A escrita como uma prática para a vida

. 12 novembro 2009

Envolver-se em atividades lúdicas, prazerosas é o caminho para ser atraído para o mundo da escrita. É o que defende a especialista em Línguística, Angela Kleiman, que esteve em Juazeiro para acompanhar estudos de letramento, no Departamento de Ciências Humanas, da Universidade do Estado da Bahia, e visitar algumas escolas. Em entrevista, a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) discute o uso social da escrita.

Agência MultiCiência (AM): Qual a sua concepção de letramento?

Angela Kleiman: Refiro-me aos impactos que a língua escrita tem no mundo atual na vida de um cidadão comum. Antes de começar os estudos de letramento no Brasil há quinze anos, sempre se pensava a escrita no âmbito da escola. Agora, estuda-se a escrita no contexto do movimento hip hop, das associações quilombolas, no contexto de diversos movimentos sociais, no cotidiano. A escrita não se reduz ao ambiente escolar. Pensa-se o uso da escrita todo dia. Caminho pela rua, vejo uma placa para me orientar, uma propaganda. A toda hora, nós nos defrontamos com a língua escrita, e os estudos de letramento procuram averiguar o impacto que isso causa na vida do homem comum.

AM: Como os estudos de letramento contribuem para que crianças e jovens construam significados positivos da experiência escolar?


Angela Kleiman:
A criança que estabelece uma relação prazerosa com a escrita, que tem um papel escrito para rabiscar, brincar, como se fosse uma boneca, nestes casos a escrita tem um lugar na sua vida. Nas creches onde há experiências com a escrita em ambiente gostoso, as crianças desenvolvem uma boa relação, e, às vezes, são alfabetizadas em menos de um ano. Já as crianças que começam a ser alfabetizadas sem antes desenvolver relações lúdicas, de brincar com a língua escrita, enfrentam problemas. A escola pode fazer projetos de letramento que permitam que a criança reencontre o interesse pela escrita ao longo de sua vida.

AM: Como a senhora avalia a inserção do letramento nas instituições de ensino?
Angela Kleiman:
Em geral, o enfoque é voltado para atividades analíticas, quando deveria estar voltado para os resultados. As pesquisas, o ENEM, mostram que os alunos não sabem ler. Mesmo sabendo ler, não conseguem interpretar um texto. 75% dos alunos só decodificam, e não são capazes de dizer o que um texto insinua. Não há um bom nível de sucesso hoje em dia. Um aluno que, ao fazer qualquer exposição pública se perde, fica acanhado, na oralidade letrada a escola também deixou a desejar. A produção escrita é a mais notória. Não é questão de ter a ortografia certa, é deixar claro o que se quer com o texto. Frente a estes três dados: não ler com uma interpretação de um sujeito crítico, ter problemas para falar em público e não conseguir comunicar ao escrever, está claríssimo que a escola não está fazendo o seu trabalho, não é um trabalho bom de letramento. Atividades analíticas que estavam conosco há muito tempo tem que ser, na sociedade de hoje, complementadas com outras atividades porque o mundo mudou, as crianças mudaram, as experiências das crianças mudaram, e a escola não faz sentido tal como era naquela época.

AM:Como a senhora avalia o investimento na pesquisa em letramento?


Angela Kleiman: Hoje, praticamente em todo o Brasil, há muitas pessoas interessadas, não há problema de financiamento. O MEC tem o programa Pró-Letramento que chega às cidades do Brasil que têm os piores índices de aprendizagem na língua escrita e trabalha com a formação de professores na escola para melhorar o ensino da língua escrita. O MEC investiu também no Centro de Formação do Professor, e a ênfase era o letramento, na conscientização de que os usos da língua escrita abrangem muito mais que os usos tradicionalmente visados pela escola que era o literário, o científico e o jornalístico, usos que a sociedade reconhece. Hoje em dia, o governo indica trazer outros usos que não são só os legitimados para através deles chegar aos legitimados. A escola tem o papel de fazer com que todos os alunos tenham acesso a esses usos culturais mais legítimos para desfrutar do teatro, fazer discussões literárias, lançamentos de livros, vernissages. A escola pode fazer com que o aluno se interesse em um projeto que tem a ver com ele, com a vida social. A escola para a vida através da escrita, essa é a função primordial da escola.


Entrevista publicada na 18ª edição do jornal Folha do São Francisco

Por Naiara Soares, texto e foto