"A televisão precisa ser mais generosa"

. 29 maio 2013



 Imagens em preto e branco, desfocadas e com alguns chuviscos indecifráveis.  Essas eram as características da primeira transmissão de TV no Brasil na década de 50. Considerada na época um artigo de luxo, a televisão chegou pelas mãos de Assis Chateaubriand “seduzindo” e surpreendendo os telespectadores acostumados com o rádio. Em pouco tempo, ela se popularizou, evoluiu, e se transformou em um importante veículo da indústria cultural.

A televisão exerceu grande influência no comportamento das pessoas interferindo no seu dia a dia por meio das novelas, publicidade, programas de entretenimento, telejornais. “A TV é um instrumento poderoso, de mediação social que estimula o consumo e que deveria investir mais na divulgação da cultura do país”. É o que comenta o jornalista José Sebastião Menezes, Pós-graduado em Ensino de Comunicação pela Universidade do Estado da Bahia, (UNEB/ URGN) e que atuou na Tv durante 12 anos. Para ele, a televisão tem um compromisso de trabalhar em prol da sociedade, mas as relações capitalistas fazem com que esse papel, muitas vezes não seja cumprido.

Jota Menezes discute essa temática no livro Televisão, poder e Cidadania, a implantação da TV pública no Brasil, lançado no final do mês de maio,  na Universidade do Estado da Bahia, (UNEB), em Juazeiro.

Multiciências - Mesmo com a existência de outras formas de interação, qual é o lugar da televisão hoje na vida social?
 
José Sebastião Menezes- A televisão foi uma das maiores protagonistas da contemporaneidade, principalmente depois dos anos 50. Ela é um meio de grande influencia por que é um produto da indústria cultural. A televisão teve uma importância fundamental no sentido de transformar hábitos, costumes, não só no Brasil como também no mundo através de suas novelas, noticiário e programas de entretenimento. Ela roubou a cena da segunda metade do século vinte e hoje continua muito forte, sendo justamente esse meio de interação. Com o advento da internet, houve meio que uma ameaça no sentido de audiência. Existem pesquisas relacionadas a internet que mostram que entre 2005 e 2011 houve um aumento do interesse dos jovens, em cerca de 222%. É um índice muito alto. Mas isso não tira de forma alguma a importância e a audiência da televisão. Ela vai precisar se adequar a uma nova forma de divulgação.

Multiciências -“ A maioria dos programas ditos de alto padrão cultural são incompreensíveis para a maioria da população brasileira” diante dessa afirmação de Maria Verônica Rezende de Azevedo, como avalia a programação de TV no Brasil?
 
José Sebastião Menezes- Eu penso que temos que melhorar muito.  A televisão precisa ser mais generosa. Ela nasce com um viés mercantil desde Assis Chateaubriand, quando funda a Tv Tupi, até os dias atuais. Existe muito merchandising. Eu digo que isso é necessário por que vivemos em um sistema capitalista e as empresas principalmente as de comunicação precisam pagar suas contas. Mas não se pode pensar um veículo de comunicação apenas no viés lucrativo, por que a própria constituição cobra para empresas concessionárias de comunicação, principalmente rádio e televisão, que exista um espaço para a pluralidade, para que a sociedade utilize, divulgando a cultura e cidadania por exemplo. A televisão brasileira abre um espaço pequeno para isso. É só prestar atenção nos programas educativos e culturais. Muitas vezes são realizados nos piores horários. É uma contradição. Um veículo que na Europa nasceu educativa e voltada para a cultura, hoje não reserva espaços suficientes para que isso seja divulgado.

Multiciências- De que maneira a televisão brasileira aberta colabora para a estagnação intelectual?
 
Jota Menezes- Quando ela apresenta os programas sensacionalistas. O telespectador liga a televisão e lá o que observa, é uma gama de programas que não ajudam muito, do ponto de vista intelectual. Talvez o mais famoso e conhecido seja o Big Brother, um programa que trazia como proposta mostrar a vida privada e como isso acontece dentro de um lugar fechado. Temos conflitos em casa, na escola, no trabalho, mas a forma como a televisão traz isso dentro do programa, coloca o ser humano em seu mais baixo nível e isso eu acho que é ruim pra uma sociedade que quer se desenvolver, e crescer do ponto de vista intelectual. E os programas policiais que também não tem o interesse de construir. Os veículos de comunicação deveriam trabalhar em uma vertente de construção e desenvolvimento, mas o que a gente ver, que é mais importante mostrar o lado bizarro, fútil, do que propriamente esse desenvolvimento e coloca como se a sociedade fosse espelho daquilo. As novelas, por exemplo, elas tem o seu lado cultural importante de aprendizado, fazendo uma releitura da história, mas ao mesmo tempo elas também trazem  estereótipos, apresentado um pedaço do pais como se fosse o espelho da realidade.

Multiciências- A televisão está cada vez mais fazendo parte de conglomerados de comunicação, para os grandes grupos ainda é lucrativo manter um canal de televisão?
 
Jota Menezes- Sem dúvida. Todo o ano sai na mídia o valor que cada uma das emissoras fatura. Existe inclusive uma crítica do pensador Ignácio Ramonet jornalista e grande estudioso das comunicações. Ele acha que o interesse maior é o lucrativoe isso pode ser uma ameaça para a sociedade, principalmente no aspecto do exercício da cidadania, pois se uma empresa de comunicação assume um compromisso, esta é obrigada a cumpri-los sob pena de ter o contrato quebrado. Então quando eles assinam esses contratos, assumem compromissos muito sérios do ponto de vista econômico e isso acaba trazendo prejuízos à sociedade. É por isso que Ignácio Ramonet diz que existem os quatro poderes: o legislativo, o executivo, o judiciário e o poder da mídia e tá na hora de ter um quinto poder, que é a cidadania. Ela vai dar o equilíbrio aos outros poderes. Então é preciso que nós tenhamos esse senso crítico de estar refletindo sobre os veículos de comunicação, por que além de trazer melhorias para a sociedade, a televisão suscita o debate, mostra novidades da ciência, educação, desenvolvimento tecnológico, mas ao mesmo tempo perigos por mostrar ideologias que possam ser contrárias aos interesses da maioria.

Multiciências- “Saiu na TV então é verdade” Por que as pessoas dão tanta credibilidade ao que passa na Televisão?
 
Jota Menezes- Por que a televisão se tornou um veículo protagonista da mídia. Quando a gente fala em quarto poder, aquele  que a mídia tem, de influenciar e impactar a sociedade, estamos falando da televisão. Por que a televisão é o veículo que reúne as pessoas na sala para assisti-las. Foi ela quem trouxe o advento da imagem fortalecido pela voz, como acontece até hoje no rádio. Então ela ganhou esse poder de sedução. É uma sedução que é feita com a imagem, seus produtos, e nada do que passa na televisão é de graça. Existe um interesse de um domínio ou de uma influencia psicológica e isso inclusive é estudado pelos especialistas. A televisão consegue ter essa capacidade de prender os telespectadores diante de uma “tela mágica”. A força da imagem proporcionou isso e o público, principalmente o brasileiro, se adaptou muito bem a esse tipo de comunicação, através das novelas e dos programas de entretenimento. Mas é preciso que a gente mostre também que existe um outro lado que é o da educação, da preparação cultural do nosso povo. Temos um déficit na educação no Brasil até hoje, pois não há investimento e não se prioriza e isso acaba se refletindo no telespectador.

Multiciências- Quais as maiores dificuldades que a Tv Pública enfrenta Hoje?
 
Jota Menezes- Acredito que seja a própria falta de tradição. Não temos em formato de rede naciona luma história voltada para a Tv pública.  Nós temos exemplos esporádicos como o caso da Tv Cultura de São Paulo. Mas é uma emissora que tem uma responsabilidade regional com o estado e a região Sudeste, embora ela já tenha crescido muito no sentido de trazer a programação em nível nacional. A Tv Brasil foi uma novidade em formato de rede nacional. Criada em 2007 por Lula, tem o objetivo de preencher o vazio que a população brasileira cobra que é a pluralidade, ter espaço para as identidades culturais desses pais tão rico. A Tv pública é criada com esse objetivo de mostrar o Brasil que o Brasil não conhece. Mas ela tem problemas primeiro é desconhecida do grande público. A audiência da Tv Pública é muito pequena. Eu digo no meu livro justamente isso que é preciso que ela seja mais ousada, que tenha mais ambição, na questão de fazer uma Tv mais atrativa. A Globo como Tv comercial, é muito boa do ponto de vista técnico, de estrutura, de novidades tecnologias. Eu acho que a Tv pública pode copiar isso sim e fazer o conteúdo de outra forma. E me preocupa muito nos discursos dos diretores da Tv Pública essa pouca preocupação em ser mais ambiciosa. Deveria ser uma televisão que pensasse em disputar inclusive a audiência. É um outro formato que precisa de investimento para ela trazer esse diferencial que a Tv aberta comercial não dá. A Tv pública ainda é muito tímida.

Multiciências- Qual a diferença entre Tv Pública e Estatal?
 
Jota Menezes- A Tv estatal é aquela que gerida pelo estado como a NBR, TV do Congresso Nacional e a TV Senado que apresentam ao público, projetos, programas, solenidades do governo. Então é preciso que essas definições fiquem muito bem claras. A Tv pública deveria ser gerida pelo público como é a BBC de Londres, a grande emissora de televisão. É uma Tv que tem uma história, tradição, conceito de boa televisão. Possui uma certa independência no seu modo de trazer esse espelho da realidade. Ela não está ligada a governo e é mantida pela população britânica, que paga uma taxa anual pra que a Tv exista A população aprova porque ela traz a cultura britânica, tem programas especiais voltados para a questão da sustentabilidade, educação, tecnologia. É uma emissora que criou uma tradição e um conceito muito forte de TV plural. É o que nós precisamos aqui. A Tv publica precisa ser gerida pelo publico.

Multiciências-O Brasil está preparado para ter uma Tv gerida pelo povo?
 
Jota Menezes -Isso é outro debate onde se tem que mergulhar trazer os movimentos sociais, a sociedade civil, especialistas em comunicação para discutirem a viabilidade de um novo formato de Tv no país. A iniciativa de Lula foi louvável para suscitar esse debate mesmo que a TV Brasil esteja sob os olhares do governo. A TV pública precisa resolver primeiro a questão da audiência. Ela tem que ser menos tímida e brigar por audiência sim. Ampliar mais esse leque para se fazer mais conhecida. Fazer uma grande campanha nacional em favor da TV Pública eu acho que isso é importante. E com o tempo essa TV vai se desvencilhar do poder do estado, mais tarde ela se transformará em uma TV gerida pelo povo como acontece com a BBC de Londres.

Por Sheila Feitosa (Texto) e Larissa Paim (foto).