O autocuidado tem sido um termo bastante utilizado nos centros de redução de danos no uso de drogas, visando amenizar problemas trazidos em decorrência do uso excessivo dessas substâncias. Para pesquisadores e agentes sociais que estudam essa temática é através da informação sobre os danos causados que o usuário pode desenvolver o uso mais seguro e consciente. Uma das defensoras dessas medidas preventivas é a estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Luana Malheiro, que participou da mesa redonda Redução de danos: uso e abuso de drogas no III Encontro de Pesquisas em Ciências Humanas do Vale do São Francisco – Vale Humanas. Em entrevista ao MultiCiência, ela falou sobre o projeto de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis associadas ao uso de crack e o os preconceitos que têm de enfrentar durante a realização de seu trabalho. A seguir, confira a entrevista.
MultiCiência: Como surgiu a idéia do projeto de capacitação da redução dos danos relacionada às drogas?
Luana Malheiros: É um projeto de capacitação da unidade de saúde da família. Dentro dessas unidades, tem uma equipe com um supervisor e quatro redutores de danos. Primeiro, fazemos a capacitação teórica, depois, a capacitação prática em redução de danos. Na primeira parte, usamos módulos que explicam sobre o uso de drogas, aspectos sócio-culturais e a questão da redução de danos, como é que trabalham com ela os agentes comunitários ou médicos. Depois, a prática, os redutores de danos vão a campo junto com os agentes comunitários de saúde e aí vão os médicos, enfermeiros e todos os outros profissionais da unidade de saúde.
MultiCiência: Vocês recebem apoio de alguma instituição governamental?
LM: Nós recebíamos apoio da Prefeitura de Salvador. Estamos parados há cinco meses, porque foi um projeto de três anos e agora estamos esperando um novo financiamento de mais três anos, mas teremos um momento para acertar as burocracias e mandar relatórios.
MultiCiência: Que medidas vocês utilizam para ocorrer a redução de danos causados pelas drogas, especificamente as do crack?
LM: A gente fornece informação, porque fornecendo informação você capacita e concede ao sujeito autocuidado, isso é extremamente importante para a redução de danos. Por vezes, o usuário está inserido naquele contexto de rua e as unidades de saúde e outros serviços não o acessam. A idéia é justamente que os agentes redutores de da
saída. Segundo estudo terapêutico, para sair de momentos de fissura da droga - porque o crack produz um efeito estimulante no sistema nervoso central, então ele acelera o metabolismo, o usuário não consegue comer nem dormir já a maconha produz o efeito contrário, ela relaxa e abre o apetite, então seria uma das formas para reduzir os danos causados pelo crack.
MultiCiência: Você tem uma pesquisa com ênfase na prevenção das DST. De que forma as drogas poderiam ser associadas a elas?
LM: Acreditamos que quando o sujeito está sobre efeito de drogas ele perde um pouco da capacidade do autocuidado. A idéia é que nós estejamos sempre em campo, lembrando a ele a necessidade do uso da camisinha, da necessidade de fazer as testagens, de tomar os medicamentos para quem é soropositivo e detectar quais são as formas de contágio relacionada ao uso de drogas. Quase ninguém sabe, por exemplo, é que compartilhando um canudo de cocaína ou cheirando-a você pode contrair o HIV sem saber por que pegou, não é necessariamente pela prática sexual. Como trabalhamos num contexto que existe muito a soro prevalência, enfatizamos essa questão.
MultiCiência: Houve alguma situação em que vocês foram discriminados por trabalharem essa temática?
LM: Sim, acho que o tempo inteiro. O problema maior que eu identifico é no trabalho de campo. Temos que convencer o usuário de que você não é uma figura que está ali para discriminá-lo ou pra atentar contra seus direitos. Estamos ali pelo contrário, para resgatar a autonomia dele, trabalhar com os direitos humanos. Temos também que convencer a parte repressora, a polícia. Já aconteceu, por exemplo, de estarmos em campo e os redutores terem que passar por revista de policiais. São situações bem desagradáveis mesmo. Não sei se é discriminação, mas acho que também é uma falta de compreensão das pessoas do que seja a redução de danos. Sempre surgem perguntas como: “Ah! Como é que você vai trabalhar com usuário de crack?! Eles têm que ter abstinência”. A redução de danos não acredita em abstinência, não interfere no uso ou desuso de drogas. É uma questão da autonomia do sujeito, ele tem vontade própria para escolher se quer ou não utilizá-las. Agimos para compartilhar informações de um uso mais seguro e consciente.
MultiCiência: Como é realizada a divulgação desse projeto?
LM: Apresentamos congressos, temos um trabalho na área da articulação de redes, procuramos fazer um mapeamento de outros projetos que trabalham com a questão. Uma iniciativa que tomei quando tive oportunidade foi a de sentar com outras pessoas que trabalham com um público similar, ver como poderíamos trabalhar juntos. Por exemplo, acessamos um público que o centro de testagem não consegue acessar, então, fizemos uma parceria, vou a campo, acesso o usuário e faço o encaminhamento dele à unidade de testagem e aconselhamento.
Por Taiane Sandes
Fotos Emerson Rocha