Ritmo e balanço ao som dos conjuntos musicais da Antiga Petrolina

. 26 setembro 2009
Conjunto musical Ritmistas Tropicais na Boate do Neuman Hotel

Entre as décadas de 1940 a 1960, a população de Petrolina teve a alegria de ouvir conjuntos e orquestras que esbanjavam charme e criatividade no compasso musical. Os músicos buscavam atender a platéia com sucessos da época e, no final das apresentações, eram ovacionados. Conjuntos como Jazz-Band-Odeon, Werill Jazz, União Jazz e o Sambossa difundiram a beleza da música para a região, encantando.

Na formação desses grupos, estavam jovens rapazes da Banda Philarmônica 21 de Setembro, o grande celeiro de músicos da época. A banda, fundada em 1910 por Juvêncio Rodrigues, era regida pelo maestro Ciciliano Carvalho e até hoje se apresenta em festas cívicas, religiosas e no aniversário da cidade. Da Philarmônica, consagraram-se nomes como José Menezes da Silva, Joaquim Domingos Rego, José Olímpio, Raimundo Nonato dentre outros.

Pedro Maurício, o Mestre Pedro, pode ser considerado o mais influente e formador de discípulos da banda, sendo um dos componentes da Sociedade Philarmônica 21 de Setembro. Ele era admirado nas suas composições e arranjos, quando tocava sax ou clarinete. Mestre Pedro não obteve riqueza monetária, mas deixou um legado de dignidade e amor a sua terra.

Somente em 1937, surgiu o Jazz-Band-Odeon, primeiro conjunto dançante da cidade, fundado pelo baterista Raimundo Martins, mais conhecido como “Raimundo Felipão”. O conjunto se dedicava às músicas populares, mas foi extinto anos depois por falta de apoio financeiro. Em 1945, Henrique Jericó decidiu reacender o sucesso dos conjuntos com a Werill Jazz, trazendo um maior número de instrumentos que garantiam um som orquestrado para as composições. Já a União Jazz foi formada por amigos e participantes da União dos Artistas de Petrolina, a União dos Artífices, onde aconteciam as apresentações, como afirma Bernardino Pires, ex-trompetista da União Jazz.

A elite da sociedade petrolinense costumava frequentar nos finais de semana clubes requintados como Petrolina Club, da ala política da família Coelho, e o 21 de Setembro, que pertencia aos herdeiros de João Barracão.

As orquestras combinavam o repertório na própria festa, iniciando sempre com um samba para “botar fogo no salão”, ou com um ritmo mais clássico como fox. Também se cantava bolero, jumba cubana, jovem guarda, valsas, além de clássicos como “Carinhoso”, de Pixinguinha, e Garota de Ipanema, de Vinicius de Moraes. Nos carnavais, orquestras de frevo, com marchinhas, samba e frevo, divertiam a população, como relembra Pires.

ESTRUTURAÇÃO DOS GRUPOS

As festas tinham duração de quatro horas, e os músicos faziam intervalos de 10 a 15 minutos. Era necessário muita concentração para que houvesse melodia, harmonia e ritmo entre eles. Porém, o ex-baterista Benedito Carvalho, o Ditão, afirma que isso não impedia os jovens de se divertirem. “Música transmite alegria tanto para quem ouve quanto para quem toca”, ressalta Ditão. Os contratos eram feitos pelo chamado enfrentante, considerado o cabeça do negócio, que estabelecia o pagamento antecipado no valor de 50%. Os artistas do sopro metalizado ganhavam mais do que os que executavam percussão, pois necessitavam acompanhar a partitura.

Os grupos também se destacavam pelo fardamento. Benedito Carvalho lembra que usavam jaqueta de tecido xadrez com uma aba de veludo, camisa de colarinho duro, gravata borboleta ou twister (concomitante ao surgimento do ritmo), calça preta e sapatos boliche.

A presença do crooner (palavra de origem francesa que significa cantor) também era importante, embora sua participação fosse menor. Naquela época, não era comum uma mulher cantar em conjuntos musicais, mas algumas conquistaram esse posto. Uma delas foi Dorinha Carvalho. Nascida em uma família musical, entrou no grupo pela confiança e amizade a seu pai Ariston Carvalho. Contudo, ela confessa que sofreu discriminação. “Procurava deixar bem claro a diferença da vida musical para as demais áreas da minha vida. Até mesmo quando tive que enfrentar preconceito de mulheres que podiam achar que eu cantava o marido delas, não tive medo de encarar o desafio”, relembra.

Os jovens músicos, alguns com menos de 20 anos, tinham agenda cheia, percorrendo estradas sertanejas como Ouricuri, Araripina, Curaçá, Casa Nova, Senhor do Bonfim, Afrânio. “Éramos bem recebidos, colocados nos melhores hotéis e com uma recepção calorosa”, afirma Benedito Carvalho. O Sambossa, organizado por Fernando José Rego, alcançou tamanho sucesso que chegou a se apresentar em Recife na TV Canal 2, Canal 6 e na Rádio Jornal do Comércio, tocando de chorinho à bossa nova. O grupo se destacava pela aparelhagem, repertório requintado, entrosamento, arranjos musicais à moda americana.

“Fernando do Sax”, como é conhecido, desde muito cedo começou a ter contato com instrumentos musicais através do pai, Joaquim Domingos Rego, um dos fundadores da 21 de Setembro. Aos oito anos, ele já tocava muito bem o cavaquinho, solando músicas nas festas do Instituto São José, onde estudou. Anos mais tarde, ele e dois amigos fundariam o trio Tatibitate, o conjunto vocal “Seresteiros do Luar” e os “Ritmistas Tropicais”.

Atualmente, Fernando é responsável pela regência da banda 21 de Setembro, sendo considerada a única sobrevivente do estilo e recebe apoio do poder público. “O mais importante é que estamos fazendo um trabalho que vem sendo aplaudido”, completa o maestro.

Os participantes desses conjuntos alegam vários motivos para o fim dos grupos. “Em termos de Nordeste, ainda não vi ninguém se realizar plenamente com música. Eu, por exemplo, fui sapateiro”, relata Pires. Outra motivação era o falecimento de dirigentes da orquestra, como aconteceu com Henrique Jericó, da Werill Jazz. Já Benedito Carvalho relata a vida boêmia dos músicos, pois “nos intervalos, alguns não se controlavam e bebiam além da conta”.

Apesar do fim dos grupos, alguns deles continuaram no meio musical, outros seguiram profissões diferentes. Do passado, ficaram apenas os momentos de alegria e as boas lembranças.


Por Diego Carvalho