partir de questionamentos sobre o tema, a estudante construiu uma proposta de narrativa, que ecoa as vozes dos moradores locais e reflete sobre a permanência no território citado como escolha política e afetiva. Ao receber o prêmio, Amanda destacou que a conquista representa um aprendizado sobre acreditar nos próprios processos criativos.
“Foi uma sensação de alegria e de confirmação de que precisamos confiar mais no que fazemos. A professora Carla sempre acreditou muito nesse roteiro, até em momentos em que eu mesma duvidava”, pontuou. Para ela, o reconhecimento nacional amplia a visibilidade de histórias que raramente chegam às telas sem estereótipos, e reforça a importância de produzir comunicação sobre esse território.

Amanda também ressalta que o roteiro não busca romantizar o interior, mas apresentar sua complexidade. “O objetivo é mostrar o interior como ele é, a partir da escuta das pessoas. Existe um movimento para desconstruir a visão inventada sobre o Nordeste, quase sempre reduzido à seca, à miséria, a estigmas. O interior guarda histórias, memórias e culturas que precisam ser valorizadas”, comentou.

A professora Carla Paiva vê a premiação como prova da força da produção acadêmica no curso de jornalismo em Multimeio, de Juazeiro (BA). “O trabalho de Amanda dá destaque a outras possibilidades de bem viver, mostrando que o semiárido não é apenas um espaço de adversidades, mas também de afetividades e de qualidade de vida. Ser reconhecido nacionalmente demonstra que há espaço para narrativas que fogem dos estereótipos e validam o semiárido como território legítimo de morada e de produção de conhecimento”, afirma.

Ariele Lima: dar luz ao ativismo feminino deve ser parte do fazer jornalístico
Foto: Alexandre Santos
Premiada entre os três melhores trabalhos da categoria Jornalismo Universitário no Prêmio Sebrae Bahia 2025, a universitária Ariele Lima conquistou reconhecimento estadual com a reportagem “Guardiãs da biodiversidade e da agroecologia: valorizando saberes tradicionais, grupo de trabalhadoras rurais luta por autonomia financeira no semiárido baiano”, publicada no jornal laboratório “Cobaias”, do curso de Jornalismo em Multimeios do DCHIII da UNEB, sob orientação da professora Talyta Singer.  

A reportagem acompanha a trajetória de um grupo de trabalhadoras rurais do distrito de Massaroca (Juazeiro-BA), que, por meio do Projeto de Empoderamento Econômico das Trabalhadoras Rurais, fortalecem laços comunitários e reivindicam o lugar das mulheres no campo. Entre as iniciativas estão o banco de sementes e as atividades produtivas que buscam afirmar a sustentabilidade econômica aliada à solidariedade, mostrando que a organização coletiva pode ter prosperidade. 

Ariele conta que a reportagem nasceu de forma inesperada. “Quando conheci as mulheres não estava procurando uma pauta, era uma viagem de trabalho. Nesse dia, houve um momento de relaxamento com elas e pude passar muitas horas em convivência. Assim que conheci o projeto, percebi que era uma ótima história. No mesmo dia, conversei com a professora Talyta sobre escrever já pensando no Prêmio Sebrae, e ela topou.”  

A professora Talyta Singer destaca que a conquista de Ariele representa muito mais que um reconhecimento individual, o prêmio evidencia a importância de narrar o território em que se vive. “Se a gente não falar da gente, quem vai falar? Se nós que vivemos essa cidade, essa zona rural, essa cultura, essas contradições, essas realidades múltiplas não formos capazes de contar as nossas próprias histórias, vamos sempre ser espectadores das narrativas dos outros”, afirma.

Ariele destaca que escrever sobre o projeto foi também um processo de reafirmação profissional e pessoal. “Me sinto feliz, sinto que minha escrita honrou a importância do projeto e as histórias dessas mulheres”. Sobre a premiação, ela diz: “tentei não criar muitas expectativas. Na hora que fui chamada fiquei em êxtase”, comentou a estudante. 

As conquistas e futuros possíveis

As histórias de Ruana, Amanda e Ariele atravessam diferentes caminhos, mas se encontram na certeza de que o jornalismo em multimeios feito na UNEB, em Juazeiro, é espaço de criação. Ao mesmo tempo em que afirmam a força feminina no campo acadêmico, suas vitórias anunciam um futuro em que jovens comunicadoras seguem expandindo fronteiras e redesenhando a história sobre o semiárido baiano, a democracia e os modos de viver. Mais do que ocupar o pódio, elas mostram que contar histórias é também transformar e contribuir com a sociedade.

Por Laíse Ribeiro e Meiwa Magalhães, estudantes de Jornalismo em Multimeios e colaboradoras do Multiciência.