A cidade de Juazeiro (BA) é o centro dos debates sobre agroecologia e justiça climática no Brasil. Entre os dias 15 e 18 de outubro de 2025, a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), campus Juazeiro, está sediando o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA).
O evento ocorre praticamente a um mês antes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada pela primeira vez no Brasil, em Belém (PA). O congresso que tem como tema “Agroecologia, Convivência com os Territórios Brasileiros e Justiça Climática”, tem como um de seus principais objetivos formular propostas que dialoguem diretamente com as discussões da COP 30.
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Identidade visual e tema do evento. Foto: Reprodução das redes da ABA |
A organização da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) em conjunto com movimentos sociais, coletivos agroecológicos e instituições de ensino e pesquisa do Nordeste e de todo o Brasil, reconhece que a escolha da cidade de Juazeiro como sede não foi por acaso. É a primeira vez que o CBA acontece em uma cidade do interior do Brasil e no Semiárido brasileiro. A intenção é destacar o potencial do Semiárido e do bioma Caatinga como protagonistas nas ações e proposições para a COP30.
“O Congresso não é um evento com data para começar e acabar. É um processo de constante construção coletiva e de socialização de saberes, conhecimentos e práticas, que tem culminâncias a cada dois anos. A nossa escolha por Juazeiro combinou perfeitamente com essa característica de continuidade do nosso evento, em que apresentamos e debatemos os desdobramentos dos CBAs anteriores”, disse Gabriela Schenato Bica, vice-coordenadora regional sul da ABA-Agroecologia.
A agroecologia tem papel fundamental na manutenção dos territórios e dos povos, por isso um dos temas que será debatido no congresso é a justiça social e climática. Historicamente, a região Nordeste sempre foi ignorada pelos investimentos públicos, visto que na década de 1960, o Brasil tinha uma população de 80 milhões de habitantes, mas a propriedade da terra estava concentrada nas mãos de uma pequena elite: apenas 70 mil pessoas detinham a posse de 60% de todas as terras do país. Existiam 12 milhões de camponeses que não possuíam nenhuma terra, e um número de 6 milhões deles nunca sequer haviam tido contato com dinheiro, vivendo em um sistema de subsistência e exploração.
No Nordeste viviam 25 milhões de pessoas, porém, 60% das famílias não consumiam carne, 80% não comiam ovos e 50% não bebiam leite. Todos esses dados podem ser encontrados nos acervos do IBGE entre os censos de 1950 e 1960. Hoje o cenário está melhor. Dados do levantamento sobre segurança alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua divulgou, no dia 10 de outubro de 2025, que o número de pessoas que vivem em lares com insegurança alimentar grave (que enfrentam fome diariamente) caiu 23,5% em 2024.
Para explicar melhor, dois milhões de brasileiros deixaram a fome, passando de 8,47 milhões em 2023 para 6,48 milhões em 2024. Ainda segundo a pesquisa, as regiões Norte (37,7%) e Nordeste (34,8%) ainda são as que mais apresentam domicílios com insegurança alimentar. Em números absolutos, o Nordeste tem mais domicílios afetados (7,2 milhões), seguido pelo Sudeste (6,6 milhões), Norte (2,2 milhões), Sul (1,6 milhão) e Centro-Oeste (1,3 milhão).
É também pela primeira vez que o congresso vai ter uma cozinha popular agroecológica durante o evento, operada pelo MST, MPA e a Rede Povos da Mata, utilizando alimentos produzidos em Juazeiro e região, e fortalecendo as redes de segurança e soberania alimentar. Além disso, a organização busca criar um circuito de trabalhadores, com cozinheiras e agricultores locais, incluindo também novos produtos orgânicos no sistema de vendas da Companhia Nacional de Alimentação (CONAB).
Gabriela Schenato Bica explica que o CBA busca ecoar experiências brasileiras e regionais que lidam com as adversidades e lutam pela construção e manutenção de conhecimentos necessários para as adaptações e à convivência com o clima.
“O 13º CBA celebra um repertório de saberes que há gerações constrói alternativas de resistência e resiliência histórica, que se traduzem em princípios da agroecologia. Reconhecer essa diversidade social e ecológica do Semiárido é o pressuposto de onde partimos para caminhar rumo às transformações necessárias”, completa Bica.
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Mapa com as localizações das atrações do evento. Foto: Reprodução das redes da ABA |
Outra proposta que deve ser apresentada no congresso é o reconhecimento da Caatinga como um conjunto de ecossistemas capaz de remover carbono da atmosfera, contribuindo para a diminuição do efeito estufa. A liberação de gases de efeito estufa (GEEs) por atividades humanas é o principal causador das mudanças climáticas. O dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) são exemplos de GEEs que têm a capacidade de reter calor na atmosfera e provocar o aquecimento e as alterações nos padrões climáticos do planeta Terra.
De acordo com o estudo dos pesquisadores Luís Miguel da Costa, Aaron Davitt, Gabriela Volpato, Gislaine Costa de Mendonça, Alan Rodrigo Panosso e Newton La Scala Jr., “uma análise comparativa dos inventários de GEE e da absorção de carbono pelos ecossistemas no Brasil” (A comparative analysis of GHG inventories and ecosystems carbon absorption in Brazil, no idioma da publicação original) em alguns anos a Caatinga, mesmo ocupando aproximadamente 10% do território nacional, vai responder por quase 50% de toda a captura de carbono realizada no país.
O trabalho publicado na revista Science of the Total Environment, também mostra que durante 2015 e 2022 (período estudado pela equipe), a Caatinga supera outros biomas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado. É preciso quantificar esses gases emitidos na atmosfera para se realizar um balanço. Esse processo é formado pelo volume de GEEs emitido das atividades e a subtração pelo carbono que é recuperado, por exemplo, por atividades naturais, como a fotossíntese das plantas.
No Brasil, os setores de agricultura e uso da terra se destacam como os principais contribuintes para as emissões de gases de efeito estufa do país. É por isso que nos últimos anos, nações, setores econômicos e organizações têm buscado documentar o volume e o perfil de atividades produtivas responsáveis por esses lançamentos, com o objetivo de minimizar e compensar esse impacto.
Nesse contexto, onde os modos de vida e sistemas agroalimentares são insustentáveis, a agroecologia é destaque como a ciência cidadã que integra práticas ancestrais e inovações para enfrentar desafios climáticos e promover sistemas de produção e consumo de alimentos sustentáveis. O CBA acredita que é preciso deixar como legado que a agroecologia é ferramenta fundamental para a formulação de políticas públicas, no fortalecimento da segurança alimentar e nutricional e na valorização da diversidade sociocultural brasileira.
Se você quer saber mais sobre a programação do 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia, acesse: https://cba.aba-agroecologia.org.br/programacao-do-13o-congresso-brasileiro-de-agroecologia-cba/. Acompanhe também a cobertura do evento pelo Instagram do MultiCiência: https://www.instagram.com/multiciencia/.
Por João Pedro Tínel, estudante do curso de Jornalismo em Multimeios e monitor do MultiCiência.