Juazeiro e o Futuro: que política pública para cultura é necessária ser discutida?

. 19 julho 2009
Aurélio Buarque de Holanda define cultura como o ato, efeito ou modo de cultivar. É também o complexo dos padrões de comportamentos, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas e intelectuais. O filósofo francês Claude Levi-Strauss conceituava cultura como tudo aquilo que corresponde a hábitos, atitudes, comportamentos, modo próprio de agir e sentir de um povo. Contudo, na atualidade, a cultura apresenta-se como uma grande intervenção social e um nicho mercadológico. O Produto Interno Bruto relativo à cultura brasileira cresce acelerado, representando cerca de 1,5% de todas as riquezas do país. A constatação desse investimento na cultura desperta a atenção dos poderes públicos pois a destinação de verbas para o segmento tem crescido. Secretarias estaduais, municipais são instituídas, além da valorização das tradicionais fundações culturais.

Mas a complexidade do campo cultural é notável, são linguagens e suportes de expressão a serem contemplados como teatro, música, dança, cinema, comunicação de massa, artes plásticas, fotografia, escultura, artesanato, livros, patrimônio cultural (material e imaterial), circo, museus etc. Cada um com a sua particularidade e especificidade a ser considerada por quem trabalha com a gestão da cultura. Para o pedagogo e especialista em Gestão Cultural Cixto Filho, é necessário que as políticas públicas para o setor cultural sejam implementadas de forma abrangente, considerando as linguagens e suportes, capacitação profissional, criação, produção, circulação e financiamento da cultura.

“O Estado deve utilizar conjuntos de instrumentos institucionais, tais como programas, projetos, editais, leis, decretos e portarias, dentre outros, e que são as formas concretas como as políticas públicas”, afirma.

Levantamento feito no ano de 2006 pelo Instituto Brasileiro de Estatísticas (IBGE) indica que existem cerca de 290 mil empresas culturais no Brasil, movimentando uma receita líquida de R$ 156 bilhões. A cultura corresponde ao quarto item de consumo das famílias brasileiras, superando os gastos com educação e abaixo apenas da habitação, alimentação em primeiro, e transporte em segundo lugar. Cerca de 1 milhão de reais investidos no segmento geram 160 postos de trabalho diretos e indiretos.

Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, são movimentados cerca de 5 bilhões por ano no setor gerando mais de oito mil empregos. A cultura responde ainda por 3,8% do PIB fluminense. Segundo Pesquisa de Informações Básicas Municipais, realizada pelo IBGE com dados 2006, as prefeituras brasileiras gastam, em média, R$ 273,5 mil com a Cultura e empregam nesse setor aproximadamente 58 mil pessoas. Contudo, não existem –pelo menos em 84,6% dos municípios - órgãos exclusivos para gerir a cultura. Em 72% dos municípios ainda predominam a cultura acoplada à outra secretaria. Juazeiro estar entre os 42% dos municípios brasileiros que não tem uma política pública cultural formalmente apresentada à sociedade.

Uma cidade com grande valor histórico cultural e que comporta várias tradições, Juazeiro tinha a cultura como ação governamental de segundo plano. Na antiga administração, o órgão municipal que cuidava da cultura era a Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Econômico Social e Cultural - SEDESC, que engloba outras modalidades da administração municipal, reduzindo a atividade cultural a um setor da secretaria sem orçamento previsto.

Na atual gestão a cultura está ligada a Secretaria de Cultura, Esportes, Turismo e Lazer (SECETLA) sob a responsabilidade do secretário Pedro Alcântara Filho. A secretaria não possui dotação orçamentária e trabalha com o a cessão financeira da Secretaria de Desenvolvimento e Igualdade Social que abrigava os departamentos de cultura, esporte e turismo na outra gestão. Para o Secretário, a função principal da secretaria é promover ações de políticas públicas que colaborem na difusão do conhecimento artísticos dos grupos culturais. Para Pedro Alcântara Filho, sua escolha como secretário não causou estranhamento dos artistas da cidade, mesmo não fazendo parte do segmento. Ele acredita que sua experiência e visão da arte vai colaborar para o bom trabalho da secretaria, mesmo sem nunca ter pisado no palco. “Vim da platéia”, afirma.

Hoje, a cultura na cidade é administrada diretamente pela Gerência de Cultura, sob a responsabilidade de Marcio Mascarenhas, oriundo do segmento artístico. Marcio acredita que o trabalho desenvolvido pela gerência é fundamental para a área cultural da cidade, por isso tem investido em ações de planejamento e de organização dos segmentos artísticos. "A finalidade é fazer com que a prática assistencialista seja substituída pelas políticas públicas pensadas para o setor", declara. Organizar o setor para que ele comece a “andar” com as próprias pernas é uma das intenções da Gerência.

Para Márcio, a organização da classe artística é o caminho para o desenvolvimento da cultura na região, assim com a realização da Conferência Municipal de Cultura marcada para setembro, para que sejam planejadas políticas publicas para o setor. “Não falta recurso e sim organização dos segmentos”, defende. A construção do Museu Memorial, da Galeria Municipal de Artes, a restauração do prédio da Ferrovia Leste, reestruturação do Festival Edésio Santos como uma atividade de fomento à arte musical e a criação da Escola Municipal de Música, que também receberá o nome de Edésio, são algumas ações previstas para serem articuladas pelo poder municipal.

A Fundação Cultural

Uma atitude que confirma a falta de políticas públicas culturais das administrações municipais foi o fechamento da Fundação Cultural de Juazeiro (FCJ), criada em dezembro de 2001 e que tinha a finalidade de gerir a área cultural e artística da administração municipal, na implementação de políticas públicas. Apesar de estar ligada a Secretaria Municipal de Educação, a Fundação tinha status de Secretaria e possuía autonomia financeira. Em 2005, a verba destinada à pasta era referente a 4% do orçamento municipal, cerca de 2,5 milhões.

Para Cixto filho, ex-gestor da FCJ, a instituição tinha o propósito de promover ações estruturantes, que entendiam a cultura como prática intrínseca ao ser humano, além de estabelecer uma política cultural preocupada com a cidadania, o bem-estar, educação, estimulando a participação efetiva da comunidade na construção das políticas. A FCJ desenvolvia projetos importantes na comunidade juazeirense, a exemplo da Escola de Musica Edésio Santos, Multiplicarte, projeto de arte-educação em bairros periféricos, o Fórum de Cultura, as leis de tombamento do patrimônio histórico da cidade (1667/2001) e de incentivo à cultura pelo fundo municipal – FUMCULTURA (1621/2001). A estudante Érica Daiane, moradora da comunidade do Salitre, salienta a importância da instituição no desenvolvimento da cultura popular na cidade e no interior do município, pois auxiliava os grupos artísticos existentes e os novos, focando o trabalho da arte educação na periferia da cidade. “Eles deram todo o suporte para a formação dos grupos” garante. Em 2004, com a extinção da Fundação pelo gestor Misael Aguilar, o município ficou sem ações no campo da cultura, reduzindo a participação da prefeitura em eventos como carnaval, São João e apoios a produções culturais, atendendo a poucos grupos. Com a falta de atenção e de política publicas para a cultura por parte do poder público municipal, a classe artística procurou se organizar, com a instalação do Conselho Municipal de Cultura (CMC).

CONSELHO MUNICIPAL

O Conselho Municipal de Cultura – CMC criado pela Lei n° 1.669, de 10 de setembro de 2002, é um órgão colegiado de caráter consultivo, fiscalizador, quanto às demandas culturais gerais e deliberativas, quanto ás questões relacionadas ao FumCultura, oriundo do repasse do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), além de ter como objetivo promover a participação autônoma de todos os segmentos da sociedade integrantes da ação cultural do Município.

O Conselho Municipal de Cultura é composto por representantes de entidades da sociedade civil e do poder público, sendo composta por entidades representativas de produtores culturais, entidades estudantis, entidades sindicais de trabalhadores da área, empresários do setor, instituições com inserção em assuntos culturais, escolas, universidades e associações de moradores, entre outros.

A implantação do Conselho Municipal de Cultura não foi imediata à homologação da lei que o regulamenta. Depois da realização da etapa regional da Conferencia Estadual de Cultura 2008, os artistas resolveram encampar o processo de instalação do conselho. Reuniões foram feitas entre o segmento e a gestão passada e, no dia 14 de julho, em Assembléia no Centro de Cultura João Gilberto, foram eleitos os 19 membros titulares e suplentes para o mandato de dois anos.

O conselho hoje é presidido por Marcio Mascarenhas, que acredita que o conselho tem um papel fundamental na democratização do acesso ao fomento cultural por parte do poder executivo. Para o diretor e ator teatral, Elcio Campos, o conselho irá facilitar a promoção da arte na cidade, atuando como fiscalizador das verbas culturais e ajudando a classe artística, na elaboração dos seus trabalhos. Elcio também acredita no poder político do órgão. “Trata-se de um instrumento de democratização da gestão cultural e, como conseqüência, do Estado, contribuindo para que haja maior participação na elaboração da política cultural”, defende.

Para o conselheiro Daniel Cardoso, o Conselho poderá democratizar as verbas destinadas para a área cultural da cidade. ”Todos os grupos e artistas, independente de suas convicções e opções políticas terão acesso ao dinheiro destinado à área cultural”, assegura. Esta é a expectativa de todos que desejam que a cultura seja tratada como política pública, colaborando para o desenvolvimento da cidade, a cidadania, educação e criando novas alternativas de geração de renda.

Por Welington Júnior Fotos: Emerson Rocha