"Reprimindo o uso da maconha, você tem uma desculpa para manter o controle sobre as periferias"

. 11 junho 2010
Pesquisador, antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia, Edward MacRae, participou ontem da mesa-redonda Redução de danos: uso e abuso de drogas, no Vale Humanas, no Departamento de Ciências Humanas-DCHIII. Em entrevista exclusiva aos graduandos em Jornalismo em Multimeios, Raiane Guimarães e Helen Sampaio, o professor discutiu sobre o uso social das drogas, medidas para reduzir de substâncias entorpecentes e sobre a Marcha da Maconha, prevista para acontecer em Salvador domingo. Leia, a seguir, parte da entrevista.


MultiCiência: Por que o uso da maconha ainda é considerado um problema social e por que é pouco discutido em camadas médias?

Edward MacRae: O uso da maconha tradicionalmente é um costume dos setores afro-descendentes do Brasil, assim como a Capoeira e o Candomblé. Tanto a Capoeira e o Candomblé quanto o uso da maconha tem sido reprimidos. Esses outros dois agora já estão saindo, emergindo, mas a maconha não, ainda continua sendo um tabu. Reprimindo o uso da maconha, você tem uma desculpa para manter o controle sobre as periferias, essa guerra às drogas de fato é uma guerra contra os pobres, contra a pobreza e contra a periferia. É uma maneira de justificar as chacinas e uma série de arbitrariedades. Eu inclusive, em Salvador, estou organizando A Marcha da Maconha que vai sair agora no próximo domingo. Nós estamos a um mês pedindo permissão, porque tudo vai ser feito dentro da legalidade, mas eu soube agora à tarde que estão emperrando, me disseram que tem que mandar para uns órgãos públicos, para então enviar para o setor jurídico, que tem que dar um parecer, e não sei o quê, se pode ou não pode.
A redação Multiciência comunica que a juíza Nartir Dantas, da 2ª Vara Privativa de Tóxicos de Salvador-BA impetrou uma liminar suspendendo a realização da Marcha da Maconha em Salvador. O evento estava programado para acontecer no próximo domingo, dia 3, no Farol da Barra como consta na entrevista com Pesquisador, antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia, Edward MacRae
MultiCiência: Quais são as medidas adotadas para uma possível redução de danos?

Edward MacRae:Aqui no Brasil, essa ideia de redução de danos começou a ganhar visibilidade na época do aparecimento da AIDS. Surgiu, daí a epidemia e os estudiosos detectaram que um vetor muito importante da epidemia eram os usuários de drogas injetáveis, então começou a haver todo um interesse em estudar esses usuários, desenvolver formas a fim de evitar que eles se contaminassem ou contaminassem outras pessoas. Era um ponto estratégico da epidemia da AIDS, então existia um grupo quase desconhecido, não havia nada escrito, um verdadeiro mistério, pessoas completamente excluídas da sociedade e ignoradas e que nesse momento ficaram importantes. Começou-se a perceber que era muito difícil fazer ela simplesmente parar, porque fazia mal e matava. Então, era necessário desenvolver outras maneiras de lidar com essas pessoas e evitar que elas transmitissem o vírus. Foram desenvolvidas técnicas de redução de danos, não necessariamente a fim de parar o uso, mas de ensinar a manter o controle sobre a droga, e discutir o que se poderia fazer para que seu efeito não fosse tão prejudicial tanto para o usuário quanto para o resto da sociedade. Então, se desenvolveu uma maneira mais respeitosa de falar com os usuários, um modo de não se chegar com uma mensagem de proibição, mas com um diálogo de igual para igual, e assim se entendeu que não só era possível diminuir a transmissão do vírus, mas também estabelecer contato com essas pessoas e encaminhá-las para o serviço de saúde e para vários outros serviços, porque eles se sentiam completamente excluídos. Então, foi uma forma de desenvolver também um conceito de cidadania neles e nas instituições para tratarem essas pessoas com mais respeito.


Para saber mais sobre o que pensa o professor Edward MacRae, leia a entrevista na íntegra na próxima semana.
Por: Raiane Guimarães e Helen Sampaio
Foto: Emerson Rocha