Opinião: Direitos e Justiça para Todos por Joviniano Neto

. 29 agosto 2008


O direito do outro é o meu direito. Quando o outro não tem direito, o que tenho é privilégio. Este princípio deve servir para a reflexão dos que protestam contra os abusos de poder praticados pela Polícia Federal, inclusive após a prisão do banqueiro Daniel Dantas.

Abusos existiram. A apresentação dos suspeitos, como criminosos, à imprensa, o que, no caso, foi agravado por convocação de emissora de televisão, para cobrir as prisões. O uso de algemas, que só se justificaria se houvesse risco de reação agressiva do preso e que produz humilhação pública e reforço da imagem de criminoso perigoso. A apresentação das acusações como certezas, auxiliadas por “vazamento” de trechos dos inquéritos. O ilegal uso de agente da ABIN – Agência Brasileira de Investigação (ex-SNI), em apoio a delegado da Polícia Federal, ressuscitando o fantasma da polícia política da ditadura militar. Isto ocorre quando se distorcem e banalizam as prisões provisórias e preventivas tanto quanto os “grampos” telefônicos. A polícia justifica as prisões pela possibilidade dos suspeitos dificultarem as investigações, mas, muitas vezes, funcionam como um novo tipo de prisão para averiguações. Elas, formalmente, não provam culpa e, em vários casos, delas não resultou nenhuma acusação à justiça. Mas boa parte da população confunde suspeita, indícios, acusações com provas e condena, pelo que vê na imprensa, e antes do julgamento. A autorização judicial de mais de 400 mil grampos em 2007 indica a banalização e dificuldade de controle judiciário.

Nós, que ensinamos e defendemos Direitos Humanos na Universidade e na sociedade, temos razões para denunciar e propor modos de enfrentar os abusos.

Contudo, diante da atual reação, temos questões a levantar.

A primeira é que muitos têm tolerado e até apoiado abusos contra os suspeitos e acusados pobres. São abordados e presos agressivamente; algemados e jogados no camburão; fotografados pela imprensa, sem camisa, dentro do xadrez. A vigência da desigualdade de tratamento faz com que se comemore o fato de não só a investigação atingir os ricos, mas também que eles sofram nas mãos da polícia. Esta comemoração apóia-se, ainda, na crença na impunidade dos poderosos e na lentidão da justiça. Humilhação e execração pública funcionam como catarse e condenação antecipada, sem defesa e sentença judicial.

A solução não é generalizar a violência, mas respeitar o direito de todos. A atual ameaça pode mobilizar os antigos privilegiados. Testemunhamos como, na ditadura militar, a consciência de muitos da classe média foi despertada quando o arbítrio e a tortura atingiram os presos políticos, idealistas e... seus filhos.

A segunda questão é que a denúncia dos abusos não deve desviar a atenção do objeto das investigações. A ação da Polícia Federal ilumina os relacionamentos no campo econômico e político. Daniel Dantas entrou na história do Brasil nas privatizações, quando empresários “amigos” do governo enriqueceram adquirindo, inclusive com dinheiro público, empresas públicas. Ocorrendo em ano eleitoral, o escândalo aponta para a questão do funcionamento das campanhas, fonte do atrelamento de políticos aos interesses empresariais e para a urgência do financiamento público.

Finalmente, o Judiciário está “sub judice”. A solução não é rapidez na autorização de grampos, prisões provisórias e preventivas. É concluir processos com mais rapidez, respeitando os direitos das partes e fazendo justiça, independentemente de classes sociais.


Desigualdade, cultura autoritária, crescimento com exclusão social são as principais causas da impunidade e dos abusos de poder no Brasil. Contra eles, a solução é direito e justiça para todos.
Joviniano Carvalho Neto, Presidente da APUB – Associação dos Professores Universitários da Bahia e diretor do Tortura Nunca Mais-Bahia.