Os Caminhos de Odó

. 06 novembro 2009

Ela chegou apressada com alguns trabalhos para entregar aos alunos. Sempre muito solicitada, durante esse percurso foi parada algumas vezes e, para que a nossa entrevista não atrasasse, disse:

- Vamos logo, Emerson, antes que eu desvie de novo.

Assim, cheia de caminhos, é a vida de Odomaria Rosa Bandeira Macedo ou simplesmente Odó, juazeirense desde o dia 17 de março de 1951, data em que nasceu na rua Esmeraldo Aragão.

Filha de uma professora de música e de pai que também fora músico, Odomaria encontrou na família a ligação com a arte. Desde criança, era obrigada pela mãe a seguir o dom musical. “Minha mãe achava que uma moça tinha que aprender música”.

A vontade de sua mãe era que aprendesse violino. Embora tenha aprendido a usar o instrumento, sentia vergonha por causa da posição que deve ser seguro, apoiado firmemente. O pai, vendo a aflição da filha, que, na época tinha apenas nove anos, e para que a mesma não abandonasse os conhecimentos musicais adquiridos, deu-lhe de presente um acordeom, o que a agradou muito. “Eu não perdi o conhecimento que minha mãe tinha me obrigado, mas também não toquei o violino que ela queria”, disse, apresentando uma das suas principais características, o sorriso.

Desde então a arte, mesmo que de forma amadora, se tornaria a primeira estrada construída na vida de Odó, que durante o Ginásio virou a cantora do colégio em que estudava. Anos mais tarde, atuou no teatro, onde também escrevia. “Toda a oportunidade que vinha eu procurava me aperfeiçoar”.

Usando vermelho por recomendação de um Pai-de-Santo, que a informou da sua regência no orixá Iansã, aconselhando-a a usar essa cor toda quarta-feira, Odó mostra sinais de um dos caminhos que a vida lhe permitiu traçar. “Desde quando ele me disse isso eu não consigo abrir mão de vestir o vermelho. Mas eu não sou iniciada no candomblé, é mais uma curiosidade por causa da antropologia”, observou Odomaria, que é Historiadora e Antropóloga.

Em 1970, Odomaria foi para Salvador estudar na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Na capital baiana a jovem juazeirense, que queria ser historiadora, viveu de perto um dos principais momentos da história política do país.

Mesmo sem conhecer bem a sua nova cidade, Odomaria participou de atos de resistência contra a ditadura militar. “Eu participei de várias coisas altamente arriscadas. Eu não conhecia nada, se me pegassem nem sabia me situar naquelas avenidas todas”, conta.

Seu jeito de menina do interior, com fala, visual diferente e as opiniões na sala de aula fizeram com que os colegas identificassem o seu potencial político e a envolvesse no movimento, mesmo que nem a própria Odomaria tivesse percebido essa sua característica. “Eu não sacava nada. Estava porque era amiga das pessoas”. Alguns dos seus colegas acabaram sendo presos por tais atos contra os militares.

De volta a Juazeiro, no ano de 1974, Odomaria começava a trilhar mais um caminho em sua vida. Desta vez, ela passou a se dedicar à profissão que a acompanha até hoje: professora. O seu primeiro emprego foi na Escola Dr. Edson Ribeiro.

Seis meses depois, retornou a Salvador, para fazer um curso de especialização em Antropologia, com a finalidade de ensinar na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Juazeiro (FFCLJ). Ao fim da especialização, ela retornou à cidade natal e, para sua surpresa, a faculdade ainda não havia sido ativada. Mais uma vez, os caminhos da vida de Odó seguiam para Capital. Em Salvador, passou um ano e, nesse período, ensinou no Colégio Maristas, um dos mais tradicionais da cidade.

Finalmente, em 1985, a Faculdade de Filosofia foi implantada e Odomaria pode assumir o seu posto. Sem as mínimas condições de trabalho, ela e outros professores comprometidos com a instituição, driblaram as dificuldades e tentaram oferecer o melhor aos estudantes. “A gente entrou em uma faculdade que era mais pra fazer números para o governo da época do que pra dar certo”, lembra.

Mesmo sendo criada dentro da recém inaugurada Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a FFCLJ não proporcionou aos professores da instituição uma melhor condição de trabalho. Mas nem essas dificuldades fizeram-na abandonar a Universidade. “A nossa batalha ia desde encontrar uma sala para dar aula até conseguir papel para mimeógrafo. Tudo a gente tinha que fazer, era tudo uma guerra”, recorda.

Odó viveu todos os momentos da UNEB em Juazeiro, especialmente no Departamento de Ciências Humanas (DCH), do qual foi diretora em três oportunidades. Em 1996, saiu vitoriosa na eleição para dirigir o DCH por quatro anos, porém em decorrência da mudança do estatuto da Universidade, teve que dirigir o departamento como interina. “Ser diretor interino é super incômodo, ainda mais quando você já foi eleito”, disse.

A segunda gestão veio após a abertura de novas eleições, agora com o mandato de dois anos. Em 1999, com a ausência de alguns nomes importantes do DCH para concorrer ao cargo de diretor, Odó mais uma vez candidatou-se e partiu para sua terceira gestão como diretora. No final de seu terceiro mandato, o curso de Pedagogia, até então o único do departamento, ganhou um prédio próprio que hoje também abriga o curso de Comunicação Social.

Por sua vasta história na UNEB, pelo respeito dos professores, estudantes e funcionários, Odó é considerada por alguns como acervo da instituição. “A gente sabe das normas, das pedras todas do caminho, aí acaba virando referência. A história do acervo deve vir daí”.

Ajudar a preservar a história de Juazeiro também é um percurso da vida de Odomaria. Ela coordena o projeto de pesquisa responsável por arquivar e preservar o acervo de jornais, revista e anotações guardados por uma das figuras marcantes da história dessa cidade: a Professora Maria Franca Pires.

O projeto é o ânimo a mais para Odó continuar a sua trajetória na UNEB. “Apesar de me dar muito desgaste, é um trabalho que tem me feito muito bem academicamente”, revela.

Ao fim da nossa conversa, com a elegância que lhe é peculiar, Odó perguntou quanto tempo tinha durado a entrevista.

- 56 minutos, respondi.
- Isso tudo? Eu devo ter falado muito, brincou.

Mas, o que seria 56 minutos perto de uma vida cheia de caminhos, iniciada em um dia de sábado, há 58 anos, na estreita Rua Esmeraldo Aragão?



Por Emerson Rocha