“Espelho, espelho meu: de que modo a educação aconteceu”

. 21 novembro 2009

Cadernos de professores, livros de atas, fotos de eventos, fichas de estudantes, jornais e revistas. Estes guardados ajudam a constituir a memória educacional de Juazeiro e estão presentes na exposição “Espelho, espelho meu: de que modo a educação aconteceu”, aberta ao público até 26 de novembro no Departamento de Ciências Humanas (DCH), da Universidade do Estado da Bahia.

A exposição só foi possível graças ao empenho inicial da pesquisadora e professora primária Maria Franca Pires, que se dedicava a recolher materiais de acontecimentos significativos de sua época com a intenção de instaurar um arquivo público da história juazeirense.

Maria não chegou a ver a realização de seu intento. Ela faleceu em 1988, aos 67 anos. Contudo, o seu arquivo pessoal foi doado à professora Odomaria Rosa Bandeira Macedo, historiadora, antropóloga e professora do DCH III, que coordena o projeto de pesquisa "O arquivo da profª Maria Franca Pires: memória e história cultural em pesquisa na região de Juazeiro/BA". Nesta entrevista, a professora fala da importância da preservação da memória cultural de Juazeiro e da exposição com os materiais guardados por Maria Franca Pires.


Agencia MultiCiencia: Como surgiu a iniciativa de fazer um projeto com o trabalho de pesquisa da professora Maria Franca Pires?

Odomaria Macedo (OM): O conhecimento que tinha da pesquisa intuitiva realizada pela professora Maria Franca, na qual reconhecia uma importância, além do afeto e afinidade pela pessoa que fora Maria; nosso interesse por história e cultura, nossas histórias de professoras, de mulheres de atuação na sociedade. Quase 15 anos após a morte dela, sua família convocou-me a receber o arquivo que resultara daquele trabalho. Eu atendi, o recebi e diante dele achei que o destino digno a dar para tanto trabalho que Maria teve e o lugar certo para seu legado seria o DCH-UNEB, juntamente com a apresentação do projeto de pesquisa O arquivo da profª Maria Franca Pires: memória e história cultural em pesquisa na região de Juazeiro/BA. O DCH III acolheu o arquivo em 2005 e de lá para cá trabalhamos com ele. Não é um trabalho de rápida execução, consiste na produção de fontes documentais a partir de materiais, fontes escritas ou fontes orais, como fotografias, jornais, revistas, cartas oficiais ou pessoais, cartazes, panfletos, cadernos de notas, diários, discursos, calendários, convites, flâmulas e muitos outros objetos. Fazemos o trabalho de levantamento do fundo do arquivo, inventariar e catalogar o acervo, classificar cada material com vistas a torná-lo disponível ao acesso das pessoas interessadas em conhecer a história e compreender a cultura regional.


Multiciencia: Qual a importância do acervo?

Odomaria: Sua importância está no volume e variedade de informações que se encontra em diversos tipos de materiais, através dos quais se pode desenvolver o conhecimento sistemático sobre muitos aspectos históricos da cultura regional, em Juazeiro e Petrolina, como técnicas, tecnologias, valores, tipos de conhecimento, a educação escolar, a comunicação, etc. Para os pesquisadores da história local, esse trabalho virá a suprir uma lacuna lastimável de fontes documentais de que se ressente Juazeiro e Petrolina, dois pólos regionais que não dispõem de espaços públicos para acesso a acervos de documentos como esses. Na pesquisa realizada pela profª Maria Franca, observa-se que já estava presente uma preocupação dela com esse tipo de problema da cultura regional e a vontade e esforço de resolver isto. Nos seus registros pessoais encontra-se a justificativa para todo o material recolhido por ela, que era a implantação de um arquivo público em Juazeiro. Mas, isso ainda não aconteceu até a presente data, embora a professora tenha se empenhado há tanto tempo atrás.


AM: O que evidenciam os elementos presentes nesta exposição?

OM: Nos cadernos das professoras Maria Franca Pires e Emília Mattos Cajé evidenciam-se o exercício profissional do professor de então; algumas práticas escolares típicas como planos de aula, programação de eventos, os conteúdos do ensino escolar, as técnicas e recursos pedagógicos. Nos livros de ata da associação de pais e mestres, destaca-se o movimento docente de organização da categoria, as preocupações dos professores com os alunos, a busca da presença dos pais no processo educacional escolar, a consciência da escola de que a sociedade encontrava-se em mudança na década de 50 e 60, e de que isso se constituía em uma questão a ser trabalhada e enfrentada por todos através da escola. Nas fotografias, os rituais escolares, os momentos de formação técnica profissional do professor, os eventos de integração da categoria docente. O diário de classe da escola da Professora Maria Franca contém as experiências vivenciadas em agosto de 1956, por ela com seus alunos do 4º ano primário na turma daquele ano. Nas revistas e jornais, constam as preocupações sociais e a visão que se tinha sobre a educação escolar. Assim, se evidenciam as condições, limites e desafios da educação escolar entre as décadas de 50, 60 e 70 do século XX diante das mudanças rápidas e intensas que se manifestavam naquele momento, especialmente pela crescente presença dos meios de comunicação de massas. Existem ainda as questões de gênero que marcaram os comportamentos, os procedimentos na escola; os entraves das políticas públicas de educação; as questões técnicas da qualificação profissional docente, as relações de poder na prática escolar, a estrutura do ensino na escola, enfim, o caráter público e os níveis de qualidade educacional na concepção da educação como direito.


Multicência: Como surgiu a idéia de fazer a exposição?
Odomaria: Em tudo que vemos, nas formas e conteúdos observados, nos materiais que compõem o acervo de memórias da educação escolar, pode-se ver o modo como se deu a educação e como os professores se autoformavam. Além disso, aparecem junto as imagens da educação escolar que insurgem nessa memória e que se processa na atualidade, levando-nos a pensar sobre a escola e sua trajetória do passado ao presente. Com isso está o porquê da abordagem que fazemos nessa exposição, de onde surgiu a idéia de fazê-la. Atuando sobre nós como um espelho, a memória da educação que se apresenta possibilita-nos refletir os educadores que somos, a escola que temos, a educação que realizamos, e o lugar de tudo isso no contexto atual. A mostra é especial sob muitos aspectos. Através dela, podem-se ver perfis biográficos de alguns professores, como nos demonstra Juliana Pires Machado no livro-reportagem Maria Franca Pires: entre papéis e vozes, lançado na abertura dessa exposição. Trata-se de um ensaio biográfico produzido através dos materiais que compõem o arquivo. Outros personagens têm sido delineados em perfis biográficos como Édson Ribeiro, através de Luis Osete. Outros poderão ainda ser pesquisados.


Por Edilane Ferreira e Naiara Soares
Foto: Kall Britto