“O direito à comunicação é fundamental
para consolidar a democracia”
Texto:
Paulo Pedroza
Fotos:
Gisele Ramos
O
ser humano vive hoje uma época de inovações tecnológicas e convergência
midiática. Cada vez mais se fala em uma comunicação sem fronteiras, que conecta
todo o mundo. A TV digital e a internet banda larga já fazem parte do cotidiano,
embora nem todos tenham acesso. Mesmo diante deste cenário, a atual legislação
no setor das comunicações é arcaica e defasada, pois o Código Brasileiro de
Telecomunicações está em vigor desde 1962 e até hoje não sofreu alterações.
Questões
como essas foram apresentadas pela jornalista Cecília Bizerra, integrante do
Coletivo Intervozes e ex-assessora da Câmara dos Deputados para o tema das
políticas nacionais de comunicação, em sua participação no seminário
“Comunicação Pra Quê? Por uma Nova Pauta no Sertão”. O evento aconteceu entre
os dias 18 e 20 de outubro no Auditório Antônio Carlos Magalhães, na
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Juazeiro.
Em
entrevista ao MultiCiência, durante
a conferência de abertura do seminário no último dia 18, a jornalista falou um
pouco sobre os novos rumos da comunicação no Brasil e os principais desafios para
a implantação de um Novo Marco Regulatório para a área. Cecília enfatizou a
necessidade de uma comunicação igualitária, com representatividade popular,
onde os diversos segmentos sociais sejam ouvidos para a consolidação da
verdadeira democracia.
MultiCiência: As discussões sobre a
“democratização da comunicação” aos poucos têm ganhado o seu espaço. Mas, temas como estes, muitas vezes, são
tratados de forma superficial nos cursos de Jornalismo. Precisamos discutir mais os rumos da
comunicação?
Cecília Bizerra: Este
debate encontra espaço, mas não nos meios de comunicação. A grande mídia, na
verdade, boicota essa discussão, até porque não é do interesse dela que haja
regulação no setor. Uma legislação que proíba os monopólios e oligopólios, que
promova a produção regional não é de interesse da grande mídia, porque isso vai
tirar poder, influindo inclusive na publicidade dessas emissoras. Mas a
sociedade vem pautando bastante a discussão e isso é bom. Graças a uma
mobilização da própria sociedade outros movimentos que não são específicos da
democratização da informação estão se integrando, como os movimentos negros, de
mulheres, de juventude, de desenvolvimento rural etc. Eles estão reconhecendo a
importância estratégica da comunicação. Agora, quando nos referimos aos cursos
de Jornalismo, há uma constatação triste, infelizmente, pois formam quase que
exclusivamente para o mercado e deixam a desejar nessa formação mais crítica
mesmo, cidadã. Tratam pouco da comunicação comunitária, da comunicação popular,
essas disciplinas ficam meio marginalizadas dentro do currículo, porque não dão
dinheiro.
MultiCiência: Durante o evento, você
falou sobre a defasagem do atual Código Brasileiro de Telecomunicações, que foi
criado em 1962. Quais são as linhas de atuação da Conferência Nacional de
Comunicação (Confecom) quando se trata de um novo marco regulatório?
Cecília Bizerra: A
gente propõe uma série de medidas que se tornem legislação, para que inibam o
monopólio e oligopólio dos meios de comunicação, pois eles estão nas mãos de
poucas pessoas, poucas famílias, poucos grupos. Queremos um conselho de
comunicação social que ofereça um espaço para se debater políticas de
comunicação nos estados e municípios. Lutamos por uma legislação de
radiodifusão comunitária que não criminalize estes veículos, mas que, pelo
contrário, promova e facilite o seu trabalho. É preciso também um maior
financiamento para os veículos comunitários, que garanta o seu funcionamento,
assim como uma ampliação também do raio de abrangência das rádios, que hoje é
ridículo. A gente quer que sejam regulamentados os artigos constitucionais referentes
à comunicação, principalmente aqueles que se referem à cota de produção
regional, da produção independente. Precisamos de uma mídia que dê espaço para
mais vozes e respeite os segmentos minoritários. São uma série de medidas, não
é uma lei só, é um conjunto de novas leis que formam um novo marco regulatório.
MultiCiência: Qual é o principal desafio
para a implantação do novo marco regulatório? A população está preparada para
esta possível realidade?
Cecília Bizerra |
Cecília Bizerra: É
uma avaliação bem complexa, mas eu acho que a sociedade está mobilizada, embora
massivamente não esteja. Existem muitos setores atuando nessa luta, organizações,
movimentos sociais, sindicatos de jornalistas e até mesmo a Academia. Muitas
organizações e segmentos da sociedade civil estão interessados nisso, porque
percebem que a comunicação é estratégica, é importante. A democracia no país só
vai se estabelecer quando houver uma democratização dos meios de comunicação. Eles
são fundamentais para a consolidação da democracia na sociedade brasileira. As pessoas estão mobilizadas, mas falta o
governo tomar alguma iniciativa e propor uma comunicação onde todos possam ser
ouvidos.
MultiCiência: Mas o governo vem com um discurso que o novo
marco tem a finalidade de controlar a informação, que seria uma espécie de
censura...
Cecília Bizerra: Essa
é apenas uma forma de superficializar e desqualificar o debate. Mas não é
censura, pelo contrário, é democracia pura, é representação popular. O governo
quer empobrecer o real sentido da discussão.
MultiCiência: O Seminário teve como tema
“Comunicação pra quê?”. Afinal, pra que comunicação?
Cecília Bizerra: Comunicação
para a democratização, comunicação para aprofundar as discussões sobre a
democracia, comunicação para o desenvolvimento local, da comunidade,
comunicação para a vida. A comunicação é fundamental, não pode ser esquecida. Por
isso que a gente luta tanto por esse direito. A comunicação é garantida pelas
legislações internacionais. Está na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Está na Constituição. O direito à comunicação, à liberdade de expressão é
básico para a consolidação da democracia. Por isso, lutamos tanto por ele.