Do Amor e seus Encantos

. 25 março 2010
Procuro entre caixas um pequeno texto, há muito lido, guardado na memória, no coração. Há lembranças que são eternas, um filme que nos toca a alma, um olhar de despedida para um ente que se foi, uma conversa entre amantes, um amor na beira do cais. Tudo recai em contemplação, um encontro que pode se aproximar da leve sensação do sentimento amoroso. Mas o que é o amor?, questiono-me. O que o compõe, para onde nos conduz? De qual sensação esta palavra se reveste? Pois não é apenas uma palavra, é um sentimento.

Ao refletir sobre isso, encontro o texto que tanto procurava. Ele me chega às mãos envolto em tinta, papel, sentimento. De imediato, as frases trazidas pelo tempo: “Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho”.

Foram essas as palavras do padre Antônio Vieira no Sermão do Mandato, escrito em 1643, para conclamar os fiéis a pensar no verdadeiro amor - o divino - e nos remédios para curar o desassossego da alma de um amor terreno. Ao tempo, tudo estaria refém, inclusive o afeto. Se no primeiro momento tudo nos é tão risonho, encantador, com o tempo a flecha já não mais atinge com vigor. “Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge”.

Assim seria o amor curtido pelo tempo. Já não é tão interessante como outrora, o encanto já não faz palpitar o coração nem envolve os olhos na atmosfera mágica de quem devota ao outro o mais puro sentimento. O tempo retirou a magia do abraço suave no meio de uma noite escura, do sono embalado por alguém que, de forma singela, aperta-lhe a mão e lhe sussurra no ouvido uma canção, ou simplesmente te admira com o olhar do doce mistério.

O tempo corroeu o sentimento; a apatia, o encanto do que antes parecia tão intenso; a doçura e proteção já não impelem a embalar o corpo do outro. Eis que o coração desatinado nos pregou uma peça, a intolerância ruiu o breve sentimento de pertença.

Contudo, se assim nos parece, é porque o amor não era tão forte que chegasse a ser robusto, ficou apenas no “amor menino”, como nos falava padre Vieira. O tempo desfez as teias que nos faziam sermos uno na diversidade de corpos.

Ao amor, não se espera que seja eternamente um encontro de almas, mas é – sempre poderá ser - um sentimento de pertencimento, suave como a brisa da meia-noite; quente para nos acalantar ao longo das desavenças; e revigorante como imãs para atrair os desejos dos nossos corpos e mente. Espera-se que ele seja o doce encanto enquanto for possível. E, quando o desencanto nos procurar, não tememos o amor que se esvai na palma da nossa mão. No minuto seguinte, o sentimento amoroso poderá nos procurar como a brisa suave de uma manhã.

Andréa Cristiana, jornalista e professora do DCH-UNEB. Texto publicado no Gazzeta do São Francisco, edição do dia 24 de março de 2010.