Memórias do Transporte Fluvial pelo rio São Francisco

. 02 dezembro 2009


O apito do vapor Benjamim Guimarães no cais de Juazeiro anunciava aos passageiros que a viagem para várias cidades do médio São Francisco começava. Por mais de sete décadas, a Companhia de Navegação do São Francisco (FRANAVE) transportava pessoas, mercadorias e animais do norte baiano até Pirapora, Minas Gerais. Hoje, a companhia de Navegação é apenas uma lembrança na memória dos que conheceram e foram transportados pelos vapores ao longo do rio. “Era uma casa dentro da embarcação, confortável. Ao longo do rio, muitas belezas atraíam meu olhar, saudades de andar a bordo, principalmente quando a ponte subia para o vapor passar”, recorda a aposentada Albina Palha, que viajava mensalmente de Petrolina a Sento-Sé, para visitar a família.

A empresa de economia mista surgiu em 1898, com a incorporação de três empresas de navegação: a Companhia de Navegação Mineira do São Francisco, a Navegação do Estado da Bahia, e uma terceira a Companhia Indústria e Viação de Pirapora. Todas elas exploravam o transporte do Rio São Francisco e os seus afluentes, promovendo a coordenação do tráfego fluvial entre diversas linhas e os demais meios de transporte, mantinham e desenvolviam a indústria de construção e reparação naval. Além disso, prestava serviços a terceiros mediante ajustes ou contratos renumerados.

A Viação Baiana do São Francisco, criada pelos governos de Minas Gerais e realizava contratos individuais. Em 1899, no governo de Viana, foram adquiridos os vapores “Prudente de Morais” e “Luis Viana”. Nas viagens, os vapores eram movidos à lenha aquecida em suas caldeiras. Alguns deles foram importados como a embarcação norte-americana Saldanha Marinho. Já as lanchas chatas e as ajôjos eram construídas ao longo do cais de Juazeiro, hoje Avenida Carmela Dutra, como relata o ex-torneiro mecânico Manuel Ferreira Gomes.

As lanchas chatas eram construídas como complemento da navegação para serem rebocadas, facilitando assim o transporte de grandes toneladas de mercadorias produzidas em diferentes pontos da região, anteriormente conduzidos por barcas, ajôjos e balsas, expostas às intempéries e sujeitas a acidentes na navegação. Segundo o ex-caldeireiro Sizaltino de Brito Monteiro, na viagem pelo estado baiano, os vapores atracavam em 15 cidades como Santana do Sobrado, Casa Nova, Remanso, Sento-Sé, Pilão Arcado, Xique Xique, Bom Jesus da Lapa, transportando alimentos como sal, rapadura, farinha, gado, mandioca, dentre outros produtos produzidos na região são franciscana.

Os maiores vapores eram o Halfeld, construído em Hamburgo na Alemanha, o Benjamim de origem americana, ambos com capacidade para 170 pessoas, entre tripulantes e passageiros, e a gaiola suportava até 150 toneladas em mercadorias. O cotidiano nos vapores era bastante movimentado. Os tripulantes, ou marinheiros como eram chamados, trabalhavam em um sistema de trabalho de revezamento de quarto, de 8h às 12 horas e folgavam quatro horas. A tripulação dos vapores era dividida em classes, com o primeiro andar destinado a passageiros que pagavam por conforto, com camarotes, quartos com camas e banheiros; o intermediário, chamados de segunda classe, não havia camarote e os passageiros dormiam em redes.

No balanço doce dos vapores, a brisa fluvial batia nos camarotes. As viagens geralmente duravam 15 dias. Em épocas de cheia, o vapor era conduzido mais velozmente; na seca, os bancos de areia dificultavam a navegação e a embarcação seguia mais lentamente ao longo do rio, como relembra Sizaltino. Nas lembranças do ex-gerente da Franave, o professor José Vicente Vidal, a empresa em 1960 era composta por cerca de 1 mil funcionários entre engenheiros, mestres de pequena capotagem, caldeireiro, comandantes e gerentes. Os empregados das caldeiras, mestres e comandantes eram de Juazeiro e cidades circunvizinhas, já os engenheiros vinham de Salvador e Belo Horizonte, e a maioria morava no bairro Santo Antônio devido à proximidade do cais.

A partir da década de 70, mudanças sociais e econômicas atingem a região como a construção da Barragem de Sobradinho e produzem declínio no transporte fluvial. Segundo Vidal, “o declínio foi agravado em 1991 por falta de investimento do governo federal, estadual e também por nossos representantes não terem lutado por mais investimentos”.

Na década de 90, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a companhia detinha poucos bens e já estava quase fechada. Em 2007, no governo de Luís Inácio Lula da Silva por decreto Lei 6.020/2007, os bens foram leiloados pelo Ministério do Planejamento. Atualmente, do antigo esplendor da Companhia de Navegação, ficaram as instalações físicas da antiga Franave, na ilha do Fogo; a réplica do Saldanha Marinha, no cais de Juazeiro-Ba; as esculturas feitas por Mestre Sizaltino, alusivas ao transporte fluvial, e lembranças, muitas lembranças de um tempo em que os vapores percorriam o curso do rio da Bahia até Pirapora-MG.

Adzamara Amaral Foto: Site velhochico.net Matéria publicada no Gazzeta da edição de 28 de novembro de 2009