O sistema público de TV ainda precisa de investimento

. 29 novembro 2010

A maior participação da comunidade na veiculação e produção do sistema de televisão pública tem sido estimulada em todo pais. Existem hoje mais de 50 canais universitários, quase 80 são mídias comunitárias, além das mídias legislativas, que compõem o sistema público. Contudo, para o jornalista, professor e Doutor em Integração da América Latina, Pedro Henrique Falco Ortiz, “produzir televisão custa dinheiro, mesmo que os equipamentos estejam mais baratos, pois as pessoas têm que ter condições para trabalhar e ter orçamento para produzi-la”.


Diretor geral da TV Universidade de São Paulo (USP), Pedro Ortiz esteve em Juazeiro-Ba na primeira semana de novembro para falar sobre televisão pública, produção universitária e a convergência para mídias digitais. Ele participou do lançamento da WebTVJuazeiro, primeira mídia universitária digital da região, que pode ser acessada no endereço http://www.webtvjuazeiro.uneb.br/.


Em entrevista à Agência Multiciência, Ortiz esclareceu como os canais educativos e universitárias podem participar do sistema público e como os conselhos de comunicação, recém implantados no Ceará, podem democratizar o acesso aos meios de comunicação. O professor defende ainda a regulamentação do Artigo 223 da Constituição Federal, que fala da complementaridade do sistema de televisão seja privado, público, estatal e não-estatal.

Multiciência- Como os Conselhos de Comunicação podem ser considerados uma forma de democratização dos meios de comunicação e como o senhor os avalia?

Pedro Ortiz- Um dos consensos da primeira Conferência Nacional de Comunicação no ano passado foi essa recomendação para a criação desses conselhos, que podem ser municipais, regionais, estaduais e até federais. Os conselhos não podem ser vistos como instrumentos de fiscalização. Se eles forem criados como órgãos vinculados a um dos poderes, seja executivo, legislativo ou judiciário, serão conselhos estatais, porque são os três poderes do estado. Eles devem ser públicos e o conselho tem que ser da sociedade, ter seus representantes eleitos pela sociedade, fazer uma eleição para esses representantes e ter uma gestão pública. A propósito do que se apresenta desses conselhos, já esbarra nesse problema, porque alguns estão sendo criados dentro das Assembleias Legislativas dos estados. Então, você vê conselhos vinculados ao legislativo, o que é uma diminuição do alcance desses conselhos. Agora, a sociedade precisa ter formas também de autorregulação que é importante. Às vezes não basta criar um mecanismo de regulação porque ele sozinho não vai ter como ser operacionalizado, não adianta produzir uma boa legislação se na prática não vai ser aplicada. Primeiro, a gente teria que pensar mesmo na finalidade, na concepção desses conselhos, na gestão, na participação, na composição deles e nos seus objetivos. Agora, temos que estudar um pouco o que existe e vários países têm conselhos de comunicação, alguns até conselhos federais como nos Estados Unidos. O que eu acredito que seja fundamental é que esses conselhos possam ser independentes dos poderes do estado, do executivo, do legislativo e do judiciário e livres do domínio econômico.

Multiciência- Como o senhor vê as implantações das TVs públicas e qual a importância para a sociedade?

Pedro Ortiz- As TVs universitárias estão dentro do que a gente chama de campo público da televisão que começou a se reconhecer como tal a partir do Primeiro Fórum Nacional de TVs Públicas há dois anos. É algo muito recente, embora a gente tenha TVs do campo público que já tem uns 40 anos de existência como algumas educativas. O campo público de televisão vai se constituindo hoje a partir das TVs universitárias, das comunitárias, das legislativas, das estatais, das educativas e culturais. Agora, ele é um campo muito heterogêneo. Por exemplo, boa parte das TVs educativas são vinculadas a governo do estado e as legislativas são muito ligadas aos poderes legislativos municipais, estaduais, federais, portanto, são TVs estatais. As TVs universitárias são compostas pelas universidades públicas e as particulares. Os canais comunitários alguns têm uma gestão mais ampla e outros estão nas mãos de grupos menores, então há uma diversidade muito grande que existe nesse chamado campo público da televisão. A gente precisa ter a definição da regulamentação do Artigo 223 da Constituição Federal, que fala da complementaridade do sistema de televisão e, ao lado do sistema privado, o sistema público, estatal e não-estatal. Precisamos ainda regulamentar esse sistema público não-estatal e também ter mecanismos de financiamento da produção das TVs públicas, mecanismos de incentivo de migração para a TV digital. É um terreno que está começando a ser explorado, tem muita coisa para acontecer ainda nesse campo. Porém, a gente não pode correr o risco de, por exemplo, perdermos o tempo, o time da mudança da migração para a TV digital, ou seja, as TVs do campo público têm que está todas na TV digital aberta, se isso não acontecer elas vão ficar fora do sistema de televisão quando a analógica sair do ar a partir de 2016..

Multiciência- O que essas TVs implicam na oferta de trabalho para profissionais da área?
Pedro Ortiz- Existem hoje mais de 50 canais universitários no Brasil, e quase 80 comunitários no Brasil. A tendência é que continuem crescendo. O que precisa existir é uma compreensão maior do papel dessas TVs do campo público e qual a sua finalidade e acredito também que é fundamental trazer para dentro dos cursos de Comunicação disciplinas que sejam sobre comunicação pública. Então, vamos discutir as TVs, rádios públicas dentro desses cursos, debater o sistema público de comunicação, trazer esses conteúdos como curriculares dos cursos de comunicação para que os estudantes tenham a oportunidade de conhecer o sistema público de comunicação ou a comunicação pública no sentido mais amplo, as experiências internacionais e nacionais. Devem ter uma formação também voltada para a área pública, porque boa parte do mercado é hoje composto pelas mídias públicas.

Multiciência- Em relação à TV pública universitária falta divulgação dessa produção?
Pedro Ortiz- Percebo que muitas vezes a gente está restrito ao sistema de TV a Cabo, ou mesmo na internet a qual nem todo mundo tem acesso. O ideal seria todas as TVs públicas estarem em TV aberta e isso é desejável com a migração para o sistema de TV digital. Agora, a divulgação passa também pelas próprias universidades. Quem faz TV universitária, às vezes, divulga mal o nosso trabalho, ou oferecemos poucas possibilidades para que as pessoas tenham acesso ao que é produzido. Colocar a produção na internet é algo muito importante, criar Webtvs como, por exemplo, a Universidade do Estado da Bahia, está fazendo é algo muito interessante, porque também potencializa o acesso das pessoas, que vão poder de várias partes acessarem esses conteúdos.

Multiciência- A produção pública tem futuro?

Pedro Ortiz- Tem porque cada vez mais a produção audiovisual está crescendo. Existe a TV comercial, existe a mídia comercial, e a pública. A mídia pública tem outras finalidades, então, existe espaço sim, e isso tende a crescer. Agora, as mídias públicas, as TVs universitárias, em particular as TVs públicas, têm que saber como elas vão conseguir se tornar espaços reais de produção para que as pessoas possam trabalhar e que tenham condições de ter orçamento e financiamento para essa produção, porque produzir televisão custa dinheiro, mesmo que os equipamentos estejam mais barato. Todas essas pessoas que trabalham na TV precisam ser remuneradas, elas têm que ter orçamento, fonte de recursos, poder captar apoio cultural, uma série de coisas. O segmento produção audiovisual está se redesenhando e é muito rentável, vemos o interesse pela produção de conteúdo de audiovisual hoje pela telefonia móvel e para a internet. As empresas de telefonia estão entrando pesadamente nesse negócio da produção de audiovisual. As TVs públicas e as universitárias dentro desse campo público precisam se preparar melhor para poderem jogar digamos nesse campo. Algumas estão conseguindo fazer, mas a maioria ainda não.

Por Raianne Guimarães (texto) e Emerson Rocha (foto). Entrevista publicada no Jornal Gazzeta do São Francisco, edição de sábado (27/11).