O Vale das Carroças

. 06 setembro 2009

O dia de Francisca Suelda da Silva começa às 5h da manhã. Mãe de seis filhos, ela cuida da casa e das crianças antes de sair para o trabalho. Com vestes largas e o cabelo preso em um chapéu de palha, para evitar o sol forte, a jovem senhora, juntamente com seu marido, cata material reciclável pelas ruas de Petrolina. A carroça é o meio de transporte que proporciona a locomoção e renda da família.

Assim como Suelda, inúmeras pessoas no Vale do São Francisco têm como principal fonte de sustento os veículos puxados por animais, que representam uma considerável parcela dos transportes que circulam pelas cidades de Juazeiro e Petrolina. Apesar do barateamento de automóveis e motocicletas, para muitas famílias, que sobrevivem com menos de um salário mínimo por mês, é mais acessível e econômico ter uma carroça para executar os trabalhos diários.

O maior fluxo de carroças na região pode ser encontrado no mercado produtor de Juazeiro, espaço onde os carroceiros ajudam a embarcar e desembarcar produtos agropecuários. Lá, a Polícia Militar mantém um controle das carroças, por meio do emplacamento desses veículos e do cadastramento gratuito dos donos. A medida visa diminuir o furto de cargas e inibir o trabalho executado por crianças e adolescentes. Apenas maiores de 18 anos podem se cadastrar. Aproximadamente 400 carroças tem permissão para circular no local, esclarece Adriano Amorim, comandante do Posto Policial do Mercado.

Esse tipo de transporte dispõe até de pontos informais espalhados por Juazeiro, onde carroceiros se reúnem e esperam a solicitação de algum trabalho. A mão-de-obra, nestes casos, é procurada pela população que necessita de um veículo mais econômico. O valor do carregamento em caçambas ou em carroças custa em média R$ 60. No entanto, o carroceiro realiza quantas viagens forem necessárias para cumprir o serviço, sem cobrar por isso.

Hermelino de Miranda tem 65 anos e é carroceiro há 38. Ele se encontra diariamente no ponto de carroças em frente ao estádio Adauto Morais. Para Miranda, trabalhar com este tipo de veículo se tornou “um sufoco diário”. Com carregamento de entulhos, ele consegue por semana, de R$ 40 a R$ 50, um valor considerado baixo se comparado ao que ele conseguia na década de 1980. “Eu tirava de R$ 150 a R$ 200 por semana”, afirma.

Atualmente, as lojas de móveis e supermercados possuem seus próprios meios de transporte. Há 20 anos, quem fazia este tipo de carregamento eram os carroceiros, o que aumentava o salário desses trabalhadores ao final do mês. No vale do São Francisco, muitas lojas de material de construção ainda transportam suas cargas por meio de carroças exclusivas.

Em Petrolina, o carroceiro Otacílio Leite de Carvalho, no ramo há 30 anos, acredita que o mercado já não é tão favorável como antigamente. Há 18 anos, ele negociava coco e tinha uma vida cômoda. “Se fosse hoje, eu seria rico. Nunca faltaria dinheiro no bolso. Agora, arranjar uns trocados está difícil”, complementa Carvalho, que, em algumas semanas de trabalho consegue apenas 15 reais.

A maioria das carroças é confeccionada por seus donos, no entanto, ainda existem espaços que comercializam o veículo. O animal preferido dos carroceiros é o burro, que não precisa comer ração e carrega mais peso que o jumento, o cavalo e o jegue. No Salitre, zona rural de Juazeiro, o burro pode ser comprado adestrado por R$ 60. Já na cidade, um treinado para dar ré e carregar peso pode chegar a R$ 1 mil. Bem cuidado, o animal de carga vive em média 10 anos.

No Vale do São Francisco, as carroças fazem parte de um cenário saturado por automóveis. Nas ruas das cidades pólo, os transportes motorizados e os puxados por animais se misturam, causando congestionamento, e evitando o fluxo regular do trânsito. Os carroceiros constantemente sofrem com os xingamentos dos motoristas. Contudo, apesar do contraste entre o novo e o primitivo, as carroças movimentam a economia na região. Por este motivo, sobrevivem até os dias hoje, gerando renda e emprego para aqueles que necessitam, como Hermelino, Otacílio e Suelda.


Texto e imagens: Ilana Copque