Democratização da Comunicação

. 28 outubro 2012
“O direito à comunicação é fundamental para consolidar a democracia”



Texto: Paulo Pedroza
Fotos: Gisele Ramos

O ser humano vive hoje uma época de inovações tecnológicas e convergência midiática. Cada vez mais se fala em uma comunicação sem fronteiras, que conecta todo o mundo. A TV digital e a internet banda larga já fazem parte do cotidiano, embora nem todos tenham acesso. Mesmo diante deste cenário, a atual legislação no setor das comunicações é arcaica e defasada, pois o Código Brasileiro de Telecomunicações está em vigor desde 1962 e até hoje não sofreu alterações. 

Questões como essas foram apresentadas pela jornalista Cecília Bizerra, integrante do Coletivo Intervozes e ex-assessora da Câmara dos Deputados para o tema das políticas nacionais de comunicação, em sua participação no seminário “Comunicação Pra Quê? Por uma Nova Pauta no Sertão”. O evento aconteceu entre os dias 18 e 20 de outubro no Auditório Antônio Carlos Magalhães, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Juazeiro.

Em entrevista ao MultiCiência, durante a conferência de abertura do seminário no último dia 18, a jornalista falou um pouco sobre os novos rumos da comunicação no Brasil e os principais desafios para a implantação de um Novo Marco Regulatório para a área. Cecília enfatizou a necessidade de uma comunicação igualitária, com representatividade popular, onde os diversos segmentos sociais sejam ouvidos para a consolidação da verdadeira democracia.

MultiCiência: As discussões sobre a “democratização da comunicação” aos poucos têm ganhado o seu espaço.  Mas, temas como estes, muitas vezes, são tratados de forma superficial nos cursos de Jornalismo.  Precisamos discutir mais os rumos da comunicação?
Cecília Bizerra: Este debate encontra espaço, mas não nos meios de comunicação. A grande mídia, na verdade, boicota essa discussão, até porque não é do interesse dela que haja regulação no setor. Uma legislação que proíba os monopólios e oligopólios, que promova a produção regional não é de interesse da grande mídia, porque isso vai tirar poder, influindo inclusive na publicidade dessas emissoras. Mas a sociedade vem pautando bastante a discussão e isso é bom. Graças a uma mobilização da própria sociedade outros movimentos que não são específicos da democratização da informação estão se integrando, como os movimentos negros, de mulheres, de juventude, de desenvolvimento rural etc. Eles estão reconhecendo a importância estratégica da comunicação. Agora, quando nos referimos aos cursos de Jornalismo, há uma constatação triste, infelizmente, pois formam quase que exclusivamente para o mercado e deixam a desejar nessa formação mais crítica mesmo, cidadã. Tratam pouco da comunicação comunitária, da comunicação popular, essas disciplinas ficam meio marginalizadas dentro do currículo, porque não dão dinheiro.

MultiCiência: Durante o evento, você falou sobre a defasagem do atual Código Brasileiro de Telecomunicações, que foi criado em 1962. Quais são as linhas de atuação da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) quando se trata de um novo marco regulatório?
Cecília Bizerra: A gente propõe uma série de medidas que se tornem legislação, para que inibam o monopólio e oligopólio dos meios de comunicação, pois eles estão nas mãos de poucas pessoas, poucas famílias, poucos grupos. Queremos um conselho de comunicação social que ofereça um espaço para se debater políticas de comunicação nos estados e municípios. Lutamos por uma legislação de radiodifusão comunitária que não criminalize estes veículos, mas que, pelo contrário, promova e facilite o seu trabalho. É preciso também um maior financiamento para os veículos comunitários, que garanta o seu funcionamento, assim como uma ampliação também do raio de abrangência das rádios, que hoje é ridículo. A gente quer que sejam regulamentados os artigos constitucionais referentes à comunicação, principalmente aqueles que se referem à cota de produção regional, da produção independente. Precisamos de uma mídia que dê espaço para mais vozes e respeite os segmentos minoritários. São uma série de medidas, não é uma lei só, é um conjunto de novas leis que formam um novo marco regulatório.

MultiCiência: Qual é o principal desafio para a implantação do novo marco regulatório? A população está preparada para esta possível realidade?

Cecília Bizerra
Cecília Bizerra: É uma avaliação bem complexa, mas eu acho que a sociedade está mobilizada, embora massivamente não esteja. Existem muitos setores atuando nessa luta, organizações, movimentos sociais, sindicatos de jornalistas e até mesmo a Academia. Muitas organizações e segmentos da sociedade civil estão interessados nisso, porque percebem que a comunicação é estratégica, é importante. A democracia no país só vai se estabelecer quando houver uma democratização dos meios de comunicação. Eles são fundamentais para a consolidação da democracia na sociedade brasileira.  As pessoas estão mobilizadas, mas falta o governo tomar alguma iniciativa e propor uma comunicação onde todos possam ser ouvidos.

MultiCiência:  Mas o governo vem com um discurso que o novo marco tem a finalidade de controlar a informação, que seria uma espécie de censura...
Cecília Bizerra: Essa é apenas uma forma de superficializar e desqualificar o debate. Mas não é censura, pelo contrário, é democracia pura, é representação popular. O governo quer empobrecer o real sentido da discussão.

MultiCiência: O Seminário teve como tema “Comunicação pra quê?”. Afinal, pra que comunicação?
Cecília Bizerra: Comunicação para a democratização, comunicação para aprofundar as discussões sobre a democracia, comunicação para o desenvolvimento local, da comunidade, comunicação para a vida. A comunicação é fundamental, não pode ser esquecida. Por isso que a gente luta tanto por esse direito. A comunicação é garantida pelas legislações internacionais. Está na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Está na Constituição. O direito à comunicação, à liberdade de expressão é básico para a consolidação da democracia. Por isso, lutamos tanto por ele.