"Existe o rádio antes e depois de mim"

. 02 outubro 2009

De pedaços de película rejeitados pelos projetistas do Cine Massangano surgia uma sessão de cinema em casa feita por uma criança de sete anos, auxiliada pelos irmãos mais velhos. A sessão tinha show de calouros, com uma banda de apoio com instrumentos feitos de lata, incrementando a apresentação do candidato. No intervalo entre o show e a exibição do filme, vendia-se pão doce e suco. Os cartazes, que indicavam qual seria o próximo longa, eram recortados de jornais antigos vindos da capital, para serem colocados na porta da frente. O preço da entrada era simbólico, para que toda a criançada da rua pudesse participar. Para exibir os filmes, de dia era feita uma fenda no telhado e, com a ajuda de um espelho, ocorriam as sessões. De noite, usava-se uma lanterna. Numa época em que os televisores eram pouco acessíveis, a criatividade de uma criança contagiava as outras, que recriavam as histórias exibidas no “cineminha”.

Foi através dessas sessões de cinema fictícias que se iniciou a carreira de um dos principais radialistas de Juazeiro, Geraldo Messias, nascido em 25 de dezembro de 1963, em Petrolina. “A gente pegava os filmes e ia juntando até formar uma sequência lógica. Convidávamos os meninos da rua para fazer dublagem, colocávamos as falas e tentávamos sincronizar a imagem com o texto. Foi dali que surgiu a idéia de entrar para a comunicação”, lembra. Aos 16 anos, Geraldo insistiu na idéia e fez um curso por correspondência de Técnicas de Jornalismo. “A partir daí é que me interessei por rádio, no final dos anos 70. Já nessa época, julgava importante uma formação para fazer jornalismo”, conclui.

Após o término do curso, em abril de 1980, Messias foi chamado para um estágio na Rádio Juazeiro por Marta Luz. Em setembro foi efetivado, hoje são 30 anos dedicados à rádio. À época, os locutores tinham uma voz grave e aveludada. O profissional, que não dispunha dessas características, enfrentava dificuldades de acesso. “Só entrava nas rádios “os medalhões”, ou seja, aqueles que tinham uma voz boa”, lembra Messias. Com uma voz calma, ele conseguiu se destacar pelos seus talentos peculiares: a paixão pelo rádio, a criatividade, o conhecimento em música e a força de vontade.

Era uma rotina cansativa: acordar às cinco da manhã para pegar a barquinha, encarar uma jornada de oito horas na rádio e depois cruzar a ponte a pé para assistir aula à noite, na Escola Marechal Antônio Alves Filho (EMAAF). “Muitas vezes meu jantar foi ki-suki com pão doce”, recorda. Mesmo com essas dificuldades, nunca pensou em desistir porque “sabia que ali tinha futuro”. O seu momento de lazer era depois da missa, na catedral, às oito da noite do domingo, onde encontrava os amigos e ia para a Concha Acústica, pôr os assuntos em dia. O local era palco de muitas apresentações musicais e o ponto de encontro dos jovens petrolinenses da época.

Em meados dos anos 80, obteve seu registro profissional como jornalista provisionado. Além do jornalismo, acumulava a função de discotecário e ia aprendendo funções inerentes à rotina do rádio como operação de áudio e transmissão de links externos. “Em rádio, aprendi de tudo, quando vinha um estagiário, as pessoas diziam: chama Geraldo, que ele sabe. E até brincavam: “quando tem um problema, chama Geraldo, que ele sabe resolver”, lembra.

Em novembro de 1985, cria e apresenta o “Clube da Juventude”, programa semanal ao vivo com três horas de duração, que marcou a cidade juazeirense, pois através da “Caravana da Juventude”, eram promovidos shows nas escolas da sede e do interior do município e até em outras cidades. Os jovens apresentavam dublagens de grupos como Dominó e Trem da Alegria. Dessa maneira, o programa conquistava ouvintes assíduos, e Geraldo, admiradores de longa data. “As pessoas até hoje me conhecem por causa do Clube da Juventude”, lembra. O programa permaneceu no ar durante 12 anos.

No fim da década, as empresas da região se viam pressionadas pelo Sindicato dos Radialistas de Salvador a providenciar registro profissional para os seus funcionários, mas não havia nenhuma representação sindical em Juazeiro. Messias conseguiu através de negociações com profissionais soteropolitanos, em 1995, trazer o Sindicato dos Radialistas para Juazeiro, que proporcionou uma maior organização da classe, tornando-se um instrumento para que os profissionais lutassem pelos seus direitos.

Em 1994, trouxe para a cidade o primeiro curso de Radialismo em extensão universitária, pela Faculdade Montenegro, que dava direito a emissão do registro profissional. Curiosamente, Geraldo não pode cursá-lo, pois estava muito envolvido na organização. Profissionais de toda a região participaram do curso, incluindo nomes como Cristiano Lima, hoje no Portal SG e Josenaldo Rodrigues, repórter e apresentador da TV São Francisco. “Cristiano até disse uma vez que existe o rádio antes e depois de mim, fico muito feliz em ser uma referência”, recorda.

Além de trabalhar na Rádio Juazeiro como locutor comercial, compor o Departamento de Jornalismo e ser programador musical, Geraldo ministra aula de empreendedorismo e ciências na Escola Anália Barbosa, no Bairro Antônio Guilhermino. Ele também participa do projeto “Rádio Pátio”, implantado na escola Paulo VI, e ainda faz especialização em Mídia na Educação, promovido pelo MEC, junto com o Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE) da Bahia.

Do período em que era uma criança que coletava pedaços de película nos cinemas de Petrolina ao radialista reconhecido na região, há uma longa trajetória com muitas realizações. “Tenho 45 anos, sou jovem para o que fiz, foram muitas coisas em pouco tempo, e muito cedo”, afirma. O sucesso obtido ao longo do tempo de profissão não o deixa acomodado. Pelo contrário, busca sempre novos conhecimentos. “Estou querendo cursar química ou biologia, pois são áreas que gosto, pretendo ainda me graduar em Jornalismo”, diz.

Ao analisar seus 29 anos de carreira, o radialista conclui que ela é um sonho em constante processo de reconstrução. “Quanto mais você aprende, melhor”, recomenda Geraldo. Para os jovens que, assim como ele, tem paixão pelo rádio e desejam ter uma carreira sólida, Messias aconselha: “batalhe, porque se você planta, um dia vai colher”.

Por Raoni Santos