Raças nativas são ameaçadas

. 09 maio 2012

     Raças nativas são ameaçadas 



“Não há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao convívio com o homem”. O trecho da carta de Pero Vaz de Caminha comprova a inexistência de animais domésticos no Brasil, antes da chegada dos colonizadores portugueses, em 1500. Através das viagens marítimas, foi possível transportar raças ibéricas de espécies como caprinos, equinos, suínos, aves, dentre outros, trazidas pelos portugueses e espanhóis.

Os animais descendentes das raças trazidas pelos colonizadores são considerados nativos ou naturalizados. Estes animais sofreram um longo processo de seleção natural, adquirindo, assim, características únicas de adaptação. Apesar disso, possuem baixa produtividade. Desde o início do século XX, a importação das raças exóticas, selecionadas em regiões de clima temperado, provocou a substituição das raças nativas, como explicou a pesquisadora Maria do Socorro Maués Albuquerque, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, do Distrito Federal.
Maria do Socorro ministrou uma palestra sobre o assunto no último dia 27, durante a II Amostra do Cavalo Nordestino, organizada pela associação equestre e de preservação do Cavalo Nordestino (AEPCN), na sexta edição da Expo Vale (Exposição de Caprinos e Ovinos do Vale do São Francisco), em Juazeiro. O tema discutido foi a “Importância das raças naturalizadas no Brasil: Passado, Presente e Perspectivas futuras”. Doutora em Ciências Biológicas, seu trabalho está voltado à conservação e caracterização das diversas raças de animais naturalizados no País.

Maria do Socorro Maués Albuquerque, doutora em Ciências Biológicas (Genética). Atua na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia - Cenargen, em Brasília
 
“A riqueza de uma raça é a variabilidade genética”, enfatizou a pesquisadora em entrevista ao MultiCiência, minutos antes de sua palestra no evento. “Os animais de raças naturalizadas possuem genes de rusticidade e adaptação que podem ser alternativas importantes para utilização futura. Eles têm genes de características únicas e não podemos perder isso. Quando se procura a raça mais produtiva, você diminui a variabilidade. Ficam todos iguais”, completou.
Ela ressaltou a importância de agregar valores às raças naturalizadas, o que poderia aumentar o potencial comercial desses animais, em sua respectiva região. “Lá no Pantanal uma cavalo da raça árabe, por exemplo, é mais suscetível a doenças e tem mais dificuldades de sobreviver às condições adversas da região quando comparado ao cavalo pantaneiro, adaptado e muito mais resistente. Isso ocorre devido aos cinco séculos de seleção natural. Sobrevivem aqueles que possuem genes de adaptação e rusticidade”, comentou.
No Nordeste, existem cerca de 26 tipos raciais de caprinos naturalizados. São exemplos: Moxotó e Pardo-Sertaneja. Quanto aos ovinos, se destacam Santa Inês, Morada Nova, Somalis Brasileira, Bergamácia Brasileira e Rabo Largo, entre outros. Também existe perigo de extinção de algumas dessas raças no país, provocada pelo baixo efetivo de animais nativos que são explorados pelo mercado.
A pesquisadora diz que a lã da ovelha sulista Crioula Lanada está fora dos padrões de qualidade. Apesar disso, hoje, existe uma cooperativa de artesãs que produzem artesanato e tapetes utilizando esse material. A lã possui tonalidades do branco ao negro. “Existem raças características que podem ser mantidas. Podemos agregar valores às raças naturalizadas”, sugeriu Maria do Socorro.
Maria do Socorro atua no Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), unidade da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). O Cenargen desenvolve projetos em parceria com outras instituições e coordena a Plataforma Nacional de Recursos Genéticos. Há iniciativas de conservação das raças naturalizadas, a partir da criação, por exemplo, dos Núcleos de Conservação, que auxiliam na tarefa de monitoramento e na manutenção da máxima variabilidade genética.
A Convenção da Diversidade Biológica (CDB), no artigo 2º, define Recursos Genéticos como sendo “material genético de valor real ou potencial para o ser humano”. E material genético “significa todo material de origem vegetal, animal ou microbiana, ou outra, que contenha unidades funcionais de hereditariedade”.
“A gente quer que essa semente seja lançada em todos os lugares. Precisamos contar com cada um de vocês como multiplicadores da importância da conservação dos recursos genéticos”, enfatizou Maria do Socorro. Segundo ela, a importância das raças naturalizadas está também no fato de servirem como fontes de genes potenciais, que podem vir a serem disponibilizados para programas de melhoramento genético animal e de biotecnologia, visando atender demandas futuras.
O objetivo da conservação desses recursos animais é preservar o material genético de raças conhecidas como naturalizadas, que se encontram ameaçadas de extinção e contribuir para sua inserção no mercado, através da sua caracterização genética e produtiva. “Não existe conservação sem utilização”, disse a pesquisadora do Cenargen Maria do Socorro, sobre a importância do uso desses materiais. 
Seleção 
Uma outra alternativa utilizada para aumentar o interesse comercial dos criadores sobre animais de raças naturalizadas é a seleção. Como explica o presidente da AEPCN, Luis Cléber Soares Machado. “O cavalo nordestino está ameaçado por causa das questões comerciais. Então, o nosso objetivo é tentar selecionar, mostrar que são animais que podem competir com todas as outras raças em várias outras atividades”. Para mais informações, acessem a entrevista ao presidente, realizada pelo Multiciência, em 2010.


                                                                                                            Texto: Luna Layse e Ricardo Sousa
Fotos: Paulo Pedroza