Uma cidade que produz inovação tecnológica

. 17 julho 2009

Juazeiro abriga, desde abril de 2005, a biofábrica Moscamed, organização social que desenvolve experimentos para o controle, a redução e a erradicação de pragas incidentes nas atividades agropecuárias, especialmente da fruticultura. A idéia é contribuir para ampliar a economia das regiões frutícolas, por intermédio de processos biotecnológicos de produção de insetos estéreis e introdução de técnicas que reduzem o uso de inseticidas, aumentando a qualidade dos produtos e das exportações, além de preservar o meio ambiente.

A biofábrica Moscamed, utiliza a tecnologia do inseto estéril (TIE), uma forma biológica de controle de pragas que esteriliza insetos machos na fase de pupa, estágio intermediário entre a larva e o adulto, com irradiação gama de Cobalto 60. Embora não implique na abolição de produtos químicos, a TIE reduz a quantidade de pulverizações nos pomares e é aceita sem restrição pela legislação fitossanitária internacional.

A esterilização dos insetos na Moscamed é feita até então com energia nuclear, sendo um dos motivos do apoio da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), organização das Nações Unidas com sede em Viena, na Áustria. A Agência é um fórum tecnológico e científico para o uso pacífico da energia nuclear e procura inibir a utilização de armas atômicas para fins militares. O engenheiro agrônomo e supervisor de campo da biofábrica, Rodrigo Viana, esclarece que há a previsão de chegar uma a máquina de esterilização com fonte de energia elétrica, vinda de Salvador para Juazeiro.

Primeiras pesquisas
A tecnologia do inseto estéril foi criada pelo entomologista americano E. F. Knippling na década de 1950 nos Estados Unidos inicialmente para a mosca varejeira, a mosca-verde, durante o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o controle de praga era feito essencialmente com inseticidas.

A comunidade científica americana inicialmente estranhou a invenção de Knippling, por não entender o porquê do entomologista multiplicar o inseto que eles tentavam combater. Viana relata que, depois de o cientista erradicar em um ano a mosca da varejeira na Ilha da Madeira, situada entre o continente americano e africano, Knippling passou a ser reconhecido e até hoje os seus experimentos tem obtido sucesso para eliminar a praga tropical. Hoje, o governo americano mantém uma biofábrica da mosca varejeira no Panamá que libera moscas na América do Sul para evitar que os insetos circulem em áreas erradicadas.

No Brasil, a produção em escala industrial de moscas por meio da TIE acontece em Juazeiro na Moscamed. A biofábrica, criada pelo biólogo Aldo Malavasi, mestre e doutor em Genética aposentado pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com diversos órgãos estaduais, federais, privados e internacionais, pretende exportar 350 milhões de moscas semanais para países como Espanha, Israel e África do Sul, sendo Juazeiro localização estratégica para a distribuição dos machos estéreis nas áreas de fruticultura do nordeste, região exportadora de 90% da manga e da uva fina de mesa.

O produtor de frutícola em Casa Nova, José Maria Mendes, afirma que utiliza o serviço de monitoramento como condição de adquirir o certificado da fruta, uma exigência do mercado externo que cada vez mais busca alternativas substitutivas dos métodos químicos convencionais. Comenta ainda que não houve muita diferença no preço mas houve ganhos no valor agregado ao produto.

A Moscamed trabalha com as espécies de moscas Ceratitis Capitata ou moscamed (mosca do Mediterrâneo), Anastrepha spp. e Bactrocera Carambolae. De acordo com Viana, as culturas monitoradas pela biofábrica no Vale do São Francisco são de manga, uva, goiaba e acerola. Já na cidade de Mauriti (CE), a cultura supervisionada pela organização é de manga. Em Linhares, Sooretama e Aracruz (ES), o mamão, e em Canto do Buriti (PI) e no norte da Bahia, melão. Já no Rio Grande do Sul está previsto o trabalho com maçãs.


Tudo começa no campo

O primeiro passo para o controle das moscas é identificar a quantidade de macho-estéreis que será necessária produzir para liberar no campo, o que é feito por meio da instalação e análise de armadilhas que possibilita verificar a situação populacional da praga de moscas. Segundo Viana, uma equipe de nove técnicos agrícolas visita todos os pomares que têm armadilhas e nas sextas-feiras eles se reúnem na fábrica para tabular os dados no sistema e definir as áreas aptas para liberar os macho-estéreis em quantidade maior do que a encontrada na natureza. Em seguida os machos copulam com as fêmeas da natureza, transferindo espermatozóides inviáveis, por conta do tratamento recebido.

Para a produção das moscas estéreis é necessário uma estrutura de simulação das condições de vida encontradas na natureza, algo encontrado inclusive na alimentação da larva dos insetos, composta por bagaço de cana, levedura de cerveja, farinha e gérmen de trigo, açúcar granulado e conservantes como ácido cítrico, benzoato de sódio e tetraciclina, preparada na biofábrica para durar 16 dias. Este preparo fornece a nutrição similar que a mosca encontra na fruta e o resíduo, depois de tratado, é aproveitado na engorda de caprinos da área experimental do Departamento de Tecnologia e Ciências Sociais (DTCS) da UNEB, em Juazeiro.

Os macho-estéreis são liberados no campo que já está com baixo nível populacional de moscas com a função de manter este baixo nível. Por meio do processo denominado de Programa de Armadilhamento e Controle (PAC), é possível garantir a exportação de manga e uva no Submédio do São Francisco, o qual possui 357 áreas de produção de manga distribuídas em 6.361,36 hectares e 73 empresas de uva dispostas em 1498,30 hectares. Para exportar a manga e a uva da região, o produtor necessita ter este programa de monitoramento, uma exigência do mercado externo, que custa R$ 6,97 por hectare por mês.

Já o Projeto Zona Tampão (PZT) monitora e cria uma barreira nas culturas de goiaba e acerola, que também são hospedeiras de mosca da fruta, para proteger as culturas de exportação situadas em pomares circunvizinhos, visando impedir a migração das moscas. A biofábrica atua em 296 áreas de goiaba distribuídas em 2.712 hectares e em 117 áreas de acerola dispostas em 920 hectares no Vale do São Francisco. No total, a biofábrica monitora 11.491,66 hectares e presta serviço a 843 produtores na região.

Viana alerta para as dificuldades deste ano decorrentes das variações climáticas e da suposta crise no setor de agroexportação, o que impede inclusive o aumento do custo do serviço que desde que foi criado não teve alteração.

Por Naiara Soares
Fotos: Ilana Copque