Redes sociais podem interferir na eleição, diz cientista político

. 27 outubro 2010
Com a proximidade da decisão do segundo turno, a disputa presidencial continua acirrada e questões polêmicas atribuídas aos candidatos Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB) divulgadas nas redes sociais ganham cada vez mais destaque, tornando-se decisivas para a conquista do eleitorado.

Em entrevista à Agência Multiciência, o professor de Ciências Políticas, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Vanderlei Souza Carvalho afirma que as redes sociais interferiram no desempenho eleitoral de candidatos no primeiro turno como de Marina Silva (PT) e podem estimular a migração de votos nesta fase decisiva da campanha. Ele também analisa a viabilidade das pesquisas eleitorais para diagnosticar as intenções de votos e a interferência do discurso religioso no pleito, questionando o posicionamento de líderes religiosos em um Estado laico no processo eleitoral.

“Lideranças religiosas podem dizer para seus fiéis não praticar o aborto, mas elas não poderiam jamais se achar no direito de dizer para o presidente de um país que ele não legalize o aborto”, declara.

Multiciência (M) - As pesquisas eleitorais são válidas para diagnosticar a intenção do voto? Como o eleitor pode interpretá-las?
Vanderlei Carvalho (VC)- No Brasil, existe uma “febre de pesquisas”. Os institutos correm para fazer as suas apresentações, mas como possuem um prazo curto, muitas vezes utilizam de metodologias duvidosas. O resultado do primeiro turno eleitoral deixou uma situação um pouco desconfortável, porque nenhum dos institutos de pesquisa chegou a fornecer o dado exato ou próximo do real. Aconteceram algumas coisas de última hora, as redes sociais divulgaram uma fala atribuída à candidata Dilma Roussef de “que nem Jesus Cristo tiraria a eleição delano primeiro turno”. Isso teve um forte impacto. Ainda houve também a influência das lideranças evangélicas e católicas fazendo pedidos para não votar na candidata do PT. Este foi um fenômeno que as pesquisas eleitorais não puderam captar.

M - Houve uma mudança pragmática no voto, as pessoas preferem votar hoje nos candidatos do que nos partidos?
VC -As pessoas podem não votar nos partidos no Brasil, mas votam contra os partidos. O Partido dos Trabalhadores (PT) tem provavelmente a maior marca política entre os eleitores brasileiros e se beneficiou disso por muito tempo, os adversários perceberam e fazem uma campanha contra o voto no PT. Hoje, se vota muito mais na pessoa e menos no partido, mas essa campanha está revelando algumas novidades. Por exemplo, as temáticas religiosas ganharam uma grande importância. A candidata Marina Silva atraiu muitos votos com uma campanha diferenciada que parecia conversar com eleitor e não reproduzindo uma peça de marketing. Isso certamente atraiu a atenção do eleitor principalmente os que gostam de votar em pessoas. Ela ganhou os votos das pessoas que recusaram a votar no Serra em função da representação do PSDB e não queriam votar na Dilma devido às revelações de última hora, que dizia que Dilma apoiaria uma mudança na legislação sobre o aborto no Brasil. A questão de votar nas pessoas está forte na eleição brasileira, mas penso que a marca dessa eleição são as redes sociais e as temáticas religiosas.

M - De que forma a religião interfere na escolha do eleitor?
VC - Em um país religioso como Brasil interfere muito. A religião deve conduzir seus fiéis para os caminhos adequados de acordo com as suas escrituras, não deve determinar o modo que toda uma sociedade viverá. O Estado é laico e houve uma separação entre Igreja e Estado há muito tempo, mas as igrejas se recusam sistematicamente a perder essa influência que tiveram no passado e fazem uma combinação estranha de fé e política em que candidatos se aproveitam disso no momento eleitoral. O complicado é que o aborto esta sendo tratado da pior maneira possível. O aborto é uma questão de saúde pública, não é um problema de fé. As lideranças religiosas têm trabalhado afirmando que quem defende o aborto não defende a vida. Lideranças religiosas podem dizer para seus fiéis não praticar o aborto, mas elas não poderiam jamais se achar no direito de dizer para o presidente de um país que ele não legalize o aborto. Deve-se tratar o aborto como saúde pública. Nós estamos tendo um tratamento ruim do tema, o que vai atrasar as discussões. As questões verdadeiramente importantes, aquelas que um Presidente da República deve colocar no seu programa de governo estão ficando em segundo plano em função da campanha moralista. Há uma questão neopolítica, o candidato ele se aproveita do que é importante no momento. Em eleição, o primeiro objetivo é ganhar. Dilma e Serra pertencem a partidos e envolvimentos políticos com grandes semelhanças nas questões de natureza moral relacionada aos costumes. Eles não seriam tão diferentes se eles tivessem debatendo em outro momento. Ambos consideram aborto como problema de saúde pública, mas eles estão sendo forçados: um a afirmar e a outra a negar em função da importância que as religiões têm no Brasil.

M- O que significou o voto de Marina Silva? E qual será o destino desses votos no segundo turno?

VC - Marina Silva é uma liderança política importante e foi escolhida pela mídia para levar a eleição para o segundo turno. Os grandes meios de comunicação acreditam que o combate deve ser feito nas duas frentes. Com a possibilidade de uma candidatura ligada ao PT, deixando de fora o candidato mais apreciado pelos meios de comunicação, eles então apostaram na Marina Silva. Contudo, o voto para Marina foi derivado parte da pessoa que acredita na defesa do meio ambiente e respeita esse programa. Esse voto consciente representou provavelmente um terço dos votos dela. Outra parte dos votos era referente à aversão ao PT, e um terceiro grupo que rejeitava tanto o PT como o PSDB - não queria a volta do PSDB mas também estava descontente com o PT. E tudo isso foi reforçado pelos boatos que as redes sociais espalharam pela internet. E teve ainda o voto religioso que migrou de última hora, esse voto que quebrou as pesquisas. Alguns pela afinidade política votavam no Serra ou na Dilma e, ao saber das últimas informações e boatos, eles migraram de última hora para Marina Silva. É muito difícil saber qual posição esse eleitor de Marina Silva vai tomar. O Partido Verde está muito dividido. O voto mais consciente na Marina se dividirá talvez até pró Dilma, mas como ela recebeu votos de um grupo tão variado fica difícil definir.

M- Como você analisa que as redes sociais interferiram no processo eleitoral?
VC - As redes sociais foram fundamentais para a existência do segundo turno. Não sabíamos o peso dessas redes, não tínhamos essa dimensão. Por exemplo, no dia em que a ex-aluna da esposa de José Serra resolveu revelar no Facebook que a professora tinha dito que fez um aborto nos anos 60, no dia seguinte estava em todos os meios de comunicação. Talvez o dado inovador dessa eleição seja que as redes sociais assumiram uma importância que ninguém imaginava. Apenas suspeitávamos. As redes sociais surgem como um novo instrumento que - se bem utilizado - é muito forte.

M - O que pode representar fenômenos como Francisco Everardo Oliveira Silva, Tiririca, eleito pelo estado de São Paulo com a maior votação, cerca de 1,35 milhão de votos?
VC - Existe um eleitorado brasileiro que vota por ser obrigado a votar e que gosta de fazer algum tipo de protesto, humorado ou não. As pessoas faziam isso com a cédula eleitoral, escrevia na cédula, mas hoje não se tem acesso. O candidato que se apresente com um protesto engraçado ganha o voto de um eleitorado grande. Porém, qualquer candidato que recebe um milhão e trezentos mil votos merece ser representado. Agora não é perguntar o que se faz com o Tiririca, mas qual a vontade desses eleitores que votaram nesse candidato? Existem pessoas dizendo que Tiririca é o mal menor. Eu acredito também nisso. As pessoas estão mais insatisfeitas com a campanha do segundo turno de temáticas religiosas do que com a eleição de um ou outro parlamentar estilo Tiririca. Ele não é o primeiro parlamentar exótico, Clodovil Hernandes e o Enéas foram eleitos também pelo voto de protesto. Não é de se surpreender tanto, algumas lideranças políticas estão tratando a eleição de Tiririca sob uma perspectiva moral tentando sugerir que o povo não sabe votar e pensando meios de impugnar a candidatura dele, mas a democracia só garante que as pessoas tenham liberdade para fazer escolhas. Não garantem que elas façam as escolas corretas.

M- Quem ganha a eleição 2010? Dilma ou Serra?
VC - Existem algumas hipóteses quanto à eleição. O candidato José Serra precisava fazer um esforço muito grande que era ao mesmo tempo apresentar-se como candidato viável e desconstruir o projeto da Dilma Roussef para que ela perdesse muitos votos. Entretanto, a candidata Dilma participa de um governo bem avaliado, enquanto Serra faz parte de um governo que saiu muito desgastado. No contexto que ficou a eleição no primeiro turno a candidata do PT precisava apenas não perder mais votos. Se ela mantivesse o eleitorado que ela teve no primeiro turno, ela deixaria Serra com a obrigação de ter que adquirir 15 pontos percentuais para poder vencer a eleição. Acredito que a Dilma Roussef sofreu o impacto de ir para o segundo turno. Ela não esperava. O quadro que se desenha hoje é o de uma eleição apertada e de uma disputa acirrada entre os dois candidatos.

Por Juliane Peixinho (Texto) e Larissa Nascimento (Foto). Entrevista publicada com exclusividade no Jornal Gazzeta do São Francisco, edição de quarta-feira (27.10.2010).