Nos áureos tempos do Cine- teatro São Francisco

. 18 julho 2009

1968. Era noite na movimentada Rua da Apolo, na cidade de Juazeiro. Rosy Luciane de Souza Costa, em seu vestido de caça branco, olhava admirada as mudanças feitas no então reformado Cine- teatro São Francisco. O espaço exalava elegância com seu carpete rubro, fachada espelhada e funcionários muito bem apresentáveis.

Os habitantes da cidade, em seus melhores trajes, lotavam os 900 lugares disponíveis, e aguardavam ansiosos o instante em que as cortinas de veludo vermelho fossem abertas. Todos queriam apreciar o filme Doutor Jivago, um clássico indicado ao Oscar. Não era a primeira vez que a população local se encatava com o ambiente. O Cine- teatro São Francisco foi inaugurado em 1937, na cidade de Juazeiro.

Habitual espaço de encontro, o cinema foi por um longo período um dos principais centros de sociabilidade na região do Vale do São Francisco. Nele, jovens marcavam encontros e famílias se divertiam com os filmes, peças e espetáculos musicais. Pessoa simples, que nunca ouvira falar em uma língua estrangeira, se interessava por estudá-la, citando inclusive algumas frases de efeito, como “Thank you”. A moda também foi influenciada e, as roupas dos atores e atrizes de Hollywood bastante reproduzidas pelos jovens.

Semanalmente, antes dos filmes, eram exibidos cinejornais com o resumo dos acontecimentos ocorridos no Brasil e no mundo, dentre eles os jogos de futebol. “As pessoas também iam ao cinema para se informar. Todos queriam ver os jogos do Flamengo. O cinema era um bem cultural e orientava as pessoas”, diz Rivadávio Espínola Ramos, ex-gestor do estabelecimento.

Em 1968 o cinema passou por uma reforma que viabilizou grande conforto aos seus frequentadores. A projeção dos filmes passou a ser feita em uma tela panorâmica, onde em qualquer lugar o expectador podia ter uma boa percepção do material apresentado. Os assentos eram enumerados e, por um preço um pouco mais caro, o cliente podia assistir aos filmes na parte superior do edifício, onde as cadeiras eram mais confortáveis. Ao lado da sala de exibição havia uma área aberta com música funcional ambiente, destinada a diversão e àqueles que aguardavam as próximas sessões. Uma novidade que facilitou a saída do público foi a construção de portas laterais que davam diretamente na Rua da Apolo.

A maioria dos cinemas da época era também palco de espetáculos musicais, humorísticos e teatrais. Os principais artistas do Brasil rodavam o país se apresentando nestes espaços. Grandes nomes passaram pelo palco do Cine- teatro São Francisco. O maior fluxo de apresentações ocorreu entre 1950 e 1970. Alicio Figueiredo Gil Braz, empresário e apresentador, era um dos responsáveis por trazer os profissionais para abrilhantar as noites da cidade.

Dentre estes artistas pode-se citar: Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Ângela Maria, Vicente Celestino, Orlando Dias, Waldick Soriano, Bartô Galeno, Luís Gonzaga, Sanfoneiro Abadias, Vanderlei Cardoso, Jerry Adriane, Reginaldo Rossi, Carlos Alberto, Cauby Peixoto, Trio Nordestino e algumas vedetes do Teatro Rebolado, a exemplo de Enesita Barroso. Rosy Costa recorda a agitação local durante show de Roberto Carlos, que no auge da Jovem Guarda foi trazido à cidade. Naquele dia, o cantor foi escoltado em um calhambeque. A fila para prestigiar o evento dava voltas no quarteirão e foi necessária a presença da polícia para que a ordem fosse mantida. Os jovens, eufóricos, quase quebraram as cadeiras diante do embalo do espetáculo. Com o surgimento e ascensão da televisão, seguida pelo vídeo cassete, o cinema aos poucos foi perdendo seu fiel público.

O Cine São Francisco, apesar das tentativas de modernização, não resistiu à mudança dos hábitos sociais. Na década de 1980, Joca de Souza Oliveira arrendou o espaço à empresa baiana, Oriente Filmes. O grupo, no entanto, não conseguiu manter um fluxo frequente de pessoas e logo se transferiu para a Galeria Água Center, onde também não obteve sucesso. As exibições cinematográficas aos poucos foram se moldando a uma nova lógica que incluía locais de grande movimentação, onde as pessoas além de assistir aos filmes, pudessem ter outras opções de lazer. Por este motivo, na atualidade, grande parte dos cinemas está localizada estrategicamente em shoppings. A mesma Oriente Filmes que não fez sucesso em Juazeiro, mantém salas no River Shopping, em Petrolina.

No edifício do antigo cinema, funciona hoje as Lojas Maia. Recentemente, duas máquinas de projeção foram doadas, uma à Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), onde será recuperada e utilizada no laboratório de linguagens, do curso de Ciências Sociais, e outra ao Museu Regional do São Francisco, no qual ficará em exposição para o público. O equipamento, de marca americana Westrex, data mais de 50 anos. Como os filmes eram divididos em rolos, chegando muitas vezes a 15 deles, eram necessários dois equipamentos, manuseados por um operador atento, responsável por trocar um e outro, a fim de não haver descontinuidade durante as exibições cinematográficas.

Para Rivadávio, a importância da doação do maquinário está no fato deste contar a história do cinema na região. “É bom guardar uma coisa que marcou uma época tão forte. O cinema dos áureos tempos não é mais o de hoje. É importante guardar essas informações. Tomamos atitudes também baseado no que passou, muitas vezes copiando e melhorando. Não se pode ter educação sem história”, afirma o ex-gestor.

Fotos: Ilana Copque e Arquivo Maria Franca Pires